sábado, 3 de outubro de 2009

Senhor Deus dos Desgraçados



Ricardo Gondim

A cidadezinha de Muritiba aparece como um ponto de alfinete nos maiores mapas da Bahia. Pouco acontece por ali, mas num dia qualquer de 1847, nasceu Antônio Frederico de Castro Alves, considerado o maior poeta do romantismo brasileiro. Ele conseguiu com o seu Navio Negreiro colocar em poema a dor de Deus. Castro Alves chorava em versos a sorte de milhões de negros que, arrancados de sua pátria, seguiam feito bichos, para um inferno humano. Não consigo lê-lo sem que alguns de meus músculos se retesem e que minha boca seque.

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...

Retirados os nossos freios morais e de posse de poderes absolutos, podemos nos tornar monstros de perversidade e iniqüidade. A própria religião já produziu horrores. Assim Will Durant descreveu a tortura da Inquisição Católica: “a vítima era imobilizada e depois vertiam-lhe água na garganta até quase sufocá-la; outras vezes amarravam cordas em volta dos braços e das pernas que iam sendo apertadas a ponto de cortarem a carne até o osso. Podia ser flagelado com um ou 200 açoites até “o limite de segurança”. Chegados à praça preparada para a execução, os que tinham confessado eram estrangulados, depois queimados; os recalcitrantes eram queimados vivos. As fogueiras eram alimentadas até não sobrar nada dos mortos além das cinzas, que eram espalhadas por campos e rios. O padres e os espectadores voltavam para seus altares e lares, convencidos de que se tinha feito uma oferenda propiciatória a um Deus insultado pela heresia”.

Há uma cena no filme a Lista de Schindler que causou asco. Um graduado nazista pratica tiro ao alvo em um indefeso judeu que, feito animal selvagem, corre para se salvar. Quantas atrocidades anônimas aconteceram nos últimos cinqüenta anos? Não há como se imaginar o genocídio de Ruanda. Nossas mentes não conseguem recriar cenas em que até religiosos orquestram a morte de mais de oitocentas mil pessoas em meros 45 dias. E o que dizer do extermínio do Khemer Vermelho que transformou o Camboja em um vasto cemitério a céu aberto?

Quando o meu Nordeste padece sem água, o povo olha para o céu limpo, sem qualquer prenúncio de se cumprir a promessa de que chuva cairá sobre justos e injustos. Luis Gonzaga cantou o lamento nordestino em sua monumental Asa Branca: “Quando olhei a terra ardendo, como fogueira de São João, perguntei a Deus do céu: Ai. Por que tamanha judiação?” O flagelo da miséria nordestina é vasto e inclemente. Eu já vi o enterro de anjinhos – meninos e meninas que morrem em conseqüência, muitas vezes, da fome e da injustiça social do Ceará. Sempre me senti anestesiado ao ver como meninos e meninas se acostumam prematuramente com o sofrimento. São as próprias crianças que carregam o defunto infantil numa caixa de sapatos.

Diante de tanto horror queremos evitar a realidade de que vivemos em um mundo violento, bárbaro, sanguinário e inclemente. Aliás, nem os vocábulos e nem as artes conseguem expressar o tamanho da nossa perversidade. Assim como a Guernica de Picasso não consegue retratar a maldição de uma guerra, nem Roots mostrou o quanto sofreu Kunta Kinte, o filme A Paixão de Cristo do Mel Gibson não exauriu o tamanho do sofrimento de Jesus.

Mas todos precisamos assisti-lo. Pelo bem da humanidade, A Paixão precisa ser levada a sério. Não vejo no filme a violência pela violência e acredito que o trabalho de Gibson não pode ser jogado na vala comum dos vulgares.

