A princípio, sempre podemos e devemos afirmar que um outro mundo e um outro sistema econômico são possíveis. Podemos afirmar, pois isso é um fato histórico e social na medida em que todas as formas de sociedades e economias, como todas as instituições humanas, são situadas historicamente e têm início e fim. Além de ser uma constatação factual, devemos sempre anunciar que um outro mundo é possível, pois esquecer isso significa absolutizar o sistema vigente. E sistemas sociais que são tratados ou se afirmam como absolutos - dizendo que não há alternativa a elas - convertem-se em ídolos e exigem sempre sacrifícios de vidas humanas.
O dever de anunciar e lutar por um outro mundo não nasce somente dessa posição filosófica ou teológica de negar o caráter absoluto do mundo atual, mas principalmente das graves crises sociais (miséria, desemprego estrutural, exclusão social, violência, etc) e da crise ambiental geradas pelo atual modelo de globalização econômica. O atual sistema econômico-social é injusto e insustentável.
É insustentável porque o crescimento econômico do atual modelo de globalização necessita que o padrão de consumo dos países ricos seja introduzido cada vez mais por todo o mundo, homogeneizando o estilo de vida e desejos de consumo. É essa homogeneização do padrão de consumo e das relações sociais que permite a produção em escala global e o mercado consumidor global, sem os quais as grandes corporações transnacionais perderiam a sua vantagem competitiva. Essa expansão se legitima sob o mito do progresso econômico que diz que não há limites para o crescimento econômico, que esse crescimento pode e deve ser imitado por todo o mundo e que há uma harmonia entre o progresso técnico, crescimento econômico e o desenvolvimento da humanidade. Em outras palavras, quanto mais crescimento econômico e mais consumo, mais desenvolvimento humano e realização do ser humano.
Esse mito central e fundante do mundo moderno não está presente somente nos livros ou nos discursos ideológicos, mas também no cotidiano das pessoas integradas nessa economia e nessa cultura. Tomemos como exemplo o depoimento de uma ex-diretora da Coca-Cola no Brasil, Marilene Pereira Lopes, de 51 anos: "Na noite de 17 de maio de 2001 dormi pensando na agenda pesada que teria de enfrentar no dia seguinte. Quando acordei não estava sentindo meu braço. (...) Durante a madrugada tinha sofrido um acidente vascular no lado esquerdo do cérebro. (...) As pessoas acreditam que, se as coisas vão bem no trabalho, se a vida profissional está em ascensão, todo o resto ficará bem. Foi preciso passar por um drama para perceber que isso não é verdade. Aos poucos voltei a falar, ainda que com dificuldade. Resolvi pedir demissão e fazer uma revisão da minha vida". 1
Não somente o corpo humano tem limites, como a própria natureza possui limites que não possibilitam a universalização do padrão de consumo da elite dos países ricos. Na verdade, essa obsessão por mais crescimento econômico e mais consumo é um das causas principais da crise ambiental. Além disso, as elites e os setores médios dos países pobres só conseguem realizar o seu desejo de imitar o padrão de consumo das elites dos países ricos na medida em que aumentam a taxa de exploração sobre os mais pobres e diminuem gastos nas áreas sociais, gerando uma divisão no interior do país entre os incluídos nesse novo mercado global e os excluídos. Na medida em que a pressão da economia capitalista global e os desejos de imitação do padrão de consumo empurram os processos econômicos e sociais nessa direção da homogeneização do padrão de consumo e a busca frenética de mais consumo, as crises sociais e ambientais se agravam.
É claro que, diante dessa crise, surgem muitos ideólogos do capitalismo anunciando que o progresso contínuo da ciência e da tecnologia será capaz de superar os limites da natureza e que o mercado livre será capaz de superar essas crises sociais. Eles anunciam uma fé cega na ciência, na tecnologia e no mercado para tentar esconder ou desviar a atenção dos sofrimentos de bilhões de pessoas e da destruição do nosso meio ambiente. As mortes de espécies inteiras e de milhões de pessoas seriam os sacrifícios necessários para o crescimento econômico que possibilitaria a realização do desejo de consumo ilimitado.
Em resumo, o atual sistema econômico capitalista não é somente injusto, mas é também econômica, social e ambientalmente insustentável. Diante dessa situação, cabe à teologia e aos grupos religiosos contribuírem a partir da sua especificidade da teologia e da religião. Isto é, podemos e devemos contribuir criticando a absolutização do mercado capitalista, a idolatria do mercado, e o mito do progresso que exigem e justificam sacrifícios de vidas humanas e do meio ambiente; além de criticar esse desejo obsessivo de consumo que nasce da ilusão de que é a imitação dos padrões de consumo da elite que nos torna melhores seres humanos.
Jung Mo Sung
fonte: Adital
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