sábado, 4 de fevereiro de 2012

QUINTO PASSO: Permaneça disponível para o momento


Paulo  Brabo - Bacia das Almas

da série EM SEIS PASSOS QUE FARIA JESUS

De tudo que eu planejava escrever neste panfleto sobre o caráter de Jesus, este passo em particular foi para mim o mais difícil de articular; foi e permanece a idéia mais difícil de capturar em palavras. Ao mesmo tempo, para os observadores da sua época esta característica do Filho do Homem deve ter parecido a menos particularmente notável, já que é a materialização de uma tendência presente em um grau ou outro em toda a história anterior (e posterior) do povo judeu.

Ao contrário de nós, que costumamos procurar a divindade em idéias, lugares e coisas, os judeus estavam treinados a rastrear Deus na face fluida e imponderável do tempo. Tinham uma visão totalmente distinta da sua relação pessoal com a passagem do tempo e, por conseguinte, da singularidade do momento. Emblema poderoso dessa visão é o sábado judaico, o shabat, que representa uma completa reversão nas nossas expectativas convencionais sobre santidade: o shabat é demonstração de que para Deus existem menos lugares santos do que momentos1 santos.

Permeados por essa convicção, que transpira de todos os poros da Bíblia Hebraica, os judeus estavam muito mais naturalmente preparados do que nós para valorizar a santidade – ou seja, a singularidade – de cada momento do tempo.

Alguém pode objetar que estamos no ocidente contemporâneo igualmente treinados a apreciar o caráter único do instante presente. Como ignorar a onipresente mitologia cujas divisas são “valorizar o momento”, “carpe diem” e o pseudo-borgiano “a vida é composta apenas de instantes”? Nossa obsessão por “viver intensamente” não será testemunho de um respeito semelhante pelo momento e pela passagem do tempo?

Não.

Nosso modo de idolatrar o instante é virtualmente oposto ao prevalente na visão de mundo judaico/bíblica, porque enxergamos o momento, essencialmente, como oportunidade parafazermos alguma coisa. “Viver intensamente” é aplicar o momento na atividade que produza emoções mais intensas e um mais acentuado sentimento de auto-realização; é “aproveitar” o tempo no sentido de extrair dele o máximo retorno. No credo do Carpe Diem, bem-aventurado é quem angaria no mais curto período a maior carteira de lembranças preciosas. Você já fez um cruzeiro pelo Caribe? Confere. Fez pós-graduação e mestrado? Confere. Já teve uma árvore e plantou um filho? Confere. Foi a um show de Antony and the Johnsons/Zeca Pagodinho/André Rieu/Lagoinha? Confere. Já passou o final de ano no Club Mediterranée?Quê? Não? Você ainda não viveu, cara – e não vai aparentemente chegar a viver a não ser que tenha o rosário de lembranças corretas para ostentar.

Lembro meu amigo inglês Julian Crouch contando de uma visita que fez a um parque europeu da Disney a fim de avaliar o convite que havia recebido para fazer um trabalho avulso para eles (ele recusou). O Julian vê com simpatia alguns desenhos da Disney, mas tem absoluta aversão ao monstro de marketing e merchandising construído ao redor eles, especialmente no que diz respeito aos parques de diversão. Disse-me o Julian que jamais vai esquecer o doentio esgar estampado no rosto dos pais que arrastavam os filhos de uma atração a outra do parque. Aos olhos do Julian, pareciam todos completamente esmagados pela terrível obrigação de se divertirem e angariarem “lembranças preciosas ao lado dos filhos©”. Procuravam preencher cada mílimetro quadrado de tempo com instantes a que pudessem recorrer mais tarde a fim de cobrir mentalmente o investimento que haviam feito na viagem e no ingresso. Enxergando por trás da pregação oficial de “diversão e quality time”, o Julian via apenas horror e escravidão.

Temos na vida real essa mesma visão utilitarista do tempo, a mesma obsessão por empregá-lo de forma produtiva ou compensadora. Essa forma ocidental de encarar a passagem do tempo é ao mesmo tempo neurotizante, envelhecedora e incutidora de culpa; é na verdade, um esforço incessante no sentido de não termos em momento algum de encarar a passagem do tempo de frente. Evitamos olhar o rosto vazio do tempo preenchendo-o de atividades ou, ainda mais comumente, concentrando nossa atenção em outra coisa que poderíamos ou deveríamos estar fazendo naquele dado momento.
JESUS DESCONHECIA NOSSA SÍNDROME DE SALVADOR DO MUNDO.
É a obsessão que faz com que você sinta estar perdendo tempo trancado no escritório, quando poderia estar lagarteando na praia; faz com que se sinta culpado por estar lagarteando na praia, quando há tanta coisa para fazer em casa; faz você sentir que está perdendo tempo fazendo o serviço da casa, quando há aquele bom livro para ler; faz você sentir-se mal por estar lendo o livro, quando poderia estar aproveitando a companhia dos filhos; faz você sentir-se mal por estar gastando tempo com os filhos, quando tem a monografia para terminar; faz você sentir-se mal por ver-se obrigado a escrever a monografia, quando poderia estar vivendo!