Jesus não apenas padece por nós, mas como nós. Em seu sofrimento está o sofrimento humano. Gibson retrata a dor particular de Maria que como muitas mães negras viram seus filhos apanhando no chicote dos fazendeiros ricos. Sobreposta às suas lágrimas está o riso de soldados que, donos de todo o poder político, surram seu filho até se cansarem. A macro política que gera o desdém do Procurador romano para com a ralé colonizada, vale mais que a sensibilidade de uma esposa que tenta chamar seu marido a um mínimo de bom senso.

Por que as pessoas não gostam de assistir as trinta e nove chicotadas do flagelo romano? Porque não querem reconhecer a tragédia humana e nem imaginar um Deus frágil e impotente. Não admitimos que em última análise somos os responsáveis por nos tornarmos predadores de nós mesmos. Ver o Filho do Homem impotente não condiz com nossas expectativas religiosas. Desejamos um Deus que prefira valer-se de seu poder para corrigir as injustiças, que se insurja contra os poderosos e que controle a sanha dos ímpios. É mais confortável esperarmos que ele se levante e vingue nossa maldade, nos isentando do mandato humano de promovermos o bem.

Ver o filme de Gibson foi uma experiência marcante para mim. Primeiro, porque me lembrou que minha salvação não foi barata. Confrontado pelo preço que o Cordeiro de Deus pagou, não quero esse “evangelho gasoso” proclamado nos “shows gospel” da pós-modernidade. Sentado confortavelmente na poltrona do cinema, recordei-me de suas palavras em Lucas 9:23-24: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa, este a salvará”.

Mas lembrou-me também do sofrimento dos pobres nordestinos, dos exilados e aidéticos africanos e de tantas mães que choram seus filhos em sepulturas rasas. Quando entraram os letreiros finais do filme, levantei-me cabisbaixo e em silêncio. Perguntava-me a mim mesmo: “Até que ponto estou disposto a sofrer pela causa de Jesus Cristo?” Paulo convidou Timóteo a suportar as aflições como bom soldado da cruz, pois queria lembrar seu discípulo que para seguir o Caminho, ele necessitaria se dispor a encarnar a missão de Jesus. A pergunta ressoa teimosamente: Quantos querem partilhar a sorte dos que gritam desesperados nesse imenso mar de lágrimas que se transformou o viver humano?

Frigorífico deve ser envolvido em denúncia de tentativa de genocídio

Enquanto no Aquário, 25 bilhões de Reais sobram, para ser aplicado em coisas prioritárias como as Olimpíadas, ou 2,8 bilhões de Reais para a Copa do Mundo de 2014:

Um ataque a um acampamento de índios na região de Curral do Arame, em Dourados (MS), na madrugada do dia 18 de setembro, deve ser considerado pelo Ministério Público Federal (MPF) como tentativa de genocídio. Durante a ação, os pertences e o barraco dos acampados foram incendiados e o indígena Eugênio Gonçalves, de 62 anos, baleado.

A história abaixo foi relatada por Verena Glass, aqui da Repórter Brasil.

20090929indi_p9180379De acordo a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal, o ataque ocorreu por volta da uma hora do dia 18, quando o grupo de índios dormia em um acampamento construído no dia anterior no km 10 da rodovia BR-463, ao lado da Fazenda Serrana, arrendada, de acordo com os índios, para o plantio de cana pela usina São Fernando.

O MPF, que foi ao local logo após o ataque, foi informado que cerca de oito pessoas, algumas armadas, teriam participado da ação. “A movimentação do grupo [de indígenas no dia 17] deve ter atraído a atenção do proprietário da fazenda [Serrana] ou de quem a arrenda para fins de plantio de cana. Os índios narram que já era madrugada, cerca de uma hora da manhã, quando começaram os tiros. No momento da investida, “foi uma correria”. Mães agarravam seus filhos pequenos e tentavam fugir. Duas pessoas saíram feridas (…). O barraco construído por eles foi completamente queimado e as paliçadas erguidas para a construção de mais habitações arrancadas e/ou queimadas”, afirma o relatório do MPF.

