sábado, 7 de maio de 2011

Um pequeno espaço para refleti-lo

O bom samaritano, 1890, por Vincent Van Gogh

Cristo não é propriedade das religiões cristãs. Ele é o vento que sopra sobre as dores de todos os homens, com a sua principal face: O Amor.

O bom samaritano não conhecia à Cristo, nunca ouviu falar de Cristo, não teve fé em Cristo, mas nem por isto deixou de mostrar o amor de Cristo. 

Como um espelho que não é dono da luz, mas apenas a reflete, todos somos espelhos do amor. Ainda que você considere que algumas pessoas não passam de cacos, elas ainda tem um pequeno espaço para refleti-lo.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor
Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios Capítulo 13 verso 13

Suênio Alves

O mapa do fracasso

Ricardo Gondim - Revista Ultimato


Paul Krugman ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008. Depois, passou a escrever para o jornal “The New York Times”. Em “A Desintegração Americana” (Editora Record), Krugman relata os caminhos que levaram uma economia próspera à bancarrota. A orelha do livro avisa que Krugman “examina como a exuberância cedeu lugar ao pessimismo, como a era dos heróis empreendedores foi substituída pela dos escândalos corporativos e como a responsabilidade fiscal entrou em colapso”. Publicado originalmente em 2003, parece um mapa para o fracasso que agora assombra o mundo inteiro.

O capítulo 1 começa com um texto de 29 de dezembro de 1997, que pergunta o que o mercado andava tramando. Busca saber como “homens e mulheres inteligentes -- e devem ser inteligentes, porque se não fossem, como ficariam ricos? -- podiam fazer tanta bobagem”. Krugman previu que o andar da carruagem da economia acabaria no barranco. E, ironicamente, sugeriu sete posturas para precipitar o mercado no despenhadeiro. Ei-las:

1. Pense a curto prazo. Não projete, não raciocine, para cinco anos. Descarte esse tipo de projeção como excessivamente acadêmica, portanto, desprezível no mundo dos negócios.
2. Seja ambicioso. Tenha como objetivo ganhar e ganhar. Não considere que existam limites para a subida de ações na bolsa. Tente abocanhar os mínimos percentuais das pequenas variações do mercado.
3. Acredite que existe sempre alguém mais tolo do que você. Despreze os outros. Há pouco tempo o mundo corporativo trabalhava com a lógica de que suas estratégias eram seguras porque “sempre haverá alguém suficientemente estúpido para só perceber o que está acontecendo quando for tarde demais”.
4. Acompanhe a manada. Não ouça as vozes discordantes. Pelo contrário, “as poucas e tímidas vozes antagônicas” precisam ser ridicularizadas e silenciadas.
5. Generalize sem limites. Crie preconceitos. Gere reputações. Condene ou louve instituições e pessoas por critérios difusos e subjetivos.
6. Siga a tendência. Procure ver o que está dando certo, copie acriticamente e espere que os resultados se repitam com você.
7. Jogue com o dinheiro dos outros. Preserve sua carreira e tente progredir com o capital alheio.

Os sete pontos de Krugman valem para qualquer outra atividade humana, inclusive a religiosa. Ao detalhar a rota do desastre, ele talvez não tenha atinado para sua pertinência entre os evangélicos. Nem todos os líderes são lobos predadores; muitos não passam de vítimas de um sistema perverso que conspira contra eles. Como cordeiros equivocados, caminham para um matadouro armado pelo sistema que a Bíblia chama de mundo.

Evangelismo a curto prazo compromete a próxima geração. Diversos pastores, ávidos por sucesso, agem como pescadores predatórios. Existem diversas maneiras de pescar: tarrafa, rede, anzol. Cada jeito produz diferentes resultados. Talvez o mais eficaz seja com dinamite: localiza-se o cardume, detona-se a bomba e logo boiarão milhares de peixes. O problema com esse tipo de pesca é que ela destrói o rio para a próxima geração. O barco fica cheio, mas o neto do pescador não conseguirá tirar seu sustento do rio. A sede de lotar o auditório pode transformar o pastor em um pragmático irresponsável, que repetirá: “Não é possível que esteja errado, crescemos como nenhuma outra igreja”. As patacoadas milagreiras, a repetição enfadonha de chavões, as bizarrices sobrenaturais que se observam em muitas igrejas não passam de dinamite que garante o barco repleto no próximo domingo, mas o rio religioso estará vazio no futuro.

Ambição não se restringe à esfera financeira. Alexandre, o Grande, Hitler e tantos outros falharam porque não souberam dizer “basta”. Cobiça existe inclusive entre os sacerdotes. A pretensão de alcançar o mundo, tornar-se o evangelista famoso que afeta uma geração é luciferiano na essência. Muitos pastores perderam a alma nesta busca.

Ao acreditar que só os ingênuos procuram os ambientes religiosos, eles desprezam os auditórios. Pastores repetem as mesmas ilustrações, narram histórias fantásticas inventadas como milagres e pregam sermões ralos. Porém, se permitem este desdém porque se acham mais espertos que os seus ouvintes. Mal sabem que, nas conversas em pizzarias, são ridicularizados pelos jovens.

Acompanhar a manada significa contentar-se com o “status quo”. A posição morna dos muristas que Deus vomitará de sua boca. O mimetismo religioso acontece porque muitos têm preguiça de perguntar a verdade que alicerça o que está sendo feito.Criam-se fronteiras para definir com precisão quem está dentro e quem está fora. Os que estão fora são tratados com desprezo. Preconceitos se formam para que não haja culpa quando for preciso apedrejar.

Ao seguir tendências, modismos passam a ser tratados como projetos que deram certo devido à aplicação de “princípios universais”. Indolentes, repetem o chavão: “Nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. Da mesma maneira que os financistas que atolaram o mundo nesta crise, muitos sacerdotes não se dispõem a apostar seu capital nas muitas empreitadas em que se metem. Mobilizam o povo a pagar a conta de seu ufanismo desvairado.

O mundo corporativo e financeiro foi irresponsável por anos. Deflagrou uma crise econômica sem precedentes, queimou trilhões de dólares com socorro a bancos e colocou milhões de trabalhadores na rua, provocando mais miséria. Muitas igrejas seguem os mesmos passos, que talvez gerem um desastre igual ao do mercado financeiro.

“Soli Deo Gloria.”

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pessimismo e esperança


Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Adital

Cheguei ao último artigo desta série. Não porque eu tenha esgotado o tema, ou a lista de desafios e tarefas deste setor do cristianismo que compreende e vive a sua fé a partir da "opção pelos pobres” e da perspectiva da libertação. Simplesmente porque uma série tem que acabar uma hora, e nove artigos (em dez semanas) já são suficientes para paciência de qualquer leitor que está a seguindo. O objetivo da série, mais do que dar resposta aos problemas, foi provocar debates e reflexões sobre a crise ou enfraquecimento do cristianismo de libertação na América Latina (ou qualquer outro adjetivo que queiram usar) e seu refortalecimento.

Devo confessar que neste momento estou com humor pessimista. Participei nesta semana no III Congresso do Anptecre (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião) e aproveitei para conversar com vários colegas e amigos/as sobre a situação e o futuro do cristianismo de libertação. Talvez o cansaço desses três intensos dias de debates e reuniões esteja interferindo, mas estou mais para pessimismo.

Estou relatando o meu estado de espírito aqui para apontar duas questões. Primeira é a necessidade de pensarmos criticamente – seja em termos teológicos ou de mais sociológico – a partir da experiência dos sujeitos ou das pessoas envolvidas com a luta. Nos últimos anos, a linguagem tem mudado bastante, mas ainda eu sinto que a "linguagem estruturalista”, que enfatiza as questões estruturais da economia, política e sociedade, tem prevalecido e, assim, as expectativas, angústias e questões de fé das pessoas ocupam muito pouco espaço. É claro que não estou propondo uma "subjetivização” da linguagem e das análises do cristianismo de libertação, mas resgatar um dos princípios fundantes da teologia da libertação: o momento zero é o da indignação ética diante das injustiças e sofrimentos dos pobres e vítimas das relações opressivas. A TL é ou deve ser uma teologia que reflete criticamente a experiência de fé no meio de um mundo marcado pelo sofrimento dos inocentes (cf Gutierrez, no seu importante livro "Beber do próprio poço”).

As análises mais estruturais nos ajudam a compreender os desafios e problemas das lutas de libertação, mas elas não podem sufocar ou "empurrar” para um segundo plano as questões espirituais das pessoas e das comunidades; muitos dos quais nascem no meio desta luta. Só para evitar mal entendidos, por espiritual não entendo o que se opõe ao material ou social, mas a força que move as pessoas, comunidades e sociedades em direção ao seu objetivo ou à sua utopia.

Segunda tem a ver com a postura que deve marcar a reflexão teórica que se pretende estar articulada com movimentos sociais de "libertação”. (A palavra libertação vem aqui entre aspas porque penso que é preciso fazer uma reflexão sobre os diversos sentidos que esta palavra foi adquirindo durante os 40 anos do cristianismo de libertação.) Eu penso, seguindo a grandes autores, que a postura de quem faz essas reflexões precisa ser mais pessimista do que otimista. Otimismo, normalmente baseada mais em desejos do que fatos, leva a uma reflexão não muito crítica, que normalmente agrada mais ao "publico” no primeiro momento, mas que traz conseqüências problemáticas a médio e longo prazo.

Este pessimismo intelectual deve ser contraposta à atitude de esperança. Esperança é diferente de otimismo, pois este parece ter razões para isso; enquanto que esperança é algo que se tem ou vive "apesar de”.

Ao final deste artigo, posso dizer que o meu humor está menos negativo do que no início, mas continuo meio pessimista com o futuro do cristianismo de libertação. Pelo menos na forma como eu tenho experienciado e visto. Mas tenho esperança de que outras formas podem estar surgindo por aí, formas essas que, por serem novas, não estão sendo compreendidas ou captadas pelas teorias e conceitos "velhos” que ainda usamos para ler a realidade.

Enquanto isso, continuo fazendo o que posso para contribuir na constituição de um novo "bloco” de cristianismo que seja profético e libertador. Eu penso que um dos caminhos possíveis é criar uma articulação entre setores católicos, evangélicos e pentecostais que, meio à margem das tendências majoritárias das suas igrejas ou tradições, estão querendo viver um cristianismo profético no meio deste mundo.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Por um outro mundo possível

Ricardo Gondim

No século XXI, o mundo balança numa imensa gangorra cósmica. Os acontecimento sobem e descem numa velocidade alucinante; mal dá para tomar fôlego. Bem e mal se atropelam nas acrobacias econômicas, nos avanços da indústria bélica, nos transtornos energéticos, no desprezo ambiental. Respira-se um ar de suspense. Como castelo de cartas, tudo pode vir abaixo de um dia para o outro e, nas arquibancadas, metade do planeta engole o pavor da impotência. Intuímos que algo está fora do lugar.

Algo está errado com a religião que prevaleceu no Ocidente e que colocou o sacerdote engravatado a gesticular como dono da senha da abundância divina. Ele repete ad nauseum que bastam algumas cédulas para que as “bênçãos retidas por Satanás” deslanchem. São profissionais da religião que promovem uma espiritualidade que dá de ombros às mulheres com tigela na mão diante de funcionários das Nações Unidas; mulheres que imploram por um punhado de arroz para servir de refeição para os filhos esquálidos.

Algo está errado com o poderio militar que o mundo considera a solução para tensões étnicas, religiosas e culturais. O progresso da tecnologia a serviço da morte se tornou perdulário: não pergunta quantos quilômetros o tanque de guerra faz com um litro de combustível, mas, quantos galões para percorrer um quilômetro. Milhões de dólares parecem migalhas quando se trata de mísseis, porta-aviões ou caças supersônicos. Pouca comparação é feita entre o poderio esmagador de um exército e a escassez de gaze, esparadrapo e penicilina numa clínica de periferia urbana. Enquanto bombas caem, orientadas por raios laser, a vacina que erradicaria a malária não sai de estágios experimentais.

Algo está errado com o entretenimento midiático que criou uma nova safra dos ricos e famosos sem habilidade, virtude ou competência. A mediocrização da mídia sagra ícones vazios em grande velocidade. O apresentador de televisão, que não sabe nomear a capital da Alemanha, exibe diamantes como troféus. Resta perguntar: por que não se considera isso um acinte? Principalmente quando se sabe que aquela joia poderia suprir um vilarejo de água potável.

Algo está errado com um sistema econômico que dispõe de fábulas de dinheiro para socorrer grandes bancos da falência. Sabedor de que existe alienação e insensibilidade, o banqueiro fica livre para festejar o novo alívio financeiro com uma impenitente recepção no iate da famíla. Enquanto perdura complacência poucos vão se lembrar que os impostos pagos por eles nunca chegarão ao transporte público; e o ônibus que pegam, continuará a arrastar-se, abarrotado, por avenidas engarrafadas.

Algo está errado com um mundo em que muitos, exaustos, não têm lágrimas para serem solidários com a mãe que acabou de enterrar o filho morto pelo tráfico. A robotização dos afetos se alastra e se vê cada vez menos compaixão; mais frios, homens e mulheres se desumanizam.

Algo está errado quando otimismo fatalista bate de frente com pessimismo niilista e não sobra nenhum realismo esperançoso.

Mesmo diante dessa gangorra, com tanta coisa em jogo, espero que surjam mulheres e homens dispostos a arregaçar as mangas, e que nasça um outro amanhã.

Soli Deo Gloria

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O ateísmo lúcido de Lovecraft

Fonte: A Bacia das Almas

Meu professor de redação H. P. Lovecraft, de quem herdei o vício de abusar de adjetivos, era um ateu convicto, ocasionalmente militante. A mesma convicção materialista que o fez eliminar dos seus contos de terror qualquer traço do sobrenatural levou-o a duvidar de todas as manifestações tradicionais de religião. Sua histórias não são povoadas por vampiros, fantasmas ou assombrações, e pelo mesmo motivo no seu universo não há espaço para Deus ou para intervenções sobrenaturais1. Tudo no cosmos é gerado pelo acaso, e este domado apenas pelas leis cegas da física. No grande contexto do universo, a vida orgânica na terra não passa de “um acidente minúsculo e temporário”, sendo a própria humanidade “um acidente ainda menor e mais temporário”.

Essas convicções, mais ou menos populares hoje em dia, estavam longe de serem comuns na década de 1930, a última do autor. Acho particularmente notável, no entanto, que a grande reserva que Lovecraft encontrou para apresentar contra o cristianismo não foi o fato de a fé cristã pressupor um universo sobrenatural que contrariava sua visão de mundo materialista. Sua indignação era ao mesmo tempo mais profunda e mais lúcida2:

O cristianismo não tem como ser levado a sério. É ingênuo e anticientífico culpar o mundo por não se conformar a ele – visto que se trata de uma ilusão quimérica e poética totalmente alienígena à natureza humana. [O cristianismo] é absurdo, porque nenhuma raça ou nação poderia (ou deveria) jamais chegar a conformar-se a ele.

E basta este trecho para Lovecraft se mostrar mais agudo e inclemente do que Richard Dawkins ou qualquer outro ateu militante da nova geração. Em particular, Lovecraft enxerga que o cristianismo é uma ameaça para o conceito de raças e nações justamente por propor um ideal elevado demais, um sonho de fraternidade aparentemente impraticável e “totalmente alienígena à natureza humana”.

Ao contrário dos ateus militantes contemporâneos, ele sabe avaliar o verdadeiro peso do seu adversário. Para Dawkins, o cristianismo é uma ameaça à civilização por ser uma religião como as outras; para Lovecraft, é uma ameaça justamente por não ser uma religião, já que as religiões tendem a apoiar e legitimar o estado de coisas. Para Dawkins o cristianismo é um risco perene porque recusa-se a reconhecer a natureza última da realidade; para Lovecraft, ele é um risco porque sonha teimosamente poder alterá-la. Para Dawkins, o cristianismo é uma ameaça por patrocinar a injustiça; para Lovecraft, é uma ameaça por sonhar uma justiça excessiva: por ser uma intransigente ingenuidade e uma declarada insensatez, uma poesia que pode transtornar o mundo se raças e nações não resistirem ao apelo evangélico de conformarem-se a ela. Para Dawkins o escândalo está em, diante de todas as evidências, o cristianismo recusar-se a reconhecer que não há céu; para Lovecraft está em, diante de todas as improbabilidades, o cristianismo insistir em implantá-lo na terra.

Dos dois, só Lovecraft sabe do que está falando.


Leia também:
Wells encontra Jesus

NOTAS
  1. “O que posso dizer é que acho tremendamente improvável que exista qualquer coisa como uma vontade cósmica centralizada, um mundo espiritual ou a sobrevivência eterna da personalidade.” Carta de 16 de agosto de 1932 a Robert. E. Howard. []
  2. Carta de 14 de dezembro de 1932 a Elizabeth Toldridge. []

terça-feira, 3 de maio de 2011

O mesmo mundo, a mesma dor

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
 
A globalização trouxe uma externalidade, quer dizer, um efeito não desejado e incômodo para o sistema de poder imperante, fundado no individualismo: a conexão de todos com todos, de sorte que os problemas de um povo se tornam significativos para outros em situação semelhante. Então se estabelecem laços de solidariedade e surge uma comunidade de destino. 

É o que está ocorrendo com os levantes populares, mormente animados por jovens universitários, seja no mundo árabe seja em nove estados do Meio Oeste norte-americano começando por Wisconsin. Estes levantes nos EUA quase não repercutiram em nossa imprensa, pois, não interessa a ela mostrar a vulnerabilidade da potência central em franca decadência. Um jovem egípcio levanta um cartaz que diz: "o Egito apóia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Como num eco, um estudante universitário estadunidense, voltando da guerra do Iraque levanta o seu cartaz com os dizeres:”Fui ao Iraque e voltei à minha casa no Egito”. Quer dizer: quer participar de manifestações nos EUA semelhantes aquelas no Egito, na Líbia, na Tunísia, na Síria e no Yemen.

Quem imaginaria que em Madison, capital de Wisconsin, com 250.000 habitantes, conhecesse uma manifestação de 100.000 pessoas vindas de outras cidades norte-americanas para protestar contra medidas tomadas pelo governador que atam as mãos dos sindicatos nas negociações, aumenta os impostos da saúde e diminui as pensões? O mesmo ocorreu em Michigan onde o governador conseguiu fazer aprovar pelo parlamento estadual, uma esdrúxula lei que lhe permitiu nomear uma empresa ou um executivo com o poder de governar todo o aparato do governo estadual. Isentou em 86% o imposto das empresas e aumentou em 31% aquele dos contribuintes pessoais. Tudo isso porque os assaltantes de Wall Street além de saquearam as pensões e as economias da população, quebraram os planejamentos financeiros dos Estados. E a população mais vulnerável é obrigada a pagar as contas feitas por aqueles ladrões do mercado especulativo que mereciam estar na cadeia por falcatruas contra a economia mundial.

Conseguiram para eles uma concentração de riqueza como nunca vista antes. Segundo Michael Moore, o famoso cineasta, em seu discurso em apoio aos manifestantes em Wisconsin: atualmente 400 norte-americanos têm a mesma quantia de dinheiro que a metade da população dos EUA. Enquanto um sobre três trabalhadores ganha 8 dólares/hora (antes era 10/hora), os executivos das empresas ganham 11.000 dólares/hora sem contar benefícios e gratificações. Há um despertar democrático nos EUA que vem de baixo. Já não se aceita esta vergonhosa disparidade. Condenam os custos das duas guerras, praticamente perdidas, contra o Iraque e o Afeganistão, que são tão altos a ponto de levarem ao sucateamento das escolas, dos hospitais, do transporte público e de outros serviços sociais. Há 50 milhões sem nenhum seguro de saúde e 45 mil morrem anualmente por não haver agenda para um diagnóstico ou tratamento.

O mundo árabe está vivendo uma modernidade tardia, aquela que sempre propugnou pelos direitos humanos, pela cidadania e pela democracia. Como a maioria dos países é riquíssima em petróleo, o sangue que faz funcionar o sistema moderno, as potências ocidentais toleravam e até apoiavam os governos ditatoriais e tirânicos. O que interessava a elas não era o respeito à dignidade das pessoas e a busca de formas democráticas de participação. Mas pura e simplesmente o petróleo. Ocorre que os meios modernos de comunicação digital e o crescimento da consciência mundial, em parte favorecida e tornada visível pelos vários Fóruns Sociais Mundiais e Regionais, acenderam a chama da democracia e das liberdades. Uma vez despertada, a consciência da liberdade jamais poderá ser sufocada. Os tiranos podem fazer os súditos cantarem hinos à liberdade; mas, estes sabem o que querem. Querem eles mesmos buscar a liberdade que nunca é concedida; mas, sempre conquistada mediante um penoso processo de libertação. Agora é hora e a vez dos árabes.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O futuro do Cristianismo

Fonte: Pavablog
Texto de J. B. Libanio publicado originalmente no site da Ultimato 
  clouds amp cross O futuro do CristianismoO Cristianismo retorna, de certo modo, a seus inícios históricos. Embora Jesus tenha sido camponês com toques de artesão de região rural, o Cristianismo, que surgiu depois de sua morte, assumiu caráter urbano. Difundiu-se principalmente nas cidades helenizadas. Depois da queda do Império romano e da conversão dos bárbaros, ruralizou-se e se configurou em esquemas institucionais típicos do mundo do campo. Nas últimas décadas, acelerou-se o processo de secularização e urbanização. O Cristianismo do futuro sobreviverá se responder às exigências e demandas da sociedade urbana e secular, perdendo a função hegemônica de configurar a sociedade a partir do próprio universo religioso. Termos que se imporão como desafio: declínio da força social da religião, secularização do horizonte religioso, horizontalização dos valores transcendentes, autonomia das realidades terrestres, privatização religiosa em face do Estado, dessacralização. Nada impedirá surtos opostos conservadores, mas sem perspectiva de marcar o porvir.

O Cristianismo do futuro sofrerá de crescentes incertezas. Perderá a homogeneidade dos dogmas e se esforçará por interpretá-los nos diversos contextos culturais, geográficos, étnicos, religiosos. Ele se entenderá histórico, contextual, plural. Assistirá ao ocaso da cultura ocidental, cartesianamente racional, capitalista neoliberal, burocrática, centrada no varão conquistador, de raça branca e de religião católica romana hegemônica para ver surgir novo paradigma com valorização da ecologia, da mulher, da diversidade racial, do diálogo intercultural e inter-religioso e da relação entre as pessoas e povos.

O futuro do Cristianismo já não dependerá do imaginário religioso que teceu ao longo dos séculos no Ocidente, mas antes da vitalidade interna que tem de inculturar-se em outros horizontes culturais. Tal processo não se fará sem muito sofrimento. A expressão católica ocidental se identificou de tal maneira com a fé que qualquer divergência séria cultural se considera heresia. O Ocidente se imbuiu abusivamente da consciência de possuir a única verdade católica. O futuro do Cristianismo aponta noutra direção: diálogo, pluralidade, liberdade criativa.

As linguagens sofrem duplo movimento oposto. De um lado, diversificam até o extremo. E, de outro, cria-se enorme homogeneidade pela via da globalização midiática. E o Cristianismo se percebe dilacerado entre as duas vertentes e corre o risco de rigidez que não aceita a linguagem globalizada nem a pluralidade. Isola-se, então, em pequenas ilhas culturais religiosas.

O ponto de contacto entre a linguagem da fé e o público passa pela experiência que se desgarrou de parâmetros rígidos e uniformes. O futuro desafia o Cristianismo para que ele se aproxime e converse com os excluídos, com o mundo da intimidade das pessoas, com as ciências e tecnologias de ponta, com as novas instituições sociais e políticas em gestação sob o nome de ONG, Fórum Social Mundial e outras. O Cristianismo perpetuar-se-á, não pela força da imposição, mas pelo diálogo e pela busca comum da verdade e do bem em vista de convivência humana e civilizada.

J. B. Libânio é padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano

domingo, 1 de maio de 2011

Dia do Índio. Qual sociedade é composta por selvagens?


Criança branca pintada de índio em escola de classe média alta é hype. Criança índia desterrada esmolando no semáforo é kitsch. Índio só é fofo se vem embalado para consumo.

Nesta terça, 19 de abril, é Dia do Índio. Data boa para lembrar qual sociedade é, de fato, composta por selvagens. Vamos celebrar:

Dia do Índio se tornar escravo em fazenda de cana no Mato Grosso do Sul

Dia do Índio ser convencido que precisa dar sua cota de sacrifício pelo PAC e não questionar quando chega a nota de despejo em nome de hidrelétricas com estudo de impacto ambiental meia-boca

Dia do Índio armar um barraco de lona na beira da estrada porque foi expulso de sua terra por um grileiro

Dia do Índio ver seus filhos desnutridos passarem fome porque a área em que seu povo produziria alimentos foi entregue a um fazendeiro amigo do rei

Dia do Índio ser queimado em banco de ponto de ônibus porque foi confundido com um mendigo

Dia do Índio ser chamado de indolente 

Dia do Índio ter ignorado o direito sobre seu território porque não produz para exportação

Dia do Índio ter negado o corpo de filhos assassinados em conflitos pela terra porque o Estado não faz seu trabalho

Dia do Índio se tornar exposição no Zoológico da maior cidade do país como se fosse bichinho

Dia do Índio ser retratado como praga em outdoor no Sul da Bahia por atravancar o progresso

Dia do Índio tomar porrada na Bolívia, no Paraguai, na Colômbia, no Peru, no Equador, no Chile, na Argentina, na Venezuela porque é índio

Dia do Índio ser motivo de medo de atriz de TV, que acha que um direito de propriedade fraudulento está acima de qualquer coisa

Dia do Índio entender que a invasão de nossas fronteiras é iminente e, por isso, ele precisa deixar suas terras para dar lugar a fazendas 

Dia do Índio sofrer preconceito por seus olhos amendoados, sua pele morena, sua cultura, suas crenças e tradições 

Enfim, Dia do Índio se lembrar quem manda e quem obedece e parar com esses protestos idiotas que pipocam aqui e ali. Ou será que nós, os homens de bem, vamos precisar de outros 511 anos para catequisar e amansar esse povo?



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