Bem analisada, essa nossa obsessão bipolar entre a produtividade e a satisfação imediata está baseada em dois pressupostos inteiramente alheios à mentalidade do judaísmo – e portanto alheios à mentalidade de Jesus. Está, em primeiro lugar, fundamentada na crença de que é tempo perdido todo o tempo que você não gasta fazendo o que gostaria de estar fazendo.Esta crença, por sua vez, é apenas um aperfeiçoamento mais recente da crença mecanicista – e eminentemente capitalista – de que é tempo perdido todo o tempo que você gasta não fazendo alguma coisa.

O modo judaico de enxergar o valor do tempo é oposto, e o maior exemplo da diferença está no próprio shabat, um dia inteiro da semana cuja pauta declarada consiste em nada fazer – nada nada, mesmo que a coisa que nos sintamos tentados a fazer seja ou pareça ser em favor do próprio Deus. Deus, para o judaísmo, é encontrado no não-esforço, no ínterim, na cessação. Deus não está na atividade, mas na pausa; não no programa, mas no intervalo; não no preenchimento obsessivo do tempo, mas na sua contemplação: no degustar do momento puro e sem gelo, sem ornamentos ou artifícios.
* * *
Nas minhas anotações para este panfleto este quinto passo permaneceu por muito tempo como “permaneça inteiramente disponível para os outros”; foi só mais tarde que consegui articulá-lo de forma diferente, como “permaneça disponível para o momento”. Embora eu ainda pense que este passo diga essencialmente respeito à nossa relação com o Outro, creio que sob esta última forma o conceito está mais fiel à mentalidade e à prática de Jesus.

Porque, indubitavelmente, Jesus estava incessamente disponível para o momento, não importava o que o momento representasse. Ele estava sempre ali, no preciso vértice do agora na geometria do tempo; não vivia como nós com a mente e o coração em outro ponto arbitrário do passado ou do futuro, pensando naquilo que fizemos, no que deveríamos estar fazendo ou no que gostaríamos de ainda fazer.

O resultado mais visível dessa sua postura, sem qualquer dúvida, está em que Jesus permanecia indistintamente disponível para quem quer que estivesse com ele em cada dado instante. A despeito da singularidade de seus poderes e da pureza de suas intenções, Jesus não nutria ilusões de ser capaz de estar com todos ao mesmo tempo; por outro lado, fazia questão de estar de corpo e alma presentes para quem acontecia de estar próximo dele. A mulher que aparecia casualmente no poço enquanto os discípulos iam à cidade buscar comida, o fariseu que lhe oferecia um jantar, o leproso clamando por ajuda, o conhecido que o convidara para uma festa de casamento, o espião enviado para pegá-lo numa armadilha, o paralítico descendo em sua maca do buraco do teto, o membro do Sinédrio que vinha consultá-lo na calada da noite: Jesus estava inteiramente disponível para cada um desses momentos, e portanto disposto a ser integralmente ele mesmo e estar integralmente com cada uma dessas pessoas.

Nós, em contraste, costumamos nos reservar para determinados momentos e para determinadas pessoas. Não nos disponibilizamos, de modo geral, com toda essa liberalidade. Temos, para usar nosso vocabulário (nossa mitologia), prioridades. O palestrante não vai dedicar ao ascensorista o mesmo grau de atenção que vai dedicar aos organizadores da conferência; ele na verdade não vai estar disponível para aquele momento no elevador, porque sua mente estará imersa no conteúdo da palestra e nas pequenas coisas que precisa decidir entre hoje e amanhã.
JESUS NÃO PERDIA O MOMENTO DE VISTA, PORQUE NÃO QUERIA PERDER DEUS DE VISTA.
Alguém vem me fazer uma confidência ou pedir ajuda e fico assentindo com a cabeça, fazendo de conta que estou ouvindo, enquanto minha mente vagueia cafajestemente por outras coisas que quero e planejo fazer, por pessoas com quem gostaria de estar ou planejo rever, por idéias e projetos a que quero dar forma. Não estou disponível para aquele momento, e não preciso que ninguém saiba; como resultado, não estou de forma alguma disponível para a pessoa que está comigo – pessoa que, por sua vez, talvez não esteja disponível para mim nem mesmo enquanto crê que está confidenciando comigo. A farsa mútua, se tudo der certo, nos poupará de maiores constrangimentos. É mais fácil para nós dois manipular distraídamente o marionete e concentrar a atenção em outro momento passado ou possível; mais fácil do que fazer como Jesus e investir incessantemente no presente e em suas cambiantes demandas – especialmente quando essas demandas envolvem fatores tão exigentes e cambiantes quanto pessoas.

Para evitar essa barra, vivemos eternamente entediados e distanciados do momento, esmagados pela claríssima convicção de que poderíamos estar fazendo algo mais legal, mais bem-remunerado ou mais útil para o bem da humanidade. Vivemos, pela mesmíssima razão, eternamente distantes de Deus e das pessoas.
Jesus desconhecia nossa ambição por divertimento e por dinheiro; desconhecia também – o que é muitas vezes mais curioso – nossa síndrome de salvador do mundo. Ele fazia o que fazia, aquilo que o momento exigia, e não aquilo que queria ou achava que devia fazer. Fora morrer, o Filho do Homem não tinha plano algum: nenhuma agenda, nenhum prazo e nenhum cronograma; nenhum relatório, nenhuma reunião periódica de avaliação de resultados, férias nenhumas. Ele deixava que o momento fluísse e exigisse implacavelmente a sua pauta. “Basta a cada dia o seu mal” era para Jesus apenas outro modo de dizer “não vos preocupeis com o dia de amanhã”. Ele não perdia o momento de vista, pela excelente razão de que não queria perder Deus de vista.

1 Para mais sobre o shabat e a singular visão judaica da relação de Deus com o tempo, veja as notas da minha recente palestra sobre teologia narrativa.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

QUARTO PASSO: Viva inteiramente inserido no seu mundo


Paulo Brabo - Bacia das Almas

da série EM SEIS PASSOS QUE FARIA JESUS

Se há algo que ensinam os mitos de todas as culturas é que a familiaridade é inimiga do crescimento. A jornada do herói começa quando ele se desenraiza – quando deixa o conforto da aldeia feliz e entra na insegurança da floresta escura. É por crermos instintivamente nisso que aqueles de nós que anseiam por tornar-se santos e heróis começamos pelo passo que nos parece ser o mais coerente: o afastamento do mundo. Sabemos que “santo” quer dizer “singular, separado”, e essa explicação traz em si sua própria meta e destino: por definição, o santo não pode ter nada a ver com o mundo.

Mas nada é tão simples, e está aí Jesus que não me deixa mentir.

Diversas tramas acotovelam-se pela primazia na narrativa dos evangelhos, mas há uma em particular – talvez a central – cujo tema é tão formidavelmente revolucionário que a lição toda tende a passar despercebida a olhos beatos como os nossos. Para abraçar o quarto passo na direção de Jesus é preciso elucidar o mecanismo dessa negligência histórica.

Do ponto de vista dramático, Mateus, Marcos e Lucas esforçam-se para deixar claro que o antagonista de Jesus na narrativa dos evangelhos não é – ao contrário do que somos tentados às vezes a pensar – Judas, o traidor. “Antagonista” é aquele que se contrapõe, aquele que se coloca no caminho e exerce verdadeira influência, e a traição de Judas não chega a deixar uma marca no verniz da autonomia de Jesus. Pela mesma razão, o antagonista de Jesus não está entre adversários que não chegam a tocá-lo (e muito menos derrubá-lo) – figurantes como Pilatos, os fariseus, os sacerdotes ou mesmo Satanás.

Nos evangelhos, o antagonista de Jesus é João Batista. De todos que em algum momento da história se opõem a Jesus ele é o único que representa verdadeira autoridade; de todos que se atiram no caminho de Jesus querendo exercer sobre ele alguma influência, é apenas João Batista que, em seu recato, chega a corresponder – contrapor-se – a ele.

Desde o momento em que o bebê salta no ventre de Isabel diante da chegada de Maria, o relacionamento de Jesus com João é prenhe de tensão dramática. João, por um lado, parece não chegar a entender a peculiaridade do primo. Ele pode ter visto a pomba do Espírito descendo sobre Jesus no Jordão, mas anos depois a conduta do cordeiro de Deus lhe parece equívoca o bastante para que ele mande perguntar, da prisão onde está, se Jesus era “mesmo aquele que estávamos esperando, ou se devemos esperar por outro”.
Jesus, por outro lado, que dispensava implacáveis sarcasmo e condenação sobre religiosos de todas as índoles, nada parecia encontrar para condenar na vida religiosa de João. Pelo contrário; da sua boca, quando ele fala sobre João Batista, só partem elogios: João é o maior de todos profetas; não é um caniço que se deixa dobrar pela tentação; homem mais notável jamais foi concebido.

Esse homem terrível que Jesus respeita é seu antagonista, porque de todos os personagens do evangelho João Batista é o único que apresenta e representa uma verdadeira alternativa ao estilo de vida que Jesus está propondo. João é o último habitante legítimo de um mundo que Jesus veio abolir, e a inevitabilidade desse curso acaba separando-os, a despeito do carinho evidente que têm um pelo outro.
JOÃO BATISTA É O OUTSIDER.
Embora tenham angariado quase que simultaneamente a reputação de homens de Deus, os detalhes da narrativa parecem servir apenas para salientar a intransponível distância entre as posturas de Jesus e de João. João Batista vive nas margens: é o asceta, o outsider, o homem que se afasta deliberadamente do mundo e enxerga esse afastamento como a porção mais essencial da sua missão. Ele é “a voz que clama no deserto” – deserto onde não há ninguém e onde por isso ninguém pode ouvir, a não ser quem repete o trajeto, afastando-se do mundo para ouvir da mesma forma que João afastou-se para falar.