Nos relatórios da Funai e do MPF, funcionários da usina São Fernando e da empresa de segurança Gaspen são apontados como responsáveis pelo ataque. No documento da Funai, consta depoimento que afirma que “eles chegaram de repente com lanterna na mão, não falaram nada, foram rasgando as lonas com facão e colocaram fogo no barraco. Quem atirou foi o Paulinho, funcionário da usina São Fernando, e o Gerente, [que] chama Roberto (…)”. Ao MPF, os indígenas também apontaram os seguranças da Gaspen como principais responsáveis. “A comunidade estima que, ao todo, naquela noite, compareceram ao local umas 20 pessoas. Frisaram que, na fazenda Serrana, enquanto ocorria a desocupação, um carro da firma dava cobertura”. Para o analista pericial do Ministério Público, um funcionário da Gaspen explicou que a empresa havia sido contratada para guardar materiais da usina.

De acordo com o procurador do MPF em Campo Grande, Marco Antonio Delfino, o caso deve ser tratado como tentativa de genocídio – “um grupo armado teve intenção explicita de atacar outro grupo por suas características étnicas, porque são indígenas”. As investigações sobre o ataque devem ser apressadas e os resultados apresentados em menos de um mês. “Em relação à empresa de segurança Gaspen, vamos atuar na área cível, criminal e administrativa – responsabilização criminal pelo ataque, indenização por este fato e outros semelhantes relacionados à participação da empresa. Do ponto de vista administrativo, será pedida a cassação do registro da empresa em face das irregularidades”. Já a usina São Fernando, arrendatária da fazenda Serrana e que teve participação de funcionários no ataque de acordo com o documento da Funai, deve ser co-responsabilizada.

No processo, afirma Delfino, a Gaspen poderá ser denunciada também por outras ações, como a participação no despejo de indígenas kaiowá da Fazenda Campo Belo, na região de Porto Cambira, em 2004, a morte do índio Dorvalino Rocha, 39, em Antonio João, na fronteira com o Paraguai, em 2005, e a morte da índia Xurete Lopes, 70, durante desocupação forçada da fazenda Madama, no município de Amambai, em 2007.

Instalada em Dourados em 2009, a usina São Fernando é um empreendimento dos grupos Agropecuária JB (Grupo Bumlai), especializado em melhoramento genético de gado de corte, e Bertin, um dos maiores frigoríficos produtores e exportadores de produtos de origem animal da América Latina.

Dono da Agropecuária JB, José Carlos Bumlai foi apresentado em 2002 ao então candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva, que gravou ali os programas sobre agronegócio que foram usados na campanha, segundo matéria da revista Dinheiro Rural reproduzida no site da Agropecuária JB. De acordo com a matéria, nos vídeos de campanha Lula teria assumido “um compromisso em defesa da propriedade e da produção, afugentando o fantasma de uma reforma agrária radical, que sempre pesou sobre os ombros do PT”.

O Grupo Bertin, que está em processo de união com o frigorífico JBS Friboi, maior empresa do setor no mundo, tem 27,5% de suas ações controladas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2008, a São Fernando, primeiro empreendimento do Bertin na produção de etanol, foi beneficiada com um empréstimo de R$ 338 milhões do BNDES.

Em junho deste ano, a usina aderiu ao Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na cana-de-açúcar, acordo firmado entre o Governo Federal e os setores produtivo e sindical com vistas a melhorar a aceitação do etanol brasileiro como combustível “limpo” no mercado internacional.

Procurado para comentar o ataque ao acampamento indígena em Dourados, o Bertin, através de sua assessoria de imprensa, afirmou que “os seguranças da usina [São Fernando] não andam armados e não se envolveram em nenhum conflito. Não temos nenhuma notícia em relação ao fato e estamos apurando a informação. A usina São Fernando não é proprietária de nenhuma terra na região”.

