sábado, 9 de abril de 2011

Os efeitos perniciosos do ufanismo

Ricardo Gondim
Já vivi encantado pelo otimismo. Afirmei com contundência que a sorte é bumerangue que sempre volta com fortuna. Cantei com um público frenético: “Vai dar tudo certo, em nome de Jesus”. Em minhas palestras e sermões, antecipei grandes reviravoltas na vida dos ouvintes. Mas, com o passar do tempo, percebi que apesar de toda a boa vontade, tais guinadas não aconteciam com a frequência que eu desejava. Nem tudo dava certo! Alguns amigos agonizaram, carcomidos de câncer. Outros foram à bancarrota. Quantos casamentos celebrei que terminaram em divórcio. Por que não confessar a infantilidade? Repeti jargões ufanistas sem levar às últimas consequências minhas afirmações . Pior, capitalizei em cima de ilusões.

Percebo que não estou só. Políticos e conferencistas motivacionais ladeiam líderes religiosos a repetir frases de efeito - que, na verdade, só servem para fortalecê-los. Infelizmente, as consequências são desastrosas. Mulheres azedaram na vida porque alguém lhes prometeu que Deus (ou Santo Antônio) traria marido “no tempo certo”. Empresários se desesperaram porque alguém assegurou que “o Senhor não permite que seus filhos fracassem nos negócios”. Pais e mães se perderam existencialmente porque jamais cogitaram um câncer “permitido” em uma família piedosa e obediente.

É comum ver pessoas acorrentadas a promessas que “um dia chegarão” - mas que não chegam nunca; ver pessoas debitando paradoxos e agruras nos “paradoxos” e “mistérios insondáveis da eternidade”.

Nada como o dia a dia para arrasar com os discursos triunfalistas. Crianças agonizam com diarréia nas favelas. Faltam ambulâncias nas periferias para salvar os infartados. Professores da rede pública recebem uma ninharia no perpétuo ciclo ignorância-desemprego-miséria. Quem ganha com o triunfalismo? As revistas de fofoca com seus conselhos de auto-ajuda, os televangelistas e as religiões pequeno burguesas. Nos sucessivos arroubos de vitória, as relações utilitárias com a Divindade prosseguem intocadas e os cantores gospel faturam bem.

Reconheçamos: a vida de muitos simplesmente não vai dar certo. A estrutura econômica deste país, assimétrica, não permite que multidões subam a escadaria da inclusão social. Os oligarcas não vão abrir mão de seus benefícios (basta ver a miséria do Maranhão, feudo de uma família poderosa). Muitos não vão entrar na terra prometida. Homens adoecerão sem conseguir recuperar suas empresas. Mulheres não vão sair do lugarejo que lhes asfixia. Rapazes, que sonhavam em jogar futebol na Europa, terão que se contentar com o saláro de balconista.

Não se deve desprezar a realidade em nome da uma esperança fantasiosa. Não se deve negligenciar injustiça social em nome de intervenções de Deus. Não se deve perpetuar ilusão em nome do otimismo. Sou pastor, pregador e conferencista, mas não tenho o direito de descolar meu discurso da existência concreta que as pessoas enfrentam todos os dias.

Não há outro caminho senão assumir compromisso com a verdade. E lutar dentro dela. Obrigo-me não à verdade metafísica, absolutizada dos dogmas ou da filosofia. Abraço a verdade que o cotidiano impõe e esperneio para transformá-la. Acredito que só é possível promover a liberdade quando ensinar que o engano não conduz a lugar nenhum senão a decepção. – “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!”. Para que o mundo seja minimamente transformado não há outro recurso senão embrenhar-se na vida como ela é, arregaçar as mangas e lutar.

Soli Deo Gloria.

Um Teto para meu País

Um Teto para meu País é uma organização latino-americana, formada e liderada por jovens universitários, que está presente em 19 países da America Latina e trabalha no combate a extrema pobreza. Todos os dias, em todo o continente, milhares de jovens trabalham para melhorar a qualidade de vida de pessoas que vivem em comunidades carentes a partir da construção de casas de emergência e programas de habilitação social. Esperamos envolver toda a sociedade para mudar essa realidade da pobreza. Contamos com você! Para saber mais, acesse: http://www.umtetoparameupais.org.br



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Saudade da penitência

 
Qualquer que seja o futuro do cristianismo, e por várias razões, vai ser necessário abrir espaço para a penitência. Não a penitência da auto-mutilação, mas a do espírito. “Arrepender-se” tornou-se palavra que não significa nem “reformar a conduta” (mais perto do sentido grego original) nem o mais fraquinho e popular “sentir-se mal” – porque, os novos profetas esclarecerão rapidamente, cristão nenhum pode sentir-se mal. Se você está contrito, eles vão tentar fazer você sorrir. “O importante é ser feliz”, esclareceu um cristão experimentado nessas questões.

São Brabo, o monge-lutador medieval que dizia que “o importante é fazer a coisa certa”, discordaria indignadamente.

Na liturgia cristã contemporânea só há espaço, naturalmente, para o louvor. Há cantos e danças, mas se você quiser encontrar espaço para a contrição vai ter de fazê-lo sozinho. Pensando bem, talvez tenha sido sempre assim. Já Jesus salientou que no seu tempo a voz alta que se ouvia no Templo era a do fariseu celebrando de coração “porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros”. A penitente contrição do corrupto cobrador de impostos, batendo no peito de longe e sem levantar os olhos, se alguém ouvia era Deus.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O pânico gerado pelo aumento no Bolsa Família


A partir deste mês, os beneficiários do Bolsa Família receberão aumento médio de 19,8% nos repasses, podendo chegar a 45,5% – para quem tem filhos de até 15 anos. Isso significa um pagamento de R$ 32,00 a R$ 242,00, com valor médio de R$ 115,00 – que, como sabemos, é uma fortuna sem tamanho. Ao todo, cerca de 50 milhões de pessoas serão beneficiadas. 

A maioria dos críticos do programa não reclama de sua existência, mas sim da eficácia das portas de saída – para garantir que as famílias tenham autonomia econômica – e de usos eleitoreiros do mesmo. Além do mais, os partidos políticos perceberam que não conseguirão apoio da massa sem garantir que manterão ou ampliarão determinados programas, como os de transferência de renda, vinculados ou não à educação – que tiveram seu início na era FHC e passaram por um processo de ampliação no governo Lula.

Cálculos do Institutos de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) mostram que a cada real repassado pelo programa, o Produto Interno Bruto brasileiro aumenta R$ 1,44. Ou seja, o Bolsa Família teve o mérito de retirar 3 milhões de pessoas da extrema pobreza, mas também fazer rodar a roda da economia em comunidades do interior do país. 

Mas, como em todo o lugar, tem um chumaço de gente que acredita que pobre tem que morrer de inanição. 

Ouvi de um comerciante de uma pequena cidade do Nordeste que essa coisa de Bolsa Família é dar dinheiro para vagabundo. E que o governo “distribuir dinheiro” a torto e direito estava fazendo com que muitas pessoas pobres deixassem de trabalhar. 

Assumindo que isso não seja preconceito e sim verdade e que não seja exceção e sim a regra (simplismo que só uma pessoa que tem dois neurônios, o Tico e o Teco, apoiaria), só há uma conclusão útil: os empregadores dessas localidades devem estar pagando muito, mas muito mal a mão-de-obra para que ela desista de trabalhar por uma merreca furada como o repasse médio do Bolsa Família. 

Isso quando não aparecem especialistas dizendo:

- “O pobre vai usar o dinheiro para comprar TV, geladeira, sofá e outros artigos de luxo” (observação importante: e daí?)

- “O pobre não terá incentivo para trabalhar. Vai se acostumar na pobreza” (ah, sim, todo mundo gosta de lama)

- “Não adianta dar o peixe, tem de ensinar a pescar” (esse maniqueísmo é lindo)

- “O governo só sabe criar gastos” (tipo o pagamento de juros da dívida?)

Este post não está criticando ou elogiando partidos ou governos, tanto que reconhece avanços de diferentes origens, mas tentando entender o que, além do preconceito, faz com que um cidadão que tenha um pouco mais na conta bancária acredite que pisar no andar de baixo é a solução para galgar ao andar de cima? O Brasil não é o país da tolerância e da fraternidade, como muitos gostam de dizer, e sim do cada um por si e Deus – proporcionalmente ao tamanho do dízimo deixado semanalmente – por todos. 

Para esses, distribuição de riqueza significa “doação de calças velhas para vítimas da enchente no Rio”, “brinquedos usados repassados a orfanatos no Natal” ou “uma doaçãozinha limpa-conciência feita a alguma ONG”. Nada sobre um esforço coletivo de buscar a dignidade para todos, porque todos (teoricamente, apenas teoricamente) nascem livres e iguais.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Mal e mal

Paulo Brabo - A Bacia das Almas

A coisa ao mesmo tempo letal e redentora em ter escrito dois livros que acabaram nas estantes de Espiritualidade, Crescimento Espiritual e Vida Cristã de livrarias cristãs é ter adquirido no processo a liberdade de supor que os autores dos livros que ocupam essas estantes comigo sejam gente tão apadrinhada, egoísta, contraditória, vaidosa, inconsistente, indigna de confiança, confusa e desassossegada quanto eu mesmo. Ordinários, em todos os sentidos da palavra.

Não ignoro que essa é uma postura especialmente mesquinha, a de julgar os outros a partir das minhas próprias lacunas; ainda mais grave, talvez, seja o fato de que essa mesquinhez pode ser indicação de que publiquei esses livros com o propósito secreto de adquirir o direito a tomar essa conclusão: o prazer de deduzir, a partir da minha farsa individual, a depravação total da humanidade.

O fato é que não tenho direito de supor que os autores de livros cristãos1 sejam em geral menos bem-intencionados do que eu; mas não posso também deixar de conjecturar que tenham sido como eu seduzidos por nossos editores, por nossos amigos e pelo nosso ego para o curral da crença de que o que tínhamos a dizer poderia mostrar-se benéfico para alguém.

E isso, preciso repeti-lo continuamente também a mim, não é verdade. No que me diz respeito, os bastidores da porção benigna da literatura cristã funcionam da seguinte forma: na pior das hipóteses, como no meu caso, o autor supõe que se souber fingir-se de bonzinho talvez acabe inspirando à integridade algum leitor crédulo ou distraído; na melhor das hipóteses, e quem sabe aconteça com mais frequência, o autor crê que se contar ao leitor o quanto é [genuinamente, nesse caso] bonzinho será capaz de produzir o mesmo resultado.

E em verdade vos digo, essa desejada transição é um milagre que as mais bem sopradas das palavras não serão capazes de efetuar. Você já deve ter me ouvido dizendo isso de outras maneiras, mas estou condenado a repeti-lo porque esta é a minha profissão de fé, purificada pelo fogo do meu cinismo: a letra mata de tal forma que não é vaso adequado para conter o espírito que produz vida. Encontrar o reino de Deus é encontrar-se com o Real, e essa porta requer uma chave de carne e sangue. Só um vaso vital pode carregar a radioatividade curativa do Filho do Homem. Pode até ser o Paulo Brabo, mas será o cara grandão que mora sozinho numa casa de madeira. E devemos ser não menos que gratos, rendidos e maravilhados de que seja assim: que Jesus tenha ordenado o mundo desse modo formidável, em que os qualificados e oficialmente respeitáveis nada tem a oferecer.

Talvez seja para apaziguar essa culpa essencial, de ter acenado com as palavras de modo a produzir no leitor uma falsa expectativa, que os capítulos finais dos livros que publiquei digam essencialmente a mesma coisa: os livros não mudam ninguém. Até as letras sabem repetir: só a vida tem potencial para a abundância, e só a palavra encarnada é residência concebível para o espírito. Você pode até querer ser uma pessoa melhor, mas a mais piedosa das estantes não vai ajudá-lo nessa tarefa. As palavras mal e mal bastam para fazer essa confissão, e não espero delas mais do que isso.

Não espere mais delas você.

NOTAS
  1. Há já nessa concessão, obviamente, o germe de todo o meu argumento. Que ilusão levou-nos a admitir que dizer “livros cristãos” faz mais sentido do que dizer “liquidificadores cristãos” ou “rodovias cristãs”? Que demônio nos convenceu a conceber que possa haver algo “cristão” que não seja uma pessoa? []
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