João Batista veste seu afastamento visivelmente, causando no homem comum a mesma exasperação que deveria causar o toque grosseiro do pêlo de camelo. A credencial da sua singularidade está nos detalhes violentos dessa frugalidade: João não bebe, não aceita convites, não freqüenta pecadores; não come frescuras como pão e vinho (recomendando como alternativa sua dieta de gafanhotos e mel silvestre), evita todos os excessos e jamais é visto na cidade. Para encontrá-lo é preciso ir ao encontro dele na aridez onde nenhum traço de humanidade pode sobreviver.

É em contraste absoluto com essa figura que os evangelistas introduzem um novo personagem. Está aqui, propõem eles, um herói que representa abordagem oposta à do ascetismo de João. E é gloriosamente que Jesus caminha pela terra desmoronando a cada passo as seguranças desse modo de vida cauteloso, o paradigma de santidade tradicional personificado por João.

Jesus é o inserido, o sociável, o homem plenamente entranhado na sociedade, decisivamente acessível e presente. Ele não apenas recusa o afastamento do mundo proposto na postura de João, mas assume descaradamente a direção oposta. Sem nenhum verdadeiro precedente na história sagrada de Israel, aqui está um homem que adquire a fama de santo e homem de Deus convivendo com o homem comum e com gente que até mesmo o homem comum tem dificuldade para engolir.

Em perfeita oposição a João, Jesus deixa claro que é sua proximidade do mundo, seu “não-afastamento”, a porção mais essencial da sua missão. Ele vence a tentação do deserto e segue percorrendo incessantemente as cidades, onde pode estar com as pessoas e submetê-las à sua mensagem, que é essencialmente sua própria pessoa.
JESUS É O INSERIDO.
E não há virtualmente ninguém a quem ele recuse a sua proximidade: religiosos e pecadores, fariseus, sacerdotes e prostitutas; romanos, samaritanos, judeus e fenícios; ricos, pobres, fazendeiros, agiotas, lavradores, coletores de impostos; militares, pescadores, revolucionários, leprosos, cegos, aleijados, loucos, possessos, homens e mulheres. Jesus vive entre essa gente, causando tumulto em cada cidade e pressionado de todos os lados por suadas e mutantes multidões. Ele se veste como todo mundo, aceita convites para festas de casamento e freqüenta banquetes (angariando entre seus detratores a fama de glutão e beberrão). Jesus congraça com pervertidos, bêbados, adúlteros, tratantes e prostitutas, e seu primeiro milagre é fornecer bebida para animar uma festa que ameaçava perder o pique.

Para encontrá-lo é preciso apenas estar fazendo o que você faz sempre: é ele que virá inevitavelmente ao seu encontro, quer você seja um cego esperando uma esmola na beira do caminho, um agiota caminhando desiludido para seu posto de coleta, uma mulher andando em direção ao poço para puxar água. Você pode não saber com quem está falando, mas ele já está todinho ali, na sua cidade, no seu círculo, na sua cultura. Nada na aparência dele ou na sua conduta parece ostentar ou garantir a santidade que os religiosos anunciam como uma trombeta. Se esse é sujeito é um profeta e um santo, trata-se do primeiro da espécie que não lhe parece ser essencialmente diferente de você. Ele irá invariavelmente aceitar o seu convite para sair, para jantar, para ir à sua casa, para conhecer uns amigos, para visitar um doente, para beber uma jarra de vinho.

Esse homem, definido por esse estilo de vida, é que os cristãos adotaram oficialmente como professor, profeta, messias, salvador e Filho de Deus. Extra-oficialmente, adotamos o estilo de vida de João Batista.

João é o homem que se afasta do mundo para não deixar-se contaminar por ele. Jesus é o homem inteiramente inserido no mundo, inteiramente mergulhado nas complicações do dia-a-dia e nas preocupações e privilégios do homem comum.

Dos incontáveis paradoxos do cristianismo histórico, esse é mais um: historicamente, os cristãos ignoraram o exemplo de Cristo e tornaram-se seguidores funcionais de João. O caminho de João Batista é o caminho dos monges do deserto, das ordens religiosas, das rádios evangélicas; é o caminho do ascetismo, das regras estabelecidas para “fazermos diferença”; das abstenções, do recuo, do afastamento, da irrelevância, da exclusão e do preconceito.

O caminho de Jesus é o da inclusão, da presença, do abraço irrefletido e incondicional do mundo. É o caminho estreito que poucos trilham, a porta exigente pela qual poucos passam.