Já o diretor-superintendente da usina São Fernando, Paulo César Escobar, confirmou que “existe um contrato de parceria agrícola entre a usina e a Fazenda Serrana, ou seja, a usina planta cana na área de fazenda e divide os frutos com o proprietário”. Segundo Escobar, este teria informado que “o conflito não ocorreu na área de plantio de cana (onde ocorre a parceria com a usina São Fernando), mas em outra parte da fazenda”. Mas esta afirmação contraria o parecer da Funai e a de que “seus seguranças não se envolveram em conflito algum”. Escobar também negou qualquer relação com a empresa de segurança Gaspen, que teria sido contratada pelo proprietário da Serrana.

Histórico de conflitos
Há seis anos, o grupo guarani-kaiowá do Curral de Arame está acampado às margens da BR-463, há aproximadamente sete km da cidade de Dourados. Segundo a Funai, por duas vezes o grupo tentou voltar aos territórios originários, hoje nas mãos de grandes fazendeiros. Em junho de 2008, houve uma ocupação de um pequeno pedaço da Fazenda Serrana, próximo à mata da reserva legal da área, onde os indígenas fizeram pequenas roças.

De acordo com o MPF, naquela ocupação a estratégia da fazenda foi “sitiar os índios através dos serviços da empresa de segurança Gaspen, que impedia que a Funasa e a Funai promovessem atendimento e assistência médica. Naquele tempo, os índios só puderam ser visitados pelos órgãos indigenistas graças à intervenção da Polícia Federal”.

Com a reintegração de posse da área, os índios foram obrigados a ocupar a outra margem da BR-463, por causa de obras de duplicação da rodovia. Cerca de vinte pessoas formaram o acampamento, onde construíram seis barracos e passaram a viver na dependência total das cestas básicas distribuídas pela Funai.

Fonte: Blog do Sakamoto


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A compaixão e a felicidade humana

Jung Mo Sung

Na nossa vida sempre encontramos ou cruzamos com pessoas que estão sofrendo por algum motivo. Nestes momentos todos nós somos, de um modo ou outro, tocados pelo sofrimento alheio. Isto se chama compaixão.

Para entendermos isto melhor, quero narrar uma conversa que eu tive com uma pessoa alguns anos atrás. Estávamos saindo de um banco, bem no centro velho de São Paulo, quando vimos na rua pessoas pobres pedindo esmola. Ela me disse: "eu não gosto de vir aqui para centro por causa destas cenas que me deprimem. O centro está carregado de energias negativas e toda vez que eu venho aqui saio carregado desta negatividade e mesmo quando volto para minha casa eu sinto um certo peso, um certo mal estar".

Eu não quero discutir aqui se a expressão "energias negativas" é a melhor para expressar o ambiente como aquele, mas o que eu posso dizer com certeza é que esta pessoa foi tocada pelo sofrimento daquelas pessoas pobres, algumas com crianças pequenas. O fato de ela sentir esta "energia negativa" até mesmo quando estava no conforto e segurança da sua casa (que devia ser muito boa) mostra que ela costumava ser tocada com certa profundidade e não sabia bem como lidar com isto. Mesmo as pessoas mais insensíveis são tocadas pelos sofrimentos de outras pessoas. Uma comprovação disso é que elas reagem de alguma forma a este tipo de contato, mesmo que seja apenas para virar a cabeça. Este virar a cabeça para não ver o rosto de uma pessoa que sofre mostra que foi tocada. Ninguém é completamente insensível ao sofrimento de outras pessoas.

Hoje diversos experimentos científicos estão mostrando que esta é uma característica da espécie humana. Nós somos de uma espécie que é capaz de se colocar no lugar do outro para compreender a intenção da outra pessoa e compreender o que quer dizer ou comunicar; assim como também somos capazes de nos colocar no lugar da pessoa que está nos sorrindo para entendermos - algumas vezes de forma meio equivocada - o sentido daquele sorriso para nós. Isto funciona também diante de uma pessoa que sofre. Eu me coloco no lugar desta pessoa para poder compreender o sentimento de dor que se expressa no rosto dela ou em algum outro gesto. Ao me colocar no lugar do outro, para compreendê-lo, eu sinto o sofrimento com a pessoa que sofre.

