sábado, 28 de janeiro de 2012

O culto do ócio


Paulo Brabo - A Bacia das Almas

Antes de encerrar esta série sobre o papel do espírito protestante na formação e na glorificação do capitalismo (a despeito do choque muito evidente com a pregação de Jesus a respeito da acumulação de riquezas), não tenho como não enfatizar que tudo que discutimos até aqui aplica-se diretamente apenas às nações ocidentais do hemisfério norte.

Nosso aquário ideológico aqui no Brasil é outro, e é apenas recentemente (digamos, sessenta anos) que a pregação americana do culto da perfomance tem alcançado verdadeira penetração entre nós – especialmente na metade meridional do país e nas capitais em geral – e, mesmo assim, com assimilação e resultados mistos.
EU NÃO GANHO PRA ISSO.
Graças a uma colonização diferente, o que professamos e praticamos aqui é uma postura virtualmente oposta a de americanos e europeus: eles têm o culto da performance, nós temoso culto do ócio.

Fomos colonizados por senhores católicos e portanto latinos; o espírito protestante não deixou mais do que uma marca de dente nos anos da nossa história colonial. Nossos colonizadores criam de todo o coração em desfrutar das riquezas deste mundo, mas desconfiavam com a mesma convicção do mérito do trabalho. Sujar as mãos era coisa de escravo, e trocar a nossa roupa e dar-nos banho trabalho de criado. A agenda do senhor colonial era bocejar entediado, fazer o filho de cada dia, olhar pela janela e ver o espetáculo dos que davam o sangue para acumulhar riquezas em seu nome.

culto do ócio é a crença de que feliz mesmo é quem é rico sem ter de trabalhar. Pela sua onipresente influência, vivemos todos no Brasil a eterna expectativa de ganhar na loteria, de arranjar algum emprego público, de granjear um cargo de confiança, de encontrar o padrinho perfeito, de descansar numa aposentadoria precoce. Eu não ganho pra isso – é sua rancorosa profissão de fé.
INVEJAMOS OS RICOS, MAS NÃO AO PONTO DE NOS DOBRARMOS À BAIXEZA DE ECONOMIZAR.
Invejamos os ricos, mas não ao ponto de nos dobrarmos à baixeza de economizar para alcançar uma posição financeira mais confortável. Trabalhar, sentimos, já é humilhação suficiente.

Pela mesma razão, o trabalho para nós não tem o mesmo objetivo que tem para americanos e europeus. Para eles trabalhar é uma maneira de garantir um futuro melhor; para nós, é um modo de prover alguma gratificação instantânea. Se cometemos a baixeza de trabalhar é para vivermos mesmo que por um instante como se não o precisássemos.

É como resume magistralmente o refrão do Forró pé-de-chinelo de Marinês:
Coisa melhor é ver o dia amanhecer
Não querer nem saber que a gente tem que trabalhar
Que trabalhar é pra poder ganhar dinheiro
Ganhar dinheiro pra poder se esbandalhar
 
***
De um lado então, estão protestantes americanos, que crêem que há evidente mérito em trabalhar, porque possibilita a acumulação de riquezas; do outro, católicos brasileiros, que crêem que há evidente mérito em desfrutar de riquezas, desde que não exija a acumulação de trabalho.

Tanto um pensamento quanto o outro afastam-se a seu modo da posição radical de Jesus, que cria não haver qualquer mérito na acumulação ou no desfrutar de riquezas. A postura de Jesus não prescinde do trabalho mas não o glorifica; não glorifica o ócio mas exige tranqüilidade. As aves não acumulam reservas, e ainda assim o Pai as alimenta – argumentava ele, não querendo com isso dizer que as aves não trabalham. Pelo contrário, a força do exemplo está em que as aves trabalham incessantemente, mas não movem um músculo para acumularem aquilo de que em última instância não precisam.