Sempre que cedemos à tentação de trocar a confusão transpirante do mundo pelo conforto harmonioso e acolhedor de uma comunidade cristã; sempre que aceitamos o abraço exclusivo de uma subcultura de qualquer estirpe em detrimento da cultura no seu sentido mais amplo; sempre que dividimos nossa experiência entre uma esfera religiosa e uma profana que não chegam a se tocar; sempre que nos recusamos a consentir qualquer associação com música “do mundo”, filmes “do mundo” e pessoas “do mundo”; sempre que negamos nossa presença, nossa companhia e nossa lealdade a gente que em seu estado atual não julgamos merecê-las; sempre que reservamos nossas noites, nossos feriados e nossos fins-de-semana para o convívio com pessoas cuja postura religiosa as torna inerentemente distinta da massa dos mortais – estamos (para citar uma música do mundo) escolhendo errado nosso super-herói.
O QUE MAIS ME DÓI: VOCÊ ESCOLHEU ERRADO SEU SUPER-HERÓI.
Era o caminho inclusivo de Jesus que deveríamos estar seguindo – e num mundo ideal eu não deveria ter de estar explicando isso, especialmente a mim mesmo.

Para seguir os passos de Jesus é preciso viver inteiramente inserido no mundo. Qualquer avanço bem-intencionado na direção de um afastamento, como bem intuiu Simone Weil, implica na condenação tácita, divisiva e necessariamente devastadora dos “de fora”. Para seguir os passos de Jesus é preciso abrir mão do ascetismo de João Batista e correr o risco de ser tachado de bêbado, o risco de ser visto no boteco da esquina com maloqueiros e mulheres de má fama.

Jesus propõe, inconcebivelmente, uma espécie de santidade que não é definida pela exclusão, mas pela generosidade e pela liberalidade da presença. É dele a horrenda idéia original de distribuir abraços gratuitos – gratuitos no sentido de serem dados a quem, essencialmente, não os merece. Essa sua ousadia derruba para sempre a primazia da surrada “santidade da distância” representada por João Batista. Jesus demonstra, em seu modo de vida, que um caminho superior ao de achar-se melhor do que os outros pela exclusão é amar os outros pela inclusão.

Curiosamente, João Batista e Jesus começaram pregando uma mesma mensagem, “o Reino de Deus está próximo” – o Reino de Deus veio para perto de vocês, – mas é apenas com a escandalosa conduta inclusiva de Jesus que essa insólita proposição ganha verdadeiro peso. Quando é informado a respeito da morte de João Batista (decapitado pela espada de Herodes Antipas), Jesus não chora apenas a perda de um amigo, mas a morte de uma alternativa ideológica que Deus jamais voltaria a aprovar. A devoção como afastamento do mundo havia sido substituída pela santidade como presença no mundo. É por essa excelente razão que para Jesus, embora homem mais notável que João Batista este mundo não tenha concebido, “o menor” na nova ordem do reino de Deus “é maior do que João”.

Uma das mais terríveis revelações que Jesus fez aos seus discípulos é que eles deveriam viver neste mundo como ele viveu. “Da mesma forma que meu Pai me enviou eu envio vocês”, ele disse, e estamos apenas começando a entender as implicações dessa sentença. Uma coisa no entanto parece certa: para o seguidor de Jesus, a verdadeira jornada começa quando ele abandona o conforto da aldeia religiosa e põe o pé na floresta escura, conturbada e indiferenciada do mundo. A santidade do senso comum exige que abandonemos a experiência ordinária do homem sem pretensões em favor da singularidade da vida religiosa. O exemplo e as palavras do Filho do Homem nos convidam, assombrosamente, a fazermos o trajeto oposto.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

TERCEIRO PASSO: Desfrute sem possuir


Paulo Brabo - Bacia das Almas

da série EM SEIS PASSOS QUE FARIA JESUS

Os primeiros passos, embora imprevisíveis e portanto virtuosos, são essencialmente cosméticos e relativamente pouco exigentes. Tudo começa a se desequilibrar quando se fala em dinheiro, e Jesus demonstra não ignorar isso. Ele então fala em dinheiro o tempo todo.

Nisso está outro aparente paradoxo seu: o Filho do Homem, que ostentava aos quatro ventos não ter salário nem casa própria, usava descaradamente o dinheiro e as riquezas para desenhar suas imagens e comparações mais fortes. Por um lado, não há como ignorar que sua postura geral é consistentemente crítica à obsessão – não desconhecida na sua época, inescapável na nossa – pelo acúmulo de bens materiais; por outro, fica claro que Jesus não ignora que a riqueza é muitas vezes a metáfora mais adequada, verdadeiramente essencial, para o que ele está querendo dizer.

Jesus, o frugal, o maltrapilho, não hesita em comparar o reino de Deus ao tesouro enterrado em quem alguém tropeçou, ou à pérola valiosa que um colecionador vendeu tudo que tinha para adquirir. Ele alerta que o tesouro de um homem e seu coração ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo, e que vale por isso mais à pena investir num tesouro no céu, onde a riqueza é imune a desvalorização e à apropriação indébita. A recompensa do reino é comparada adenários na parábola de Mateus 20, o perdão a uma dívida quitada em Mateus 18, e as responsabilidades do reino a talentos de ouro em Mateus 25 – isso para não sair do primeiro evangelho.

