O carnaval já começa a acordar pelas cidades, com blocos pipocando aqui e ali (para mim, particularmente, os festejos só começam oficialmente quanto ouço aquele repórter de TV em Pernambuco soltando seu eterno “Aqui, em Olinda, a festa não tem hora para acabar”). Parte do país, pelo menos a sua mídia, já entrou no clima – com destaque para os açougues de mulheres em que se transformam muitos veículos de comunicação na busca por audiência. Eu sei, eu sei, parece coisa de gente mal-humorada reclamar disso. Mas para entrar nos festejos de momo, não é preciso deixar o cérebro na chapelaria.
E foi de frente para a TV ontem que quase tive uma síncope. Fiquei imaginando o que aquele comentarista de carnaval (profissão genuinamente tupiniquim) queria dizer com “o brasileiro, novamente, tem a chance de cair na folia para resolver todos os problemas”. Se ainda fosse “ignorar” ao invés de “resolver”, vá lá. Com isso, lembrei-me de uma cena que retratei tempos atrás que mostra que, mesmo diante de tanta gente sorrindo, certas coisas não mudam. Nem com um milhão de confetes e mil quilômetros de serpentina:
A fantasia nova era seu orgulho. E ele, o orgulho dos pais. Espada de plástico, calça, colete, botas e lenço na cabeça – sem esquecer de um indefectível tapa-olho – faziam do menino um pirata no carnaval de rua daquela cidadezinha do interior. A mãe municiava seu pequeno corsário de confete, com o qual ele atacava, sem cerimônias, os transeuntes. Enquanto isso, o pai registrava tudo com uma câmera de vídeo digital – para a posteridade. Sabe como é, os filhos crescem rápido demais.
Sem que fosse sua intenção, um dos ataques de bolinhas de papel acertou em cheio um outro menino, fantasiado de catador de latinhas de alumínio. Fantasia sem graça aquela, feita por uma camiseta esburacada, bermuda encardida e pés descalços. Ao invés de uma reluzente cimitarra de plástico, cinco ou seis latinhas de cerveja carregadas na improvisada bacia formada pelos braços. O tamanho dos dois era o mesmo, tiquinhos de gente de seis anos, no máximo.
O menino fantasiado de catador de latinhas, que seguia em uma marcha firme, se detém. Sem dizerem nada, por um instante, se olham. O pirata deve ter pensado que fantasia estranha era aquela, cheirando a cerveja. Não seria melhor deixar aquelas latinhas ali e vir brincar com ele? Havia confete para todo mundo no saco da mamãe. E a rua era grande o suficiente.
O olhar do outro parou em misto de inveja e resignação – apesar dele não ter idade para entender o que é inveja, muito menos resignação. Ter um fantasia bonita e colorida como aquela seria bom demais. Não ter que trabalhar na noite de domingo, poder brincar com os pais, melhor ainda. Mas o tempo corria – o tempo sempre corre. Tinha que procurar mais latinhas porque a concorrência estava alta e a festa, como a infância, não ia durar muito mais tempo.
Virou o rosto para frente, continuou sua marcha e se perdeu na multidão. O outro ainda ficou parado um instante. Depois, enfiou a mão no saco de confetes e jogou novamente para cima, formando uma chuva de papel.
Afinal de contas, é carnaval. E o brasileiro, novamente, tem a chance de cair na folia para resolver todos os problemas.
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