Contam que havia um pai com dois filhos: Leonardo e Pedro.
Desde cedo, ficou claro que havia um problema no relacionamento da família. Dizem que Pedro só comia porque alguns vizinhos lhe davam de comer. O pai mesmo, nunca se preocupou. Suas atenções estavam todas voltadas para Leonardo.
Pedro nunca ganhou uma roupa do pai. Todas que vestia eram doadas por quem se compadecia de sua situação. Por outro lado, Leonardo sempre usou roupas boas, capazes de fazê-lo sentir quente e confortável.
Quando perguntavam para o pai o motivo de deixar Pedro passar fome e frio, ele explicava que o tinha gerado para sofrer. Esse era seu destino. Já não era o caso de Leonardo: esse fora gerado para ser feliz.
Leonardo e Pedro cresciam. Leonardo sempre bem vestido e alimentado, enquanto Pedro amargava sua existência.
Certo dia, Leonardo disse para o pai:
- Pai, estou com fome.
- Poxa meu filho, vamos resolver isso agora mesmo! – respondeu o pai.
Foram até um restaurante onde Leonardo matou aquilo que o estava matando.
Na noite do mesmo dia, Pedro foi até o pai:
- Pai, estou com fome.
- Pedro, sinto muito. Gastei tudo o que tinha com o seu irmão – respondeu o pai, sem olhar o filho nos olhos.
Pedro foi dormir com fome.
Naquela mesma semana, numa conversa com o pai, Leonardo disse:
- Pai, preciso de um tênis novo.
- Claro! Vamos até o shopping comprar um e resolver esse problema – retrucou o pai, entusiasmado em presentear o filho.
Assim, foram no shopping e compraram um lindo par.
No mesmo dia, Pedro se dirigiu ao pai:
- Pai, ainda estou com fome. Faz quase uma semana que não como nada.
- Pedro, hoje usei meu dinheiro guardado para comprar um tênis para o seu irmão. Você terá que esperar mais um pouco para comer – respondeu o pai, que jogava bafo com Leonardo.
Mais uma vez, Pedro foi dormir com fome. Por sorte, no dia seguinte encontrou uma vizinha octogenária que lhe deu um prato de sopa.
Era assim que a vida da família de se desenrolava. Todos do bairro conheciam o relacionamento deles. Uns achavam estranho, pois Pedro era rejeitado pelo pai, que não dava a mínima para as suas necessidades básicas. Outros achavam normal, pois Pedro havia sido gerado para sofrer, portanto, seu destino estava se cumprindo.
Leonardo entrou na faculdade, enquanto Pedro nem terminou o primário. Ele não conseguia acompanhar as atividades da escola, pois vivia desnutrido.
Desistiu também de pedir comida ao pai, pois nunca tinha obtido sucesso, e, na última vez, o pai simplesmente o ignorou.
Pedro já não comia há quase um mês. Suas forças estavam acabando, tinha dificuldade até para manter os olhos abertos. Ouvindo o pai conversar com Leonardo enquanto assistiam televisão juntos, Pedro ouviu a conversa:
- Pai, estou precisando de um carro para ir até a faculdade. Os ônibus estão sempre cheios, e o metrô mais perto de caso fica a 3 Km daqui!
- Léo, fique em paz. Amanhã mesmo compraremos o seu carro. Você não terá mais transtorno para se locomover – respondeu o pai, sorrindo para o filho.
Naquela mesma noite, Pedro fugiu de casa, se arrastando pelo chão, debaixo dos olhos do pai, que parecia não notá-lo. Engatinhou por apenas alguns quilômetros até morrer. Seu corpo não suportou a falta de comida e se entregou.
No enterro, o pai não derramou uma lágrima. Num determinado momento, pediu a palavra:
- Pedro nasceu para sofrer. Foi para isso que o gerei. A sua miséria já estava determinada. Contudo, vejam o Leonardo: esse nasceu para vencer. O gerei para fazê-lo vitorioso.
Leonardo, convencido pelo discurso do pai, sorria, orgulhoso, com olhar de superioridade.
Alguns poucos repudiaram aquela família, mas, estranhamente, muitos outros passaram a adorá-la.
Os que adoraram, a partir daquele dia, passaram a chamar aquele pai de Deus. Passaram a acreditar que Leonardo fora eleito para salvação. Em contrapartida, passaram a acreditar que Pedro fora eleito para a danação.
Depois de algum tempo, começaram a dizer Leonardo tinha o favor do pai porque lhe oferecia sacrifícios, favores, e coisas afins, enquanto Pedro nunca havia lhe oferecido nada. A questão girava em torno do ego de Deus. Para outros, a questão era a determinação a priori de Deus a respeito do destino de seus filhos.
Muitas teorias surgiram para explicar essa história - que nunca foi bem contada. O que se sabe é que todos queriam ser Leonardo. Assim, agiam com superioridade e orgulho - se julgavam eleitos.
Pedro se tornou um assunto obsoleto, indesejado, incômodo. Ninguém queria pensar sobre como Deus o tratava ou porque o havia gerado. A questão toda era a respeito de Leonardo e seu sucesso.
Há quem acredite nessa história sobre Deus pai. Até hoje falam sobre ele, que gera uns para a salvação e outros para a danação. Que dá a um filho tudo do bom e do melhor, e simplesmente ignora a miséria do outro. Fazem orações dia e noite para que ele, o pai, os trate como tratou Leonardo - porque ninguém quer ser Pedro.
Mas alguns, como eu, não acreditam. Não aceitam a existência de um Deus pai impassível, que trata seus filhos de forma arbitrária. Pensamos que é uma falácia criada por seres humanos sem coração.
Lucas Lujan
Como disse uma vez pra o Lucas, para um Deus assim, eu prefiro ser o Pedro, do que viver a eternidade do lado dele...
Nenhum comentário:
Postar um comentário