A Bacia das Almas
Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem o trabalho de vir buscar o seu arabutan. Uma vez um velho perguntou-me:
– Por que vêm vocês, mairs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para se aquecerem? Vocês não tem madeira na sua terra?
«E vocês por acaso
precisam
de muita?»
Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas extraíamos dela tinta para tingir, tal o qual eles faziam com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente:
– E vocês por acaso precisam de muita?
– Sim – respondi-lhe – pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que vocês podem imaginar, e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.
– Ah! – retrucou o selvagem – É assombroso o que você me conta.
E acrescentou, depois de compreender bem o que eu lhe dissera:
– Mas esse homem rico de quem você me fala não morre?
– Sim – disse eu – morre como os outros.
O missionário calvinista Jean de Léry tenta explicar o espírito do capitalismo a um índio tupinambá, durante sua permanência no Brasil na França Antártica em 1557.
Histoire d’un Voyage Fait en la Terre du Brésil, 1578