A diferença entre as pessoas se dá na reação a esta experiência de compaixão. A dor e o sofrimento da outra pessoa me lembra os meus medos, inseguranças e sofrimentos que eu não quero me lembrar. Com isso, eu posso me fechar para a dor do outro para reprimir a minha dor e esquecer dos meus medos e inseguranças; ou então me permitir sentir a compaixão e assim tomar contato com as minhas dores, os meus sofrimentos e medos. É preciso muita força espiritual e também coragem para enfrentar as minhas dores mais fundas. Permanecer na compaixão não revela fraqueza ou de "pieguice" de uma pessoa, pelo contrário, é sinal da sua força emocional e espiritual.

Reprimir o sentimento inevitável da compaixão é reprimir uma parte do "eu" que está nas profundezas do meu ser. Em outras palavras, quem nega o sentimento de compaixão não pode se conhecer e, por isso, nem consegue encontrar uma "solução" para os seus problemas que foram escondidos, empurrados e trancados no mais fundo de si. Quem não é capaz de permanecer no sentimento de compaixão, não consegue viver uma vida feliz porque tenta negar a sua própria "natureza humana".

É por isso que pessoas como Dalai Lama dizem que a felicidade depende da compaixão, e que para desenvolver o sentimento de compaixão precisamos cultivar qualidades como "amor, paciência, tolerância, capacidade de perdoar, humildade e outras" e também "o hábito de uma disciplina interior".

Quando sentimos a compaixão, desejamos que os sofrimentos das outras pessoas cessem, não só porque as amamos ou acreditamos que elas têm direito a uma vida mais digna e humana, mas também para que os nossos sofrimentos resultantes da compaixão sejam aliviados. Neste processo sentimo-nos compelidos a fazer algo para mudar a situação, assim como também incluímos no nosso horizonte de futuro desejado a superação das situações que causam estes sofrimentos. Abertura ao sofrimento alheio que nos permite tomar contato com os nossos sofrimentos e medos, a esperança de um futuro onde estes problemas foram solucionados e ações concretas que nos dão convicção firme de que estamos, dentro das possibilidades, fazendo a coisa certa para caminharmos em direção a este futuro desejado são elementos fundamentais de uma vida feliz.

Compaixão e amor encarnado em ações concretas - que buscam superar situações de opressão, dominação, marginalização, exploração ou exclusão que geram sofrimentos de tanta gente - são elementos fundamentais tanto para uma vida pessoal quanto para uma sociedade mais humana. Não se pode ser feliz sendo insensível a tanto sofrimento e dor.

É claro que não devemos cair na tentação e pressão de sermos perfeitamente compassivos e capazes de ações perfeitas e plenas para "salvar" o mundo. Só na medida em que aceitamos a nossa dificuldade é que poderemos viver e fazer o que podemos de fato.

Compaixão, responsabilidade e solidariedade são valores fundamentais para salvarmos o mundo e as nossas vidas do cinismo, da indiferença e da desumanização.

Mesmo que a nossa vida e o mundo não se transformem na intensidade e na velocidade dos nossos desejos, sabemos que nossas ações transformam ou modificam para melhor, não somente a vida de outras pessoas, mas também a nós mesmos.

Elie Wiesel nos oferece uma pérola do pensamento talmúdico sobre isto: "A caridade salva da morte. [...] O que é a caridade? Os vivos devem se preocupar com a tristeza ou doença do próximo. Quem não se preocupa não é realmente sensível; quem não é sensível não está realmente vivo. E este é o significado do apelo do shammash: a caridade nos livra de morrer em vida".

