sábado, 7 de novembro de 2009
Campanha dos Médicos Sem Fronteiras
o pai é um dos soldados que à estuprou na mira de armas
este não é um procedimento fácil
principalmente em uma área repleta de minas terrestres
Ação contra a Fome
1000 pessoas se reuniram em Paris para denunciar este fato insuportável. "
Action Contre La Faim (Ação contra a Fome), organizou uma mobilização em 14 de outubro em Paris.
As pessoas eram convidadas a colocar suas fotos em uma parede gigante até fazer desaparecer a palavra "FAIM" ( "fome" em francês)
Action contre la Faim - Journée mondiale de l'alimentation from Avis de Tempête on Vimeo.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
O deus que não é Deus

Ricardo Gondim
Existe um deus que não é Deus. O único com força para enfrentar a Deus. Essse deus não vive em alguma dimensão cósmica ou ponto do universo. Seu oratório é a mente humana. Ele é um deus familiar, pois vive nos espelhos da alma. Mesquinho, cobra desempenhos impossíveis. Inclemente, castiga as inadequações dos fracos com fúria. Ofendido por uma pessoa, dizima gerações inteiras. Imprevisível, age com um humor indetectável.
Existe um deus que não é Deus. Capaz de ofuscar o próprio Deus, misturou-se em todas as religiões. Sanguinário, exige sacrifício para estender a sua compaixão. Impassivo, privilegia os eleitos e condena o resto. Indiferente, descarta a prece da criança quando não se encaixa em seus propósitos. Distante, volta as costas para os miseráveis em nome da coerência.
Existe um deus que não é Deus. É possível encontrá-lo nos paços sacerdotais, nas leis canônicas, nas teologias que o sistematizaram. Ele vingou na religião e a cúrias já mapearam as suas ações. Sem bondade, ele defende a virtude. Sem graça, faz apologia da verdade. Os cristão sabem que ele existe; já provaram o fel de sua justiça na Inquisição. O homem-bomba de hoje testemunha o seu furor para os muçulmanos. Ele aparece em cada campanha de oração pentecostal para mostrar como é difícil ganhar o seu favor.
Existe um deus que não é Deus. Ele é uma divindade que não suporta ver Jesus almoçando com pecadores, bebendo vinho perto de mulheres suspeitas, elogiando pagãos ou prometendo o Paraíso para gatunos. Esse deus precisa desaparecer, pois é um ídolo malvado. E só com a sua morte nascerá o Salvador.
Soli Deo Gloria.
O único absoluto, relativiza-se
Deus poderia manter-se fora de nossas contingências (os imprevistos, o inesperado, os acidentes, as surpresas, os fatores aleatórios), mas não quis. Se nossa humanidade sofre, Deus escolheu sofrer junto.
Creio que para entendermos a história relacionalmente, precisamos aprofundar nossa teologia da empatia divina, a paixão de Deus não o ‘deixa’ de fora de nosso mundo. É a experiência de Hagar, a escrava de Sara e Abraão. Fugindo pelo deserto do desamparo, o deserto da desigualdade de chances, o deserto da injustiça humana, é surpreendida pelo “Deus que vive e vê”. Na sua segunda viagem pelo mesmo deserto, não mais fugindo, mas agora exilada, ouve do mesmo Deus que ele ouviu o choro da criança. Deus está na história. Ele participa de suas incongruências.
Mas como não entender a encarnação de Deus como sua relativização radical? Sendo Deus, sendo absoluto, “esvaziou-se” de seus absolutos, relativizou-se a nós por amor. Se ele podia ser atemporal, escolheu não ser. Não depois, mas antes de tudo. Por isso diz o escritor do Apocalipse que o cordeiro está morto desde a fundação dos tempos.
O amor só é possível se é relativo ao próximo, aos outros.
O amor só é possível no tempo. Se é história.
Como nossos pais
Como Nossos Pais - Elis Regina
Composição: Belchior
Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz...
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...
Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo,
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais...
Nosso destino
Uma das coisas mais estúpidas que já acreditei em termos de religião foi que a composição da população do céu podia ser mensurada pelo número de pessoas que dissessem sim a um apelo de conversão a Jesus Cristo feito nas bases da tradição do cristianismo protestante evangélico anglo-americano. Traduzindo: se você acredita que irão para o céu somente as pessoas que aceitam a Jesus como salvador depois de ouvir o evangelho pregado a partir da cultura anglo-americana, então você está em apuros: o seu céu é pequeno demais; o seu Deus é pequeno demais; o seu Cristo é pequeno demais; o seu evangelho é pequeno demais; o seu Espírito Santo é pequeno demais; o seu universo de comunhão é pequeno demais; seu projeto existencial é pequeno demais; sua peregrinação espiritual é pequena demais.
É urgente que se articule uma outra maneira de convocar pessoas para que se coloquem a caminho do céu. Uma convocação que considere que “nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” – palavras de Jesus. Uma convocação que re-signifique o conceito de céu, que deve deixar de ser um lugar geográfico em outro mundo para onde se vai após a morte, para significar uma dimensão de relacionamento com o Deus Eterno para a experiência contínua do processo de humanização: estar em Cristo, ser como Cristo, ser Cristo. Com isso quero dizer que o convite para aceitar Jesus como salvador como credencial para ir para o céu não é a melhor convocação. A melhor convocação é um chamado para se tornar uma outra pessoa. A peregrinação espiritual cristã não é uma migração de um lugar para outro, mas de um estado de ser para outro. Nosso destino não é o céu. Nosso destino é Cristo. E tenho certeza de que muita gente vai chegar lá mesmo sem nunca ter ouvido o plano de salvação desenvolvido pelos teólogos sistemáticos anglo-americanos.
Ed René Kivitz
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Crianças do Rio vivem traumatizadas pela violência
"Estamos curando nossa nação, marchando sobre ela", diz Bispo Zé Bruno
Mas a realidade, continua sendo cruel e é cada vez pior para as crianças, como vemos no Rio de Janeiro:
Os índios são culpados pela destruição ambiental?
Bem, antes de conversa, vale lembrar que os territórios de populações tradicionais são historicamente mais bem preservados do que parques nacionais ou estaduais. Em outras palavras, a maior parte das pessoas cuida da sua própria casa.
Na (bizarra) justificativa do projeto, o Dr. Ubiali, como é chamado, diz:
“Quando a União destina uma determinada área para o usufruto indígena, centenas de agricultores, posseiros de boa-fé e proprietários são expulsos para que seja entregue e ocupada unicamente pelos índios. Assim, constatado o uso criminoso de determinada gleba, nada mais justo que ela seja desafetada e possa vir a ter nova destinação, transformando-se numa unidade de conservação da natureza, ou, se vocacionada para as atividades agropecuárias, possa ser destinada ao assentamento de trabalhadores rurais.”
Perceberam? Ele reescreveu a história! O índio tirando a terra do branco! Um monte de indígenas chegando nus em caravelas e estragando a vida dos brancos que viviam aqui, plantando sua cana e criando seus boizinhos.
Se eu não confiasse nos políticos brasileiros, iria achar que o deputado estava criando uma forma de usurpar terras indígenas.
Muitas comunidades se vêem obrigadas a dilapidar seu próprio patrimônio natural, pois o Estado não garantiu condições mínimas para que pudessem manter uma vida digna. Ou, sob fogo cerrado de pessoas interessadas em suas terras e riquezas, muitos deles acabam por ceder a pressões. Há os que fazem em busca do lucro fácil? Claro! Não há santo nesse mundo. Mas imagine uma comunidade ser condenada porque meia dúzia desenvolve um comércio ilegal de madeira? Seria equivalente a taxar toda uma população de um morro carioca de bandida por conta de alguns traficantes de drogas. Isso não acontece, não no Brasil…
Exatamente por isso, me pergunto porque o nobre deputado não propôs também que proprietários rurais que cometam crimes ambientais percam suas terras? Uma lei assim, mais ampla, ainda seria questionada, mas não daria margem a ser considerada como preconceito étnico.
blog do sakamoto
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Evangelho e cidadania
Ricardo Gondim
O Brasil enfrenta uma das piores crises de sua história. Uma crise tal que os futuros historiadores terão dificuldades de explicar como foi possível este país construir uma catástrofe destas dimensões ao chegar no final do século XX.
Estamos desarticulados socialmente. Os sintomas desta desarticulação se mostram na miséria que se perpetua nos subúrbios dos grandes centros urbanos, na deseducação das crianças que são forçadas a estudar em escolas públicas em ruínas; no esvaziamento do campo e na explosão urbana. Nossa desarticulação social se revela mais exuberante na perda do sentimento de nacionalidade: vive-se uma descrença em relação ao futuro. Somos o país em que políticos ainda se elegem promovendo laqueadura de trompas e distribuindo dentaduras. Observa-se a lenta perda do poder aquisitivo da classe média e nenhuma melhoria para a maioria pobre. Vive-se uma desigualdade regional. O sul próspero e o norte e nordeste com índices africanos. Convivemos com o paradoxo de sermos um dos mais ricos países do mundo em terras e ainda assim sermos um dos mais pobres em nutrição; termos uma enorme quantidade de escolas de medicina e estarmos classificados de acordo com Organização Mundial de Saúde quanto a saúde pública em centésimo vigésimo quinto lugar. Segundo dados preliminares do Ministério do Bem Estar Social, haveria no Brasil, dezenas de milhares de adolescentes prostitutas. Muitas delas acabam engravidando reproduzindo o ciclo da miséria. Outras, engrossam as sombrias estatísticas de aborto e mortalidade materna.
Dois em cada dez brasileiros vão dormir com fome.
Trinta e dois milhões de indigentes, pessoas que não conseguem comprar sequer uma cesta básica.
365 mil crianças abaixo de 5 anos morrem por ano no Brasil vítimas de desnutrição. É mais que 3 estádios do Morumbi.
O Brasil é um país com uma economia doente, sucateada com uma recessão brutal que mantém os índices de inflação baixos; cartelizada; dependente do protecionismo e subsídio do estado, refém dos grandes bancos, escrava à especulação do capital estrangeiro. O estado está falido, o sistema médico e previdenciário dilapidados. O sistema fiscal desmoralizado, perverso, incoerente. O salário mínimo, um dos mais baixos do mundo. O brasileiro é obrigado a conviver com as mais altas taxas de juros do planeta. Por conta disto, as estradas brasileiras são esburacadas, impedindo o fluxo da riqueza para os grandes portos, o trânsito nas grandes capitais é caótico, o transporte público bagunçado. As cadeias públicas super lotadas, transformaram-se em antros de criminalidade. As polícias mal pagas e mal equipadas são temidas pelos cidadãos e escarnecidas pelos bandidos. O estado não tem recursos para cumprir com suas obrigações previstas na Constituição.
Ecologicamente o Brasil é um desastre. Os rios e florestas destruídos pela exploração irresponsável de seus recursos naturais. Desequilibramos nosso ecossistema quando transformamos algumas de nossas lindas cataratas em imensos lagos artificiais. Poluímos nossas praias pela especulação imobiliária. Continuamos a devastar nossa selva para suprir o guloso mercado madeireiro do primeiro mundo. O resultado patético vê-se – e cheira-se – por todas parte: nossos rios são esgotos abertos, alguns de nossos prados se parecem com cenários lunares. Algumas de nossas montanhas, corroídas pela erosão, são retratos surrealistas de nossa miséria.
O Brasil é o país da degradação ética. Vive-se aqui a generalização do oportunismo político. Há conivência com a irresponsabilidade. Como é grande nossa tolerância com a corrupção – grande ou pequena! A fraude é vista como fato normal. Os interesses corporativos prevalecem sobre os sociais. Aceitamos, sem perdermos o sono, a coexistência gritante da ostentação com os mais dramáticos níveis de miséria. A injustiça social no Brasil é uma das mais alarmante do mundo, sem que haja consternação das elites e das emergentes. Dinheiro que deveria ser destinado a merenda escolar de crianças é desviado para gordas contas na Suíça. Promessas eleitoreiras se repetem de tempo em tempo, enquanto nossas cidades estão entulhando-se de desempregados crônicos – os chamados excluídos. Parece que o deboche diante da tragédia está passando a ser parte de nossa cultura. O conformismo, a falta de espírito público tanto da classe política da esquerda como da direita são características de nossa enfermidade ética. Somente aqui a vergonhosa lei do Gerson nos faz rir e não corar de vergonha.
Por mais que o nosso presidente diga que não, somos uma vergonha, no cenário internacional. Lá fora nos conhecem como o país da violência generalizada, da corrupção, da devastação da Amazônia, do assassinato de crianças e de índios. Somos vistos como o país do sexo promíscuo do carnaval. Muitos europeus lembram-se do Brasil como exportador de travestis.
Aqui neste espaço, nos concerne refletir sobre quais os posicionamentos do evangelho na difícil tarefa de equipar os brasileiros como atores sociais. Qual o papel da igreja evangélica brasileira? Ela é povoada de cidadãos da Cidade de Deus? A igreja produz cidadãos também para o aqui e agora?
É de bom alvitre que se leia neste ponto de nossa reflexão o capítulo 22 de Mateus, dos versículos 15 ao 22.
“Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma palavra. E enviaram-lhe os discípulos, juntamente com os herodianos, para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não lhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois: que te parece? É lícito pagar tributo a César ou não? Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe um denário. E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição? Responderam: De César. Então, lhes disse: Daí, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ouvindo isto, se admiraram e, deixando-o, foram-se.”
Neste texto de Mateus, Jesus já está em Jerusalém e de lá só sairá pela chamada Via Dolorosa. A multidão o aclama e o clima está se tornando insuportável. Depois de insistir em falar de assuntos inquietantes, há uma conspiração que tenta surpreender-lhe. Os fariseus se retiraram, a fim de planejar o modo pelo qual poderiam apanhar Jesus na armadilha de alguma palavra. Decidiram enviar alguns de seus discípulos, com os herodianos, a fim de propor-lhe uma questão controvertida a respeito de pagamento de impostos ao imperador romano. Nada sabemos a respeito dos herodianos, senão o que está registrado aqui. Supõe-se que seriam defensores judeus de Herodes Antipas, que apoiavam o colaboracionismo aos conquistadores romanos.
“Começam com lisonjas. Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus com toda sinceridade. Tu não te preocupas com o que pensam as pessoas, porque não te interessas por ganhar-lhes o favor. Então diga-nos, é lícito pagar tributo a César, ou não? Fica claro como cristal o dilema que propõem a Jesus. Se ele se opusesse ao pagamento de impostos, estaria em dificuldades com as autoridades civis. Os herodianos o acusariam de tentar incitar uma rebelião. Se aprovasse o pagamento dos impostos, perderia popularidade. Parecia que não havia meio de ele responder à pergunta sem sair perdendo.
O imposto a que se referiam era uma taxa per capita obrigatória a cada cidadão a partir da puberdade até os sessenta e cinco anos. Devia ser pago em moeda romana ao tesouro imperial. O povo judeu se ressentia do pagamento de tal imposto, porque lembrava a todos que eram vassalos de uma potência estrangeira que lhes confiscara a terra e, agora, lhes extorquia uma soma de dinheiro que engordaria os cofres do imperador.”
O texto é da maior importância porque ele nos arremete aos posicionamentos de Jesus Cristo sobre a difícil questão da cidadania. Sua resposta fornece princípios sobre como a igreja se comporta quando confrontada com o dilema ideológico. Aqui precisamos abrir um parêntese para esclarecermos o que entendemos por ideologia.
Ideologia seria a lente que nos capacita a ler nossa realidade, a natureza de nossas estruturas e quais as possibilidades escatológicas.
A escolha do texto, a observação de como Cristo reagiu não é por acaso. Pois o comportamento do cristianismo através dos séculos não foi sem tensões, ambigüidades. Como agir, reagir, comportar-se como cidadãos de dois reinos? Até que ponto é permitida a desobediência civil, a revolta armada, o exílio?
Ainda na embrionária igreja primitiva esse dilema se apresenta diante de Pedro e João. Acusados de causar incômodo religioso na monolítica Jerusalém judaica, Pedro reagiu diante do mesmo Sinédrio que conduziu a condenação de Cristo afirmando em Atos 4.19:
“Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus.”
Pouco tempo depois insistiu em Atos 5.29:
“Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.”
Entretanto, Paulo, quase que contradizendo a postura de Pedro ensina em Romanos 13.1-7:
“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Quere tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.”
Assim, por toda a história, o comportamento dos cristãos em regimes totalitários, sociedades eticamente adoecidas e em culturas perversas não foi sempre homogêneo. Algumas vezes pareceu coerente:
Quando a perseguição e martírio dos cristãos era comum no mundo antigo, foi necessário optar não pela resistência aos regimes, mas ao exílio. Por isso, foram construídas as catacumbas.
Já nos tempos dos gladiadores, Roma já encontrava-se encharcada pelo cristianismo. Foi a militância dos cristãos que estancou o sangue que jorrava no Coliseu.
Em algumas circunstâncias, os regimes valeram-se dos cristãos para legitimar suas ambições de conquistas, seus sistemas de dominação e suas guerras sangrentas.
Diz-se que Isabel, a católica cometeu mais atrocidades em nome de sua fé do que Nero jamais por causa de sua perversão.
Hoje, sabe-se que grande parte do poder religioso calou-se quando Hitler dizimava os judeus, os ciganos, os homossexuais e os deficientes físicos. Quando não houve conivência, houve um silêncio cômodo.
Salazar, em Portugal, Franco na Espanha, e os regimes totalitários da América Latina contavam com o apoio da Cúria.
No Brasil, o regime ditatorial mais longo de nossa história, o que começou em 1964, na verdade não teria vingado se fosse a Marcha por Deus e pela Família, liderada pela igreja católica. Os evangélicos calaram-se pelas três décadas. Crente que fosse verdadeiramente, votava na Arena. Os militares contaram com a obediência serena e meiga dos evangélicos. Enquanto atrocidades eram cometidas nos porões do Doi Codi e nos porões da repressão, alheios, continuávamos conduzindo reuniões evangelísticas. Acreditamos que os comunistas eram perigo tão grande, que deveríamos no unir aos militares por que eles derrotariam as forças do mal.
Em Ruanda, hoje sabe-se a política de extermínio na questão étnicas entre os Tutsis e os Hutus teve o aval da igreja cristã local.
Eis porque devemos observar o comportamento de Cristo diante do impasse que lhe apresentaram:
1. O conceito cristão de cidadania dessacraliza os processos políticos.
Ele pergunta, de quem é a efígie na moeda. A resposta obvia é que era de César. Portanto, não há uma ótica transcendente na leitura daquele regime. O regime de César não é visto como agente do mal e nem como agente do bem; é visto como uma manifestação dos processos humanos de condução da história.
Para cristo, os sonhos teocráticos estão esvaziados. Ele edificará um reino que não guerreará pelos mesmos espaços geográficos que Roma, seu reino não usa a nomenclatura do poder de César, não aparecerá um novo partido dentro da confusa geo-política palestina do primeiro século.
O evangelho não contempla no socialismo o sonho de concretização do reino. Sequer consegue ver o capitalismo que faz do dinheiro o seu deus, a possibilidade de encarnar a utopia do novo céu e da nova terra.
Isso força o cristianismo a interpretar sua realidade histórica à luz da realidade e não do ideal. Quando se indaga a Cristo se deve pagar impostos a Roma, está embutida na pergunta uma inquietação: Um povo deve subjugar outro povo. Uma nação poderosa deve extorquir impostos de outra nação pobre? Não. O ideal não é que isso aconteça, mas o cristianismo não trabalha com pressupostos do ideal e sim do que é. O ideal é que não se gastasse bilhões na indústria das armas, o ideal é que o sistema financeiro não premiasse a especulação e sim a produção, o ideal é que o sistema não se alicerçasse sobre a ganância e sim sobre a solidariedade.
Foi devido a isso que a escravatura não é duramente combatida nas páginas do Novo Testamento. Na realidade em que foi escrito, a escravatura era amplamente difundida. Os autores mergulhados na realidade histórica que viveram sem percepção nítida de como aquela situação pudesse ser revertida não tentam desmoronar o sistema da escravatura, mas lutam para humaniza-lo.
No exercício da sua cidadania o cristão reconhece sua realidade mas não se encaramuja pela distância entre o que é e o que desejamos que seja. O ideal é que não houvesse meninos morando nas ruas, chacinados por hordas de justiceiros. O ideal é que não haja traficantes vendendo crack para os miseráveis que já vivem no inferno. Entre este ideal e o que vemos quotidianamente há um abismo enorme. O que fazer. O evangelho desafia os cristãos a lutar para que eles sejam cuidados, que as estruturas que perpetuam esse estado de coisas sejam derrubadas e que se engatilhem processos que prevenirão outros a caírem nesse caldeirão de desgraça.
Foi interessante a postura do Ministro da Saúde dos Governos do Jimmy Carter e do George Bush. Ele, evangélico militante, iniciou uma campanha pela distribuição de preservativos por todos os Estados Unidos. Confrontado pela Maioria Moral, se não estava legitimando a promiscuidade no país, ele respondeu: O ideal é que as pessoas vivam uma vida monogâmica, mas antes que esse ideal se concretize há milhares de pessoas se contaminando com o vírus HIV. Sou ministro da saúde, não lido com o ideal, tenho que lidar com a dolorosa realidade, portanto, vamos ensinar as pessoas a usar a camisinha.
O ideal é que não haja abortos. Entretanto, milhares de mulheres estão recorrendo a clínicas de aborto imundas. Muitas morrem por infecção. O que fazer? Creio que o conceito de cidadania deve incorporar programas alternativos de adoção, creches antes que as apedrejemos.
2. O exercício da cidadania cristã trabalha dentro dos contornos sociais, sem contudo legitimá-los.
O simples fato de pagar o tributo não significa que o regime opressor de Roma está legitimado por Cristo. Cristo não admite que suas posturas sejam exploradas por razões políticas, como também ensinou aos seus discípulos a nunca se valeram das estruturas do poder para alavancar o projeto do reino.
Francis Schaeffer é que cunhou a expressão co-beligerância. Fazem-se parcerias sem contudo legitimar.
Quando percebo que a igreja católica levantou uma bandeira digna, como sua luta contra a exploração sexual de menores, posso me aliar com ela naquela luta, sem que necessariamente esteja legitimando outros posicionamentos dela como sua mariolatria, o poder papal, etc.
Quando percebo que os sem terra, estão com reivindicações sólidas sobre a reforma agrária e sobre a injustiça social no campo o evangelho deve ratificar o esforço deles – Há muitos crentes entre os sem-terra – sem contudo, estar legitimando a invasão de prédios públicos ou estar solidário a pressupostos socialistas.
Quando o presidente da República desenvolve um projeto de cidadania, um esforço de alfabetizar os evangélicos devem se posicionar a favor, sem que com isso estejam dizendo que aprovam os métodos que foram usados para que se ganhassem os votos pela re-eleição.
“Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha cidade e defende melhor do que nunca as ais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e, às vezes, os leva a desistir da gesta heróica.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lágrimas de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhe impôs e impõem quotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que não fizeram. E sim que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo. Sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsando a atividade da cidade futura que estamos a construir. Vivo, sou militante. Por isso, odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.”
Antônio Gramsci – 11.02.1917.
3. O exercício da cidadania é encarado no cristianismo, não como uma atividade da redenção mas da criação.
A função de governar a terra e de administrar foi outorgada no Gênesis antes da queda. O cristianismo, portanto, não necessita de homens redimidos para que o bem seja promovido.
Está fora o conceito de que o Brasil será melhor quando tivermos o maior número de evangélicos no poder.
Não, o Brasil estará melhor quando tivermos o maior número de bons políticos exercendo, da mesma maneira que a aviação brasileira estará melhor quando tivermos melhores pilotos pilotando nossas aeronaves, da mesma maneira que o nosso programa de desenvolvimento da física nuclear estará melhor quando tivermos o maior número de bons físicos à frente dos nossos projetos energéticos.
4. O exercício da cidadania evangélica é ao mesmo tempo uma expressão de amor como expressão de justiça.
O âmago do evangelho é a busca da justiça em amor. E da proclamação do amor a partir
O que segue a justiça e a bondade achará a vida, a justiça e a honra. Provérbios 21.21.
O exemplo do Bom Samaritano. O fez por um sentimento de amor, talvez não passasse no teste do politicamente correto. Não houve contestação do sistema, da insegurança. Mas como expressão do seu profundo amor, a justiça foi exaltada.
Esse é o mistério da encarnação. Cristo ao mesmo tempo dá o que é de Deus e de César. O transcendente e o imanente encarnam-se. A igreja participa no palco social e constrói um castelo transcendental. Age no imanente como justiça, porque foi visitada pelo transcendente com amor.
Por isso é que historicamente ela tanto tem um:
Desmond Tutu na África do Sul que celebra um culto a Deus orando para que seja desmantelado o sistema do Aparthaid como sai pelas ruas em passeata pedindo que o regime iníquo caia por terra.
Um Martin Luther King Jr, que prega o sermão em Atlanta e faz o discurso em Washington.
Um Wilberforce que pastoreia uma igreja e ao mesmo tempo é membro do Parlamento Britânico que joga por terra o regime escravagista.
Você tem comunidades evangélicas no morro pregando o evangelho e promovendo cursos de alfabetização. Missionários que dão aula de bíblia e de cuidados de higiene.
Soli Deo Gloria