Provocativamente, como em tudo que fazia, Jesus acaba propondo que a esfera de Deus e seu imponderável domínio podem ser adequadamente comparados àquilo que associamos de forma mais imediata ao valor, ao desejo e à satisfação – não o sexo, não o amor, não o poder, mas o dinheiro (em que estão contidos os anteriores). A vida encontrada em Deus é apenas comparável à moeda que foi recuperada, à rês valiosa que se reencontrou: o tesouro que por um lado vale todo investimento, por outro o requer.

Em suma, usando as imagens de seu oponente, Jesus defende que riqueza material é, estritamente falando, contradição em termos. A única verdadeira riqueza, e inexpugnável, é a do espírito. Ele, no entanto, está longe de propor um ascetismo em qualquer sentido rigoroso; está longe de propor a mortificação dos sentidos que muitos (sem motivo) associaram à sua postura. Ao mesmo tempo em que garante que não vale à pena correr atrás do material, ele convida-nos a desfrutar incessantemente dele: olhai os lírios do campo, qual pai daria ao filho uma pedra em vez de pão, estou resolvido a jantar na sua casa, aceite este sanduíche de peixe, reabasteça meu copo de vinho, fui outro dia a um banquete, mais feliz que o convidado só o anfitrião da festa. Como diagnosticou Wilhelm Reich, Jesus é um homem inteiramente mergulhado no mundo da satisfação dos sentidos, talvez mais do que qualquer outro – sem que isso prejudicasse a sua reputação de homem espiritual.

É um equilíbrio que nos parece paradoxal, mas Jesus no fim das contas está dizendo que o pobre e o frugal estão melhor equipados para desfrutar das boas coisas da vida – não em virtude de qualquer pureza inerente de coração, mas simplesmente porque a limitação da sua condição força-os a valorizar o momento, que é no fundo o que todos tem. “Por mais empenhado que esteja, qual de vocês consegue adicionar meio metro à sua estatura?”

Para o rabi de Nazaré ser rico e ganancioso não é conduta especialmente corrupta ou perversa – está mais para o imbecil. Porque, ele ousa argumentar, correr atrás do material impede-nos precisamente de desfrutá-lo. O mais rastaqüera lírio do campo ostenta guarda-roupa mais exuberante do que o de Salomão; os pássaros banqueteiam-se e empanturram-se com mais gosto do que Herodes. Um pão de queijo no pé da serra desbanca o mais irretocável Boeuf Bourguignon. Uma caminhada ao lado de quem se ama sobrepuja o interior vazio de uma Ferrari. Um pé descalço é mais feliz do que o calça Mr. Cat. E assim por diante.

Seguir esse insano passo de Jesus requer ao mesmo tempo um intransigente desapego às coisas materiais e um deleite imoderado em desfrutar do que o material existe para fornecer. Exige desfrutar sem possuir.

Não quer dizer abrir mão do trabalho ou do dinheiro, visto que Jesus indiscutidamente convivia sem problemas com ambas as coisas. Não quer dizer abrir mão dos prazeres da vida, já que neste mundo o prazer é coisa tão comum que para abrir mão dele seria necessário abrir mão da vida. Trata-se, aparentemente, de ser e permanecer uma presença subversiva numa cultura que glorifica a incessante busca pela aquisição e pela acumulação. Trata-se de demonstrar em atos revolucionários e postura silenciosa que uma bem-direcionada frugalidade supre com folga e, no fim das contas, desqualifica e esgota essa abundância ilusória.
Significa, certamente, abrir mão do que o dinheiro existe para epitomizar: a segurança e o poder. Deve ser por várias razões que corremos atrás de dinheiro, mas correndo atrás dele confessamos carecer desesperadamente da sua credencial. Para os autores do Novo Testamento a ganância é idolatria porque é essencialmente mentirosa – promete segurança e poder quando ambos são derramados sem qualquer critério ou pré-requisito por Deus. O mundo de Jesus é seguro não porque os meus cofres e celeiros estão cheios, mas porque Deus é Pai. A ganância é mentirosa porque promete embalar e entregar, a seu preço, aquilo que Deus dá de graça no pacote básico da vida.

Viver como Jesus é certamente viver à margem do culto da performance. Alguns lírios talvez sejam mais bonitos do que os outros, mas a sua beleza essencial está em serem, não em estarem. Alguns pardais talvez cantem melhor do que os outros, mas nenhum é em última instância mais feliz porque canta melhor – e Deus sabe quando cai cada um, indiscriminadamente. Isto é, nosso valor não está em acumular, em desempenhar ou em possuir, mas em desfrutar, que é ser.

Viver assim não é também cultivar o ócio, mas é certamente não abrir mão da tranqüilidade e do autogoverno.

Não é por certo condenar os ricos ou evitá-los; tampouco é condenar a riqueza ou evitá-la. É por certo duvidar das promessas dos dois.

Para seguir os passos de Jesus é preciso abraçar o assombroso paradoxo de desfrutar sem possuir. O Apóstolo intuiu acertadamente essas coisas, e falou que devem ser “os que choram, como se não chorassem; os que se alegram como se não se alegrassem; os que compram como se nada possuíssem; os que se utilizam do mundo, como se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa”. Para ser como Jesus é preciso não viver para a riqueza e, ao mesmo tempo, não ignorar o seu poder de metáfora. É preciso não dobrar-se a Mamom, mas fazer uso descarado das riquezas a fim de fazer verdadeiros amigos (Lucas 16:9). É preciso usar o dinheiro sem ser usado por ele; extrair gozo do material sem ser desfigurado por ele. É preciso ser generoso como Deus, pobre como Jesus. Dar a César a ninharia que é de César, receber de Deus a abundância que é de Deus.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

SEGUNDO PASSO: Faça o que os outros não esperam


Paulo Brabo - Bacia das Almas

da série EM SEIS PASSOS QUE FARIA JESUS

intolerância contra os religiosos não é a marca mais singular do impenitente seguidor literal de Jesus; talvez não seja sequer a primeira. Esse passo na verdade flui naturalmente dos seguintes, que serão talvez cada vez mais íntimos e essenciais (temos além disso a vantagem de que os líderes religiosos de hoje, embora requeiram incrivelmente mais atenção, luz da ribalta e purpurina, são em geral levados menos a sério do que no tempo de Jesus. Mesmo os que os que se dão ao trabalho de ouvi-los tratam de não levar em conta o que eles exigem).

O segundo passo para quem quer seguir a trilha ainda virgem deixada por Jesus é mais sutil e muitas vezes mais exigente. Ele requer que sejamos, como ele, em tudo inclassificáveis e inesperados: lisos como peixes. Requer que façamos o que os outros não esperam de nós a cada dado momento – um momento atrás do outro, a vida inteira. Que permaneçamos um incômodo mistério para os outros, não pela nossa conformidade a padrões tidos como suficientemente exigentes, mas pela nossa incorfomidade para com esses e para com todos os padrões. Que sejamos, numa palavra, subversivos.

Essa absoluta imprevisibilidade de Jesus era talvez a sua característica mais evidente e desconcertante para os contemporâneos dele. Se algum consenso foi se desenvolvendo entre os que iam conhecendo o descarado rabi da Galiléia era que nada se podia tomar por certo a respeito dele. Não importava quão seguro fosse o seu argumento, quão firme a sua convicção, quão inabalável a sua dedicação: Jesus desarmaria todas as vezes, para o bem ou para o mal, qualquer um que se aproximasse dele oferecendo um elogio ou uma provocação.
Não havia como fazer com que o Filho do Homem fizesse o que se esperava dele. O sujeito era indomável. Quando se esperava que ele curasse o paralítico que conseguíramos descer a muito custo pelo buraco no teto, ele perdoava os pecados do infeliz. Quando se esperava que ele despachasse a prostituta que veio embaraçá-lo num jantar oficial, ele fazia com que apenas ela se sentisse à vontade. Quando se esperava que ele curasse o leproso antes de tocá-lo impunemente, Jesus fazia o contrário. Quando Pedro oferecia num único gesto um elogio e uma boa intenção, Jesus chamava-o de Satanás. Quando vinham dizer que sua família estava aguardando lá fora, Jesus esclarecia que sua família já o estava seguindo aqui dentro. Quando se esperava um mínimo de respeito para com os religiosos, ele garantia que as prostitutas chegavam ao céu antes deles. Quando uma devota erguia seu embevecido louvor da multidão: “Feliz é a mulher que lhe deu a luz, e os seios que lhe amamentaram”, Jesus contradizia na cara dura.
NÃO HAVIA COMO FAZER COM QUE O FILHO DO HOMEM FIZESSE O QUE SE ESPERAVA DELE.
Como um incômodo trickster galileu, um João Grilo dos sertões da Judéia, Jesus era compassivo quando esperava-se o seu furor, implacável quando estávamos certos de sua aprovação, atordoantemente sagaz quando tinha-se por certo que ele cairia na nossa armadilha. O rabi saía distribuindo provocações teológicas e morais, denunciando simplificações, desmascarando sem dó e em público.

Seus antagonistas armaram contra ele todo tipo de armadilhas teológicas, morais e políticas – Jesus se safava de todas e com brilho, com exuberância, com medidas iguais de sarcasmo e bom humor. Ele calava seus inimigos e zombava respeitosamente da efígie de César com uma moeda emprestada na mão; sem parar de escrever com o dedo na areia, salvava numa cajadada só a donzela em perigo e fazia com que seus acusadores admitissem que não estavam eles mesmos livres de pecado; quando duvidaram que houvesse boa teologia em sua afirmação de ser filho de Deus, demonstrou graciosamente pela Escritura que não somos todos outra coisa além de deuses – até o ponto em que, sensatamente, “ninguém ousou mais fazer-lhe qualquer pergunta”.

Gente que nunca tinha ouvido falar de Sócrates puxava conversa com o rabi e não saía com uma convicção ilesa. Ele desconstruía, transtornava, revirava raciocínios, julgamentos e condenações.

Ao velho Nicodemos ele explicou, nada explicando, que para ver o céu era preciso nascer de novo. Dos discípulos que o tinham como grande mestre ele lavou os pés, e ensinou-os que para ser o maioral é preciso ser escravo voluntário e eficaz de todos. Propôs a adultos perplexos e funcionais que para pôr o pé no reino das vantagens de Deus é preciso ser incompetente como uma criança. Disse a gente miserável que infelizes eram os ricos, e prometeu-lhes ainda mais miséria e uma vida proporcionalmente abundante. Em Samaria recusaram-se a conceder-lhe pouso, pela simples razão que ele rumava para Jerusalém; dias depois, à sombra do Templo, ele contava uma parábola em que o samaritano é o indiscutido herói.

Jesus era universalmente conhecido por não fazer e por não dizer o que se esperava dele, e penso que essa imprevisibilidade era de fato a marca mais contundente da sua postura pública. O paradoxo, naturalmente, está em que esta sua característica em particular é a que os cristãos menos tem se preocupado em incorporar ao longo do tempo.

Há cristãos que seguem o Primeiro Passo e demonstram uma saudável intolerância contra os religiosos; um número incrivelmente menor segue Jesus em ser inesperado como ele foi. Não há catecismo ou Escola Dominical que nos ensine a sermos desbocados, independentes, provocadores e desarmantes como Jesus.
Pelo contrário, os que se afirmam e se crêem cristãos nos nossos dias levam a marca quase universal de vaquinhas de presépio: formatados, inofensivos, dóceis e obtusos. Tudo que aparentemente temos a oferecer são respostas prontas, gestos decorados e a mais careta e reacionária das posturas. Somos um bando açucarado de beatos e carolas: uma assembléia de bocós, e não os subversivos que nossa vocação exigiria de nós.

E não é como se Jesus não tivesse deixado claro que esperava a mesma postura indomável e independente dos seus seguidores; pois deixou. Ele convidou os discípulos, em palavras e incessante exemplo, a que fossem “inocentes como pombas e astutos como as serpentes”. Infelizmente, aconteceu de cristãos de todas as épocas acreditarem que as duas coisas são incompatíveis. Alguns de nós, tenho de reconhecer, são inocentes como pombas, embora prefiramos em geral ser obtusos como asnos e mesquinhos como sanguessugas. Astutos como serpentes, estou para ver.

Isso porque a postura de contradição que Jesus aparentemente exibia não era gratuita nem arbitrária. Ele não contradizia por contradizer; não era do contra como um adolescente. Sua implacabilidade tinha um fundamento e um método.

Mas exigia ser astuto como uma serpente, e em determinado momento ele passou a exigir o mesmo dos seus discípulos. Não basta que a sua integridade exceda a dos fariseus, ele foi deixando claro; vocês tem também de ser mais espertos do que eles. Para ser imprevisível é preciso ser esperto; para enxergar a armadilha sendo montada é preciso tarimba; para evitá-la é preciso jogo de cintura; para desarmar o seu adversário pulicamente, sarcasmo e bom humor; para desmascarar o seu adversário diante dele mesmo, uma compassiva mas implacável inteligência verbal.
BASTA AO DISCÍPULO SER COMO O MESTRE.
Pureza de coração e sagacidade de espírito não são coisas que se veja andando juntas todo dia, mas eram o mínimo que esperava o rabi de um seguidor seu. Basta ao discípulo ser como o seu mestre.

Com o tempo, depois da partida de Jesus, os apóstolos foram miraculosamente incorporando essa contundente característica em suas posturas individuais. Foram se imbuíndo, por assim dizer, do espírito de Jesus, e acabaram tornando-se tão subversivos quanto ele. Pedro, João, Paulo, Estevão, Tiago e seus asseclas, de inofensivos ou pelegos que eram, tornaram-se absolutamente incômodos ao sistema. Os que não encontravam como argumentar com eles buscaram logo modos lícitos e ilícitos de silenciá-los. Finalmente Jesus estava sendo homenageado e seguido como convém, e para o mesmo destino.

Se você quer ser como Jesus, tem de ser mais esperto do que a maioria dos ursos. Não basta sair pelo mundo usando óculos cor-de-rosa e desovar um Deus te abençõe no colo de cada um.

É preciso ser implacável. Você tem de ser incômodo para todos os sistemas, inclusive para o seu (porque é evidente que os sistemas, mesmo os nominalmente seculares, são todos religiosos). Tem de abrir mão de respostas prontas e posturas estanques. Não pode mais ver a injustiça e ficar calado. Tem de pressentir a armadilha e desarmá-la. Tem de salvar o oprimido e ainda deixar o opressor numa posição publicamente e pessoalmente desconfortável. Tem de cobrir de aceitação os enjeitados e encher os certinhos de dúvidas. Tem de ser inocente como as pombas e astuto como as serpentes.

Tem de ser um herói.

Se queremos seguir Jesus para onde ele foi, o segundo passo é aprender a não fazer o que os outros esperam, e por uma boa razão.
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