Os frugais é que são felizes, e rico é quem não precisa de nada.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O salvador e seu próximo


Qual dos dois fez a vontade do pai?
Mateus 21:31

Certo salvador, depois de sua ressurreição, descia de Jerusalém quando veio a cair em mãos de salteadores, que queriam roubar-lhe tudo, causar-lhe muitos ferimentos e deixá-lo como morto. Escapando deles, o salvador tomou uma vereda próxima que levava secretamente ao Paraíso, mas seu testamento caiu na beira da estrada, onde ficou por dois mil anos.

Casualmente, subia um católico por aquele mesmo caminho, e vendo o testamento, pisou-o e seguiu adiante. Semelhantemente, um evangélico subia por aquele lugar e, vendo o testamento, também passou-lhe por cima.

Certo ateu, que seguia o seu caminho, passou perto do testamento e, vendo-o, compadeceu-se, dizendo:

– Esse era um homem bom e bem-intencionado, e suas idéias eram belas e ousadas. É injusto que seu testamento permaneça sem ser cumprido.

E, chegando-se, tomou o testamento e levou-o consigo para sua cidade, onde cumpriu os últimos desejos do salvador em que não cria, atentando para eles e reparando-lhe a honra.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Os sanguessugas evangélicos



O Brasil descobriu que tem lobos vestidos de pastores; uma corja imunda. São os políticos evangélicos que gatunaram o Ministério da Saúde; testas-de-ferro de igrejas, apóstolos e bispos mentirosos que afirmavam haver necessidade de eleger crentes para o Congresso Nacional com um discurso de que almejavam os interesses do Reino de Deus.

Por favor, não insistam em me pedir que seja misericordioso com esses ratos alados: eles sugaram o sangue de brasileiros pobres. A única sugestão que tenho para eles é que cada um amarre uma corda no pescoço e se jogue de uma ponte para dentro de qualquer esgoto.

Por favor, não insistam comigo. Não serei compreensivo. Estou enfurecido. De nada me valerão argumentos de que esses políticos evangélicos podem ser escuma fétida, mas que pregam uma mensagem libertadora. Não tolero mais ouvir essa desculpa. Não acredito que a causa evangélica precise conviver com tanta ignomínia, desde que “salve almas”. Nenhuma “salvação” seria tão excelente que justifique essa indecência que veio à tona, mas que há tempos corre frouxa nos porões das mega “empresas-igrejas” que mercadejam esperanças.

Por favor, não insistam em me dizer que esses políticos foram inocentes úteis, ludibriados por máfias poderosas. Ora, ora, qual o grande discurso triunfalista evangélico, repetido até cansar? “Somos cabeça e não cauda!”. E agora? Depois que se ouviu tanto que a presença de políticos crentes no Congresso salgaria o Brasil, como se organizará a próxima “Marcha pela Salvação da Pátria?”.

Por favor, não insistam em me dizer que os ladrões são poucos, e que não representam o perfil evangélico. A bancada evangélica foi a maior desse escândalo das ambulâncias superfaturadas. Os crentes lideraram essa gigante maracutaia.

Se alguma igreja, que elegeu um desses congressistas, tivesse um mínimo de brio humano (nem precisaria ser brio cristão), deveria retirar do ar seu programa de televisão; pedir um tempo; expulsar seus políticos; prometer que jamais tentará eleger alguém; e fazer uma Reforma em sua teologia. Porém, sabe-se que isso jamais acontecerá, o que eles menos têm é vergonha na cara.

Por favor, não insistam em me pedir que algum dia me sente em qualquer evento, simpósio ou conferência na companhia dessas igrejas, ou que argumente sobre suas teologias e mentalidades. A Bíblia me proíbe de sentar na roda dos escarnecedores. Não devo considerá-los irmãos; esses pastores, bispos e apóstolos devem ser encarados como escroques, que merecem mofar na cadeia o resto da vida.

Por favor, não insistam que eu me cale diante de engravatados de Bíblia na mão, quando sei que eles tentam esconder sua condição de sepulcros caiados. Neles, cabe a carapuça de raça de víboras; mataram velhinhos, condenaram crianças e acabaram com os sonhos de muitas mães. Igrejas que se beneficiaram do esquema de roubo do orçamento da saúde merecem ser sepultadas numa vala comum, e tratadas com o mesmo desprezo que tratamos as empresas de fachada do narcotráfico.

Por favor, me acompanhe em minha indignação. Os líderes evangélicos não podem permanecer de braços cruzados, corporativamente defendendo meliantes fantasiados de sacerdotes.

Por favor, não esperemos que um próximo escândalo nos acorde de nossa complacência.

Há necessidade de uma reforma ética entre os evangélicos.

E ela tem que ser urgente.

Soli Deo Gloria.


Sabedoria e mortalidade

Fermentado por   PAULO BRABO


Tal como a nuvem se desfaz e some,
aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir.Jó 7:9

Talvez aproximar-se da Bíblia sem grandes prejulgamentos baste para se entender que é com muita hesitação que o próprio texto bíblico se aproxima da ideia de imortalidade. Em termos narrativos, históricos e literários, é só a terceira terça parte da Bíblia que tem algo a dizer sobre vida eterna – e mesmo assim não fala, muito provavelmente, da vida eterna como a estamos acostumados a imaginar.

Porém, o que quer que se conclua sobre a vida eterna em Daniel e no Novo Testamento, permanece o fato de que os dois primeiros terços da Bíblia tendem a sugerir, com impressionante consistência, que o que existe é esta vida – que deve ser bem vivida, com gratidão, com integridade e com gosto, porque é somente esta.

Esse silêncio em relação à vida depois da morte é no mínimo curioso, tendo em vista que a ideia de imortalidade pessoal é mais antiga do que os mais antigos textos bíblicos. A antiquíssima cultura egípcia, em particular, desenvolveu muito cedo as noções de [1] uma sobrevivência do eu depois da morte, de [2] um tribunal no além em que os atos desta vida eram pesados contra uma medida eterna de integridade, e de [3] uma eternidade de glória no céu (literalmente no céu, entre o sol e as estrelas) para os que se mostrassem dignos depois de passar por uma série de provas. Inicialmente esse destino eterno estava reservado exclusivamente ao faraó, mas pouco a pouco foi se estendendo ao restante da aristocracia egípcia (essencialmente, todos que tinham recursos suficientes para cobrir os custos dos rituais necessários, inclusive a mumificação).

O Egito foi um dos dois berços de Israel, mas o Antigo Testamento testemunha que o sonho egípcio de uma vida depois da morte no céu não deixou qualquer marca na religião judaica. Alguns trechos do Pentateuco parecem ter sido escritos de modo a polemizar e desacreditar a religião egípcia, deixando clara a superioridade do Deus e da fé dos hebreus, mas alguma forma vida depois da morte não parece ter sido considerada necessária para comprovar essa supremacia.

O pacto de Deus com a descendência de Abraão prometia, essencialmente, realização e fertilidade e prosperidade nesta vida para os que cumprissem a lei e os mandamentos. A eternidade que a Israel seria dada experimentar residia no fato de serem um povo, uma genealogia, uma semente: uma eternidade fundamentada na hereditariedade e na perpetuação do sangue, não na imortalidade pessoal.

E não é só que a Bíblia hebraica tem pouco a dizer sobre a questão da imortalidade; o espantoso é o quanto ela tem a dizer sobre a mortalidade.

A mortalidade é, na verdade, tema essencial do fio da narrativa bíblica e do modo bíblico de explicar o mundo. E sua tese central é esta: para seres humanos como nós, mortalidade e sabedoria devem andar sempre juntas. Não há um modo aceitável de separá-las.

Se refletimos sobre assunto, parecerá haver algo de terrível e trágico, algo de fundamentalmente injusto, no fato de sermos sábios e de sermos simultaneamente mortais. Para a Bíblia hebraica, que não pensa como nós, é apenas inevitável que gente sábia seja mortal e que gente mortal seja sábia. Uma coisa não deve existir sem a outra.

Um dos argumentos mais recorrentes dos livros de sabedoria – Salmos, Provérbios, Eclesiastes – é precisamente este: não é apesar de sermos mortais, é porque somos mortais que devemos aprender a viver com sabedoria. Quem tem visto temporário nesta terra não se pode dar ao luxo de viver sem prudência, sem integridade e sem inteligência. É precisamente isso o que dizem e querem dizer declarações como “ensina-nos a contar os nossos dias, de modo a que alcancemos corações sábios” (Salmo 90:12). O motor para se viver bem deve ser a consciência de que ninguém vive para sempre.

O fundamento dessa tradição bíblica é a ideia de que a sabedoria deve ser abraçada com gosto e com paixão porque ela é um dom divino. A sabedoria é um atributo de Deus do qual – pelo tempo limitado da sua vida na terra – é dado ao homem a possibilidade de desfrutar. Por isso, “tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (Eclesiastes 9:10). Viva com sabedoria hoje, porque “[quando alguém morre] sai-lhe o espírito, e ele volta para a terra; naquele mesmo dia perecem os seus pensamentos” (Salmo 146:4).

Segundo essa visão, a vida humana é duplamente preciosa porque é curta e porque, em sua brevidade, permanece ainda estendida ao homem a oportunidade de viver (de modo temporário e honorário) como Deus – em sua sabedoria. Nesse modo de ver as coisas, os animais têm vida mas não têm sabedoria, o homem tem sabedoria mas não é eterno: Deus é único a pisar simultaneamente os domínios da vida, da sabedoria e da eternidade.

É por isso que a única forma nobre de se viver esta vida mortal é vivê-la com aquilo que ganhamos em comum com Deus: o conhecimento da maneira certa de se portar e de se viver.

É precisamente isso o que ensina – é isso o que explica – a história da árvore do conhecimento do bem e do mal no livro de Gênesis: sabedoria e mortalidade são coisas inseparáveis nesta condição humana. O mesmo fruto que nos deu o dom da sabedoria (porque, na história, o conhecimento do bem e do mal é uma coisa boa, um verdadeiro dom e atributo de Deus) nos vedou o acesso à imortalidade. O preço de ser sábio é ser mortal, e a compensação de ser mortal é ser sábio. É menos a história da queda do que a história das contradições da condição humana.

De certo modo, essa história fundacional de Gênesis antecipa o que acabaram concluindo antropólogos, psicólogos e pensadores existencialistas muito tempo depois: a angústia da condição humana e sua simultânea glória reside no fato de sabermos que nossos dias estão contados. Os animais não chegarão a ser sábios porque não sabem que vão morrer.

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A luta dos séculos


Lutando pelos direitos de exclusividade do cristianismo restam no Ocidente duas facções mais ou menos antagônicas, representadas de um lado pelo catolicismo e de outro pelas religiões protestantes/evangélicas.

Ignoram-no em grante parte os seus partidários, mas as características distintivas de ambos os grupos são herança do momento histórico em que nasceu cada um dos movimentos. Católicos e protestantes encontram-se em campos opostos menos devido a uma interpretação incompatível do mesmo texto ou mensagem sagrada, mas porque suas religiões representam heranças culturais e visões de mundo separadas por mais de mil anos. A lacuna entre catolicismo e protestantismo e a conseqüente dificuldade de diálogo entre ambos é representação rigorosa da distância entre dois momentos da história – a singularidade do Império Romano e os primeiros passos do capitalismo na Europa.

Separa esse preciso intervalo o Mistério católico do Utilitarismo protestante.
* * *
O catolicismo e os Mistérios

Entro numa igreja católica e tudo que encontro aqui – o vasto silêncio, os espaços místicos, o cheiro de incenso, os iminentes sacramentos e a chama das velas – é reflexo das práticas e da visão de mundo das religiões de mistério do Império Romano.

Mil anos antes que o cristianismo começasse a se propagar de seu berço em Jerusalém, outra importação oriental já se alastrava com notável sucesso pelo território do Império, derrubando na prática a primazia da religião estatal dos deuses do Olimpo e divindades residenciais.

Essas novas crenças concorrentes, embora apresentassem tremenda diversidade de caráter e origem (havia os órficos, os orgiásticos de Cabiri, os herméticos; os que se dobravam à Grande Mãe, aos egípcios Ísis e Serápis, ao Mitra persa) tinham em comum que sua verdadeira natureza e simbolismos essenciais eram revelados apenas aos iniciados (sendo o termo grego “mysteria” derivado de “myein”: submeter a iniciação). Mereceram todas por essa razão a classificação posterior de religiões de mistério – ou simplesmente Mistérios.

Dean Inge, inquirido por S. Angus em The Mystery Religions and Christianity, enfatiza que o catolicismo deve às religiões de mistério “as noções de segredo, de simbolismo, de irmandade mística, de graça sacramental e, acima de tudo, de uma vida espiritual em três estágios: purificação ascética, iluminação e – como auge – a epopteia: ‘contemplação, revelação’”.

A popularidade crescente das religiões de mistério na metade final do Império pode ser explicada em parte como uma reação à religião estatal do Olimpo, que com seus deuses e intrigas demasiadamente humanos foi sendo cada vez mais encarada como intelectualmente pouco sofisticada e emocionalmente insatisfatória.

As religiões de mistério ofereciam uma solução inteiramente nova para a questão da devoção, e também uma nova pergunta: não seria a religião questão mais pessoal do que estatal/comunitária/familiar? A idéia de uma religiosidade que refletisse um posicionamento e uma escolha do indivíduo era nova e mostrou-se irresistível, como comprova o avanço e a penetração dos Mistérios.

Por onze séculos os mistérios de Elêusis sustentaram a esperança do homem até serem destruídos por monges fanáticos do séquito de Alarico em 396. O evangelho órfico foi ouvido no mediterrâneo por melo menos doze séculos. Por oito séculos a rainha Ísis e o senhor Serápis moveram miríades de devotos no mundo romano, e por cinco séculos no romano. A Grande Mãe foi apaixonadamente reverenciada na Itália por seis séculos.

As religiões de mistério exploravam os terrenos até então não-mapeados da religião como forma de auto-expressão e fonte de satisfação emocional. Em muitos sentidos os Mistérios antecipavam no Ocidente idéias que alcançaram consagração definitiva através do cristianismo: o sofrimento como pré-condição para a participação na vitória divina; o monoteísmo; o uso da exaltação emocional e espiritual como escape para as dificuldades da vida; a importância de agrupamentos voluntários com fins de expressão religiosa e apoio mútuo; um modo de vida de renúncia ao mundo.

Tudo isso já pregavam em uma medida ou outra as religiões de mistério quando o cristianismo foi apresentado ao Império. Não é de estranhar que a difusão dos Mistérios seja vista como fator essencial do sucesso inicial do cristianismo, e que o catolicismo tenha em retribuição assimilado e preservado inúmeros aspectos da visão de mundo dos Mistérios.

Em especial, resta nos católicos um notável respeito à noção de graça sacramental, a graça transmitida através dos sacramentos, e a idéia de que o conhecimento – gnose, para as religiões de mistério – pode ser transmitido e experimentado devidamente apenas através do ritual.

A acumulação implacável de rituais e simbolismos acabou reduzindo o cristianismo católico a uma espécie de panacéia mística – emocionalmente satisfatória, sem qualquer dúvida, mas com pouco em comum com a religiosidade frugal e vivencial de Jesus e dos rabis de mãos calejadas que ele representava. A exuberância de uma catedral barroca ergue-se como contraste monumental com a postura dos primeiros cristãos, que pela ausência de imagem, templo e sacrifício eram condenados universalmente no Império como ateus.

Os protestantes, quando se levantaram no século XVI, criam que era sua missão purificar o cristianismo desses sincretismos sacrílegos que se haviam agregado à verdadeira mensagem ao longo dos séculos. Porém hoje, do nosso ponto de vista, não é difícil enxergar que se o catolicismo carrega necessariamente as marcas, os procedimentos e os preconceitos do momento histórico que o viu nascer, o mesmo pode ser dito sem hesitação acerca do protestantismo.
* * *
Fonte: A Bacia das Almas

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