[Autor de, entre outros, "Um caminho espiritual para felicidade"].

Fazendo história

O futuro não está pronto. Deus tem propósitos, mas não tem planos. A história caminha rumo ao fim bom de toda a criação – reino de Deus, mas segue sua sina construída a quatro mãos: divinas e humanas. Há quatro variáveis dentro das quais a história se desenrola. Quatro variáveis que servem de moldura para que cada ser humano escreva sua própria história enquanto coopera na escrita da história de Deus.

A circunstâncias são a primeira variável. Todos somos postos dentro de contextos a respeito dos quais não tivemos qualquer influência. A começar do dia, hora e local do nosso nascimento. Na verdade, a começar do próprio nascimento: ninguém pediu pra nascer. A vida se desenrola e nos coloca diante de horizontes independem de nossa vontade e desejos: sua família de origem, a escola de sua infância, a cidade onde seus pais se fixaram, a condição econômica e financeira de sua casa, os primeiros amigos, o número de irmãos, e uma série de outros detalhes que simplesmente fazem parte de sua vida antes mesmo de você ter consciência de sua existência.

As oportunidades são a segunda variável. Cada circunstância contém em si mesma um horizonte imenso de oportunidades. O que para uma pessoa é uma situação indesejada, para outra pode ser uma ocasião privilegiada. Depende muito de como cada um encara a realidade.

Nas circunstâncias surgem as oportunidades e as oportunidades exigem decisões, a terceira variável. Somos escravos de nossa liberdade. Decidir é inevitável. Mesmo quem não decide nada tomou uma decisão: a decisão de não decidir. Imagine que a circunstância é uma sala. Nesta sala existem muitas portas, cada uma delas é uma oportunidade. Todo ser humano tem o sagrado privilégio de escolher uma porta para chegar a outro horizonte de oportunidades. É verdade que de vez em quando alguém ou algo nos empurra porta adentro sem que a tenhamos escolhido), mas ainda assim, estaremos diante de muitas outras portas, e assim sucessivamente, de sala em sala, até a última porta.

Dentro de cada circunstância, um monte de oportunidades, que por sua vez exigem decisões. Por sobre tudo isso está Deus – perdoe-me adjetivá-lo de “variável”, a quarta variável. O que Deus faz ou deixa de fazer está na categoria do mistério, foge às nossas possibilidades e mesmo quando o discernimos, geralmente é depois que a coisa já está feita. Por esta razão, devemos cuidar do que está em nossas mãos: encarar as circunstância, discernir oportunidades e tomar decisões. Crendo sempre que Deus está sobre tudo e todos, cuidando de nós e agindo em nós, através de nós e apesar de nós para que nossa história pessoal seja alinhada à sua história eterna. Como ele faz isso eu não faço a menor idéia. Não sei o que, quando e como Deus agiu ou age em minha história. Mas isso não está em minhas mãos. Tudo quanto posso fazer é abrir a porta de minha vida para que Deus entre e assuma o controle.

Confiando que Deus está comigo, sigo meu caminho, sendo grato por tudo e sempre, atento para discernir os dias, perceber os sinais, enxergar as oportunidades, e fazendo o máximo para tomar as melhores decisões possíveis, buscando acima de tudo o que interessa ao reino de Deus e sua justiça. No mais, literalmente, seja o que Deus quiser.

Ed René Kivitz

A crise do cristianismo e a crise do mundo

Jung MO SUNG

Júlio de Santa Ana –um teólogo uruguaio que trabalhou por mais de dez anos no Brasil e atualmente ensina em Genebra, Suiça– esteve em São Paulo para assessorar um curso de militantes cristãos latino-americanos. Aproveitando a oportunidade, a Editora Vozes, CESEP (promotora do curso de militantes cristãos) e o Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC de São Paulo organizaram uma noite de conferência. Apesar de pouca divulgação, mais de cem pessoas –maioria cristãