sexta-feira, 23 de abril de 2010

DEUS EM NÓS: O REINADO QUE ACONTECE NO AMOR SOLIDÁRIO AOS POBRES

O livro apresenta os dois últimos textos (inacabados) de Hugo Assmann, teólogo, sociólogo e pedagogo de reflexões inovadoras, críticas, criativas e provocativas. Só por isso, já poderia ser considerado uma obra significativa. Mas, mais do que isso, pessoas que empenham a sua vida na luta por uma sociedade e relações sociais mais humanas vão encontrar nas últimas reflexões de Assmann, especialmente na proposta de mística de “Deus em nós”, endomística, luzes para novas reflexões e caminhadas. Complementando as reflexões de Assmann, a segunda parte do livro, escrito por mim propõe repensarmos o critério que, no inconsciente coletivo do cristianismo de libertação, tem servido para julgar as práticas pastorais, sociais e políticas: a noção de libertação como uma ruptura radical ou a construção do Reino de Deus.

Tomando a sério as contradições e complexidade da vida social, o livro propõe como critério a experiência de “Deus em nós”, o reinado de Deus que acontece no interior da luta e do amor solidário para com os pobres e as vítimas de sistemas e relações humanas opressivas.

Índice

Introdução

PARTE I: (Hugo Assmann)
Cap 1. Ampliar e aprofundar sensibilidades: elementos para uma pedagogia do terceiro milênio
Cap 2. Fragmentos de Sócio-Pedagogia

PARTE II (Jung Mo Sung): (Jung Mo Sung)
Cap 3. Categorias sociais e a experiência espiritual.
Cap 4. Assistencialismo, reformismo e libertação: qual é o critério?
Cap 5. O reinado de Deus e sistemas sociais.
Cap 6. A plenitude possível e a mística do Deus em nós.

Anexo: Hugo Assmann: teologia com paixão e coragem

ASSMANN, Hugo & SUNG, Jung Mo. Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres. São Paulo: Paulus, 2010.

Contato: Livrarias Paulus

A pedofilia e a estranha santidade da Igreja

Jung Mo Sung *
Adital -

Há uma pergunta na minha cabeça sobre o escândalo da pedofilia entre o clero da Igreja Católica que ainda não encontrei ou li uma resposta satisfatória: por que tantos bispos ou padres superiores ajudaram a encobrir esses casos? Eu não posso crer que todas essas pessoas que de um modo ou outro ajudaram no encobrimento tenham feito isso porque são pessoas más ou insensíveis em relação aos sofrimentos das crianças e adolescentes vítimas desses abusos.

Pedofilia é um problema ou crime que acontece em muitos meios sociais, entre heterossexuais e homossexuais, entre pessoas que vivem a disciplina do celibato (como os padres) e também no meio das pessoas casadas, assim como entre pessoas de fé religiosa e os não-crentes. Eu penso que o maior desapontamento em relação à Igreja Católica não é o fato de que no meio dela há também padres pedófilos, mas sim a descoberta que por muitos anos e em muitos lugares esses problemas foram encobertos.

O fato de que o padrão do encobrimento aconteceu em tantos lugares e por tanto tempo mostra que o problema não foi uma questão de decisões erradas de algumas pessoas, mas parece ser expressão de algo mais estrutural e profundo, algo que faz parte da "cultura" da Igreja Católica, ou da hierarquia da Igreja Católica.

Eu tenho uma suspeita: todos ou quase todos esses encobrimentos visavam um bem maior! Isto é, são frutos de boas intenções! Os documentos e as entrevistas mostram que o objetivo do encobrimento não era apoiar ou legitimar a pedofilia; mas, sim, preservar um bem maior que é a "Santa Igreja Católica". Para isso, se preciso fosse, essas pessoas boas se tornavam insensíveis aos sofrimentos das vítimas de abusos. Quando buscamos o bem maior que estaria acima da vida humana, nós somos capazes de nos tornar insensíveis aos sofrimentos das pessoas que aparecem como um obstáculo ou perigo a esse bem maior.

Para os que ajudaram no encobrimento, assumir que havia e há padres pedófilos (ou outros problemas morais e religiosos graves) seria mostrar ao mundo que a Igreja não é santa, e que por isso a Igreja Católica não seria a Igreja de Deus, e assim perderia a sua autoridade moral para ensinar e mostrar o caminho da santidade, o caminho para Deus. Por isso, tudo (ou quase tudo) deve ser feito para manter a imagem de santidade da Igreja.

É claro que diante desses escândalos há os que dizem (com maior ou menor satisfação) que a Igreja Católica não é e nunca foi santa porque está cheio de pecados e defeitos. Eu penso que esses dois grupos aparentemente com posições opostas compartilham de um mesmo conceito fundamental: a santidade como não ter pecado ou defeito.

Há aqui, penso eu, uma postura teológica equivocada que ajuda explicar, pelo menos em parte, porque tantas pessoas de boas intenções fizeram parte dos processos de encobrimentos que prolongaram e aumentaram desnecessariamente sofrimentos de tantas pessoas. Elas estavam fazendo isso para defender a imagem de santidade da Igreja que garantiria a autoridade moral e espiritual da missão da Igreja.

O problema é que a santidade da Igreja e das pessoas não consiste em não pecar ou não ter defeitos. Santo assim, só Deus! A santidade da Igreja e das pessoas que buscam viver uma vida de santidade, no caminho de Jesus e/ou no seguimento do Espírito de Deus, consiste exatamente no contrário: em se reconhecer pecadora. Só na medida em que nos reconhecemos pecadores é que podemos nos abrir para a misericórdia e a graça de Deus. Assim como uma pessoa higiênica tem muito mais sensibilidade para sujeiras do que uma pessoa não-higiênica, uma pessoa ou Igreja santa tem muito mais sensibilidade para os seus pecados e se reconhece como pecadora. E assim procura não encobrir os seus pecados, encobrimento este que gera mais vítimas, e busca o caminho da conversão constante tentando restaurar a vida e a dignidade dos que sofreram por causa dos nossos pecados. Assim mostra ao mundo a misericórdia de Deus e o caminho da santidade.

Para que a Igreja cumpra bem a sua missão, o caminho não é procurar se apresentar como sem pecado ou defeito, mas sim viver a vida de uma comunidade que assume a sua condição humana e de pecadora e busca constantemente a misericórdia e o perdão de Deus para si e para toda a humanidade.

Afinal, a Igreja não existe para anunciar a sua santidade, mas sim o amor, o perdão e a graça libertadora de Deus.

[Autor, juntamente com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres", Ed. Paulus].
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