sábado, 24 de julho de 2010

Haiti: Principais causas do sofrimento das vítimas seguem sem resposta


Alguns acham que por estarem debaixo da Visão Celular terão vitórias financeiras, saúde e proteção divina...

Decreto sacerdotal de cura, libertação e restauração
Renê Terra Nova

A Bíblia diz tudo o que o sacerdote disser, assim será. E o Brasil vai mudar, porque aquilo que o sacerdote disser, assim será. E eu digo que sua cura chegou! Eu declaro que sua benção chegou! Decreto que sua restauração chegou!

(...) Esta é a geração que tem a unção de profeta e a unção de sacerdote, por isso, ninguém ficará leproso na alma, ninguém ficará leproso na Visão Celular. Todo apóstolo é um sacerdote que decreta a mudança e liberta o povo, porque decreta a retirada das prisões.

(....)Recebi de Deus hoje uma mensagem que diz que a cura virá no nível pessoal, familiar e no nível financeiro. No ano da crise, muitos irão acumular bens e riquezas.


Enquanto isto... no Haiti, nada mudou. Talvez por não estarem dentro da Visão Celular?


MSF: ‘Principais causas do sofrimento das vítimas seguem sem resposta’

Natasha Pitts *

Adital -
Passados mais de seis do terremoto que devastou o Haiti, a população continua necessitando de ajuda para reconstruir seu país e para retomar suas vidas. Esta constatação foi feita pelos membros da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) no relatório ‘Resposta de emergência após o terremoto do Haiti: Decisões, desafios, atividades e finanças’, publicado neste mês de julho.

De acordo com o relatório da organização médico-humanitária internacional, que, antes do terremoto de 12 de janeiro já prestava assistência médica há 19 anos no Haiti, "as principais causas do sofrimento das vítimas seguem sem resposta".O que significa que grande parte da população continua vivendo em situação de extrema precariedade, sobretudo com relação à moradia e saneamento.

"Dada a lentidão da reconstrução, e com a estação de chuvas agravando a situação dos desabrigados, a necessidade mais urgente é proporcionar-lhes refúgio: mais de um milhão de pessoas seguem vivendo mal hoje embaixo de lonas, e sem expectativas de melhora", pontua o relatório. A estação das chuvas agravou a situação e já se aproxima a temporada de furacões, que pode tornar ainda pior a vida da população haitiana, que se amontoa em assentamentos urbanos.

Segundo revelaram os médicos do MSF, mesmo estando acostumados a viver com recursos limitados, haitianos e haitianas estão frustrados e com raiva devido às poucas mudanças que ocorreram em seu país e em sua condição de vida. "Há uma surpreendente brecha entre o entusiasmo e as promessas de ajuda às vítimas do terremoto das primeiras semanas e a dura realidade no terreno depois de seis meses", avaliou o coordenador geral do MSF, Stefano Zannini.

A ajuda humanitária que ainda chega ao país está sendo suficiente para manter a população viva, mas não está sendo satisfatória para paliar algumas das principais necessidades. Os alimentos continuam a chegar, em virtude do Programa Mundial de Alimentos, no entanto, há menos segurança de que esta ajuda continue a ser enviada por mais tempo. De acordo com o relatório, não houve aumento na desnutrição.

Com relação á água, há menos segurança e menos possibilidades de adquiri-la. Nos três primeiros meses, houve distribuição gratuita, mas depois disto foi estabelecido um sistema de cobrança que impossibilita muitas pessoas que não têm qualquer tipo de renda de terem acesso a este bem essencial para a sobrevivência.

A falta de saneamento também é um problemática que persegue o Haiti desde antes do terremoto. Em algumas regiões, os Médicos Sem Fronteiras são os únicos a realizarem trabalhos de gestão de resíduos, cuidados com as latrinas e higiene. Com relação à necessidade de saneamento, o relatório pontua que ainda existem muitos desafios que continuam sem resposta. "Há apenas um aterro sanitário em toda a cidade, mas está transbordando. Não se têm buscado alternativas e a temporada de chuvas está agravando os problemas de acesso e a contaminação".

No que diz respeito à saúde, ainda é preciso avançar, no entanto muito já foi feito desde o terremoto de 12 de janeiro. Até 31 de maio, apenas os membros dos MSF já haviam atendido mais 173 mil pessoas e realizado mais de 11 mil cirurgias. Mais de 81 mil pessoas receberam ajuda psicológica para conseguir superar o trauma.

De acordo com Unni Karunakara, presidente internacional do MSF, a organização está comprometida com as vítimas do terremoto e seguirá prestando assistência ao país nos próximos anos. "O terremoto destruiu grande parte dos serviços médicos disponíveis, e passarão muitos anos para que o país se recupere. MSF está disposto a assumir sua parte na reabilitação da atenção sanitária aos haitianos e dedicará suas equipes e recursos a esta tarefa até conseguir seus objetivos".

Para conhecer o relatório na íntegra, acesse: http://www.msf.es/sites/default/files/adjuntos/Informe-MSF-Haiti-Seis-Meses.pdf

O Novo Transcendente

Frei Betto *

Adital -
A história da humanidade é uma história de sujeições. No período pré-moderno, sujeição aos deuses do politeísmo, ao Deus do monoteísmo, ao Rei da monarquia e ao Povo (sujeito abstrato) da República. Havia sempre uma figura do Outro ao qual todos deveriam se reportar.

Esse Grande Outro prescrevia o certo e o errado, o bem e o mal, a graça e o pecado, a lei e o crime. O mundo se configurava de acordo com os preceitos do Grande Outro. As alternativas eram simples: sujeitar-se sob promessa de recompensa ou rebelar-se sob risco de punição.

Na modernidade, o Outro se multiplicou, adquiriu várias faces, descentralizou-se na diversidade de ideologias, sistemas de governo e crenças religiosas. Tanto a antiguidade quanto a modernidade nos remetiam à transcendência, ainda que fundada na razão. Se não era Deus, era o Partido, o líder supremo, as ideias inquestionáveis. Algo ou alguém nos precedia e determinava o nosso comportamento, incutindo-nos gratificação ou culpa.

A pós-modernidade, em cuja porta de entrada nos encontramos, promete fazer de nós sujeitos livres de toda sujeição. Seria a volta ao protagonismo exacerbado, em que cada indivíduo é a medida de todas as coisas. Já não se vive em tempos de cosmogonias e cosmologias, teogonias e ideologias. Agora todos os tempos convergem simultaneamente ao espaço reduzido do aqui e agora. Graças às novas tecnologias de comunicação, tempo e espaço ganham dimensão holográfica: cabem em cada pequeno detalhe do aqui e agora.

Será que, de fato, a pós-modernidade nos emancipa do transcendente e da transcendência? Introduz-nos no "desencantamento do mundo" apontado por Max Weber?

A resposta é não.

Há um novo Grande Outro que nos é imposto como paradigma inquestionável: o Mercado. As sedutoras imagens deste deus implacável são disseminadas por seu principal oráculo: a publicidade. À semelhança de seu homólogo de Delfos, nos adverte: "Dize o que consomes e eu te direi quem és".

O grande teólogo desse novo deus foi Adam Smith. Inspirado na física de Newton, em "A riqueza das nações" e "A teoria dos sentimentos morais", Smith aplicou à economia a metáfora religiosa do Grande Relojoeiro que preside o Universo.

O relógio funciona graças à precisão mecânica fabricada por alguém fora dele e invisível a quem o porta: o relojoeiro. Assim, na opinião de Newton, seria o Universo. Na de Smith, a vida social regida por interesses econômicos. A diferença é que o Deus Relojoeiro de Newton é chamado de Mão Invisível por Smith. Segundo este, o egoísmo de cada um, guiado pela Mão Invisível, promoveria o bem de todos...

É exatamente o que afirma Milton Friedman, líder da Escola de Chicago: "Os preços que emergem das transações voluntárias entre compradores e vendedores são capazes de coordenar a atividade de milhões de pessoas, sendo que cada uma conhece apenas o próprio interesse".

Esse o fundamento do pensamento liberal e do sistema capitalista. É o principio do laisser faire, deixar (deus) fazer. O que, traduzido em termos políticos, significa desregulamentar, não apenas as esferas econômicas e políticas, mas também a moral. Abaixo a ética de princípios e viva a ética de resultados! Nesse protagonismo pós-moderno, cada ego é a medida de todas as coisas. O que imprime ao sujeito (no sentido latino de sujeição, submissão) a impressão de autonomia e liberdade.

O resultado do novo paradigma centrado no deus Mercado todos conhecemos: degradação ambiental; guerras; gastos exorbitantes em armas, sistemas de defesa e segurança; narcotráfico e dependência química; esgarçamento dos vínculos familiares; depressão, frustração e infelicidade.

Ainda é tempo de professarmos o mais radical ateísmo frente ao deus Mercado e, iconoclastas, apelarmos à ética para introduzir, como paradigma, a generosidade, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho, a felicidade centrada nas condições dignas de vida e no aprofundamento espiritual da subjetividade.

Isso, contudo, só será possível se não ficarmos restritos à esfera da autoajuda, das terapias tranquilizadoras da alma para suportarmos o estresse da competitividade, e nos mobilizarmos comunitariamente para organizar a esperança em novo projeto político fundado na globalização da solidariedade.

Eis o desafio ético que, como assinalou José Martí, será capaz de articular emancipação política e emancipação espiritual.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Se o frio mata até boi, imagine como estão os índios no MS


Blog do Sakamoto

Mais de 2,7 mil bois morreram devido ao frio intenso no Mato Grosso do Sul na última semana, principalmente em áreas próximas à fronteira com o Paraguai. Bois magros e bezerros foram as principais vítimas das temperaturas perto de zero após experimentarem um calor de mais de 30 graus Celsius dias antes.

Pobres bois… Mas enquanto a morte do gado, que gerou prejuízos na casa dos milhões para os produtores do estado, ocupou manchetes, não vi o mesmo espaço ser dedicado à situação das populações indígenas ou trabalhadores rurais que acampam na beira da Estrada na espera pela terra. Um barraco de lona pode ser uma verdadeira geladeira nessas condições metereológicas.

Faço meu o questionamento de Egon Heck, do Conselho Indigenista Missionário: “Quando ligo a TV, vejo quase uma centena de gado que deixou de viver por hipotermia, ou seja, morreu de frio. No mesmo instante uma série de imagens começa me esquentar a mente. Como estarão os milhares de acampados embaixo da lona preta, índios e sem terra, por essas bandas de fronteira? Seu Farid, de Laranjeira Nhanderu, foi procurar uns pedaços de lenha molhada, difícil, pois jogados à beira da estrada estão proibidos de buscar lenha nas “propriedades”, fazendas da região. Talvez mal consigam aquecer o corpo, no meio do frio e da lama. Além do mais estão revoltados pela recente decisão do Tribunal Regional Federal, que negou o pedido de retornarem ao local donde foram expulsos. Lá ao menos estariam protegidos por árvores e teriam lenha para aquecer seus corpos. Uma outra pergunta me perturba.

Se nessa região, conforme afirmação do Kaiowá Anastácio, “um boi vale mais que uma criança e um pé de soja vale mais que um pé de cedro, e assim por diante”, certamente se bois morrem de frio, viram notícia, mas se algum índio, um indigente nas beiras de estrada ou calçadas da região, morrer de frio, será simplesmente uma morte, mas não uma notícia.”

Vale sempre lembrar que os guarani kaiowá do Mato Grosso do Sul enfrentam a pior situação entre os povos indígenas do Brasil, apresentando altos índices de suicídio e desnutrição infantil. O confinamento em pequenas parcelas de terra é uma das razões principais para a precária situação do povo, alijados de seus territórios tradicionais pela expansão do agronegócio. Sem alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores de mão-de-obra e muitos acabaram como escravos em usinas de açúcar e álcool no Estado nos últimos anos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Por tão Pouco


Paulo Brabo - Bacia das Almas

O Senhor ensina no evangelho: vigiai, permanecendo atentos contra toda malícia e cobiça. Guardai-vos de todas as ansiedades deste mundo e dos cuidados desta vida.

Portanto que nenhum dos irmãos, não importando para onde vá, leve consigo, receba ou tenha recebido qualquer forma de dinheiro ou de moeda, quer seja para vestuário, livros ou para o pagamento de qualquer trabalho – de fato, não por qualquer razão, a não ser por uma necessidade evidente de irmãos enfermos; porque não devemos de modo algum pensar que moeda ou dinheiro tenham utilidade maior do que pedras. O diabo quer cegar aqueles que desejam dinheiro e moedas ou consideram-nos melhores do que pedras. Nós, que abandonamos todas as coisas, tenhamos então cuidado para não perder o reino do céu por tão pouco.

Se encontrarmos moedas em algum lugar, não prestemos mais atenção a elas do que ao pó que pisamos com os pés, pois “vaidade das vaidades, e tudo é vaidade”. Se, por acaso e Deus não o permita, acontecer de algum irmão coletar ou carregar moeda ou dinheiro, a não ser pela supramencionada necessidade dos enfermos, que todos os irmãos passem a considerá-lo um irmão enganador, um apóstata, um ladrão, um assaltante e como aquele que levava a bolsa de dinheiro, a não ser que sinceramente se arrependa.

Que os irmãos de modo algum recebam, combinem de receber, coletem ou combinem de coletar dinheiro para colônias de leprosos ou moedas para qualquer outra casa ou lugar, e que não acompanhem ninguém que esteja pedindo dinheiro ou moedas para tal lugar. Porém os irmãos podem prestar para esses lugares outros serviços não contrários à nossa vida com a benção de Deus. Os irmãos podem pedir coisas que venham atender uma necessidade manifesta dos leprosos, mas devem tomar muito cuidado com o dinheiro. Semelhantemente, que todos os irmãos cuidem para não passar pelo mundo tendo como objetivo o sórdido lucro.

São Francisco de Assis, Regula non-bullata (1221)

domingo, 18 de julho de 2010

O poder de Deus e o poder do amor

François Varillon -

Nós, cristãos, afirmamos tranquilamente, como se isto fosse evidente, que Deus é todo-poderoso ou será que pronunciar tais palavras provoca em nós um mal-estar?

Creio que para muita gente, isto não apresenta dificuldades; efetivamente, Deus é Deus, não se compreende como não será todo-poderoso. Mas há outras pessoas, contudo, cada vez mais numerosas na época de crise que ora atravessamos, para as quais as afirmações de uma onipotência de Deus é o mais grave motivo para não crer.

Não sejamos superficiais ao analisar a posição desses homens: no fundo, eles julgam mais digno do homem e, consequentemente, mais verdadeiro proferir um céu vazio ao fantasma de um Imperador do mundo, potentado, déspota, dramaturgo supremo, a manobrar as marionetes da tragicomédia humana, fixando, petrificando ou curto-circuitando liberdades, que, aliás, supõe-se que haja criado.

Admito ateus que são ateus por lhes parecer contraditório o conceito do Absoluto ou de Transcendente. Creio, porém, que a maioria dos ateus são aqueles que abominam uma onipotência que seria denegadora ou destruidora de nossa liberdade. De todas as flechas que visam a fé cristã ou mesmo ao deísmo, a que pretende ferir Deus em sua onipotência é a que mais seguramente se aproxima do alvo.

Ora, se reflito naquilo que creio (e eu os convido a refletir naquilo em que crêem), vejo claramente o seguinte: seria radicalmente impossível para mim fiar-me em Deus, abandonar-me a Ele em confiança se nada soubesse sobre a natureza de seu poder. Ele é todo-poderoso mas poderoso com que poder? Diante de um ser muito poderoso, recomenda-se prudência.

A mais elementar sabedoria manda desconfiar. Antes de tudo, permanecer livre, salvaguardar a independência. Mais vale o niilismo (do latim, nihil: nada) que a escravidão. O niilismo é a grande tentação deste século, pois o gosto pelo nada, por amargo que seja, é menos amargo que o da servidão. Entre não ser e ser escravo do poder de Hitler, escolho deliberadamente não ser.

Bem sei que o niilismo é um sonho, pois o fato é que eu existo. Mas posso ao menos deixar-me escorregar pela rampa que conduz ao suicídio. Menor loucura é suicidar-se que cair nas mãos de alguém que nos ameaça a liberdade. Não posso afirmar que creio num Deus todo-poderoso, a não ser que tenha a certeza de que se trata de um poder que não ameaça a minha liberdade.

Em outros termos (e aqui peso as palavras, pois se trata do essencial de minha fé), se eu não acreditasse que Deus só é poderoso para amar e ir até o cúmulo do amor, até a morte (morrer pelos que se ama) e o perdão (perdoar os que nos matam), se eu não acreditasse que o poder de Deus é um Sobrepoder cuja natureza é renunciar por amor à utilização dos meios do poder para manipular as criaturas, eu imediatamente aceitaria que os homens descessem a encosta do sonho niilista e teria o cuidado de não acusar meus contemporâneos que se deixam fascinar por esse sonho.

Tudo muda, porém, se a onipotência de Deus é a onipotência de amor. Entre onipotência e amor todo-poderoso, há uma grande diferença; há, literalmente, um abismo. O cristão não diz acreditar que Deus é todo-poderoso, diz acreditar em um Deus Pai todo-poderoso. Importância decisiva na preposição “em” seguida do nome próprio. No credo, a afirmação de Deus e de sua onipotência é pronunciada e compreendida num movimento de confiança e amor, expresso precisamente por essa preposição. Dizer: creio em ti é dizer: sei que teu poder não é um perigo para a minha liberdade, mas que ele está, bem ao contrário, a serviço de minha liberdade. “Crer em”, a chave é esta.

[...]

A fé é o impulso de todo ser para Deus, o comprometimento do mais profundo de si; se assim não for não se trata de fé. Um tal impulso seria delírio e loucura, não houvesse a certeza de que Deus é todo-poderoso para amar, que o amor, não o poder, é que é a essência de Deus; que o poder é um atributo do amor. Confiar-me sem reservas a um poder que poderia ser perigoso para minha liberdade seria loucura. Abandonar-me a um ser desprovido de poder seria igualmente loucura. E a ideia de um amor isento de poder ou energia é igualmente louca, insensata. Mas, ao contrário, o que se preenche magnificamente de sentido é a acolhida à Energia de amar. Ora, o Espírito Santo é isso: a Energia Divina de amar que nos foi dada.

[...]

Crer na onipotência de Deus, crer que Deus é todo-poderoso sem acreditar nele: nada há de igual para falsear a vida religiosa pela raiz. Nada de igual para desencadear uma mentalidade mágica. A história das religiões demonstra que a mentalidade e as práticas mágicas pululavam na história e ainda em nossos dias, mesmo nos meios cristãos, a despeito dos eufemismos vocabulares eclesiais. Não nos deixemos enganar pelas palavras. O que está em jogo, em relação a Deus, são frequentemente o interesse e o medo.

Manda o interesse que se busque utilizar a onipotência em nosso benefício; e exige o temor que se encontrem meios de preservar do perigo que ela encerra. E isto nada tem a ver com a fé. É magia. Se fosse possível psicanalisar o conteúdo do espírito de certo número de cristãos mal-educados, perceber-se-ia que eles dizem, baixinho: “O que será que Deus está cozinhando lá em cima? Que estará preparando para mim? Ventura ou desventura? Saúde ou doença? Sucesso ou fracasso? Por interesse e por temor, vou orar para que não me prepare nada de desagradável”.

Até o dia em que surge a tentação de exorcizar radicalmente a ameaça, dizendo: não há um Deus todo-poderoso. Nesse momento é que o ateísmo irrompe para a consciência adulta como a mais racional das atitudes. E isto não é de todo falso. É só não esquecer a frase de Pascal: “O ateísmo é sinal de força do espírito, mas só até certo grau”. Porque sob o céu transformado em deserto, esvaziado do supremo todo-poderoso, nascem e proliferam outros poderes, poderes que não se temerá absolutizar alegremente, em todos os níveis da vida individual e coletiva. São poderes que bem conhecemos: dinheiro, sexo, raça, partido, etc. Tudo nele pode tornar-se poder de dominação, de opressão, de destruição. Toda mutação da civilização é, de certo modo, uma mutação de idolatria.

Tudo isto – magia supersticiosa ou ateísmo negativo (a escolha é de vocês) é inevitável, se o poder de Deus não for compreendido como poder de amor. O cristão crê na onipotência do amor. A fé é um ato íntimo de sua liberdade, que o compromete até o mais profundo de si e o põe em movimento rumo a um Amor que só sabe amar. O cristão não diz que crê em Deus todo-poderoso; ele diz crer em Deus Pai todo-poderoso. O que clama, o que canta é o poder de uma paternidade.

A estrutura do Credo é trinitária. Nem eu nem os cristãos cremos que Deus é um eterno Narciso, a contemplar a si mesmo, a admirar-se, a consumir-se a si mesmo, a absorver-se, a encarnar-se. Crer num tal Deus seria manifesto absurdo. Quando muito, eu poderia pensar que tal Deus narcísico existe. Mesmo assim... crer nele é impossível.

Ser a preposição “em” é essencial ao ato de fé, Aquele em quem eu creio só pode ser o Pai. E se o nomeio Pai, isto exige que, no mesmo impulso de pensamento e de amor, eu nomeie também o Filho e o Espírito. Dizer que Deus é amor, e dizer que Ele é Trindade é exatamente a mesma coisa.

14-07-10

(Extraído de "Crer para viver" - Edições Loyola - páginas 143-147)

dica - Ricardo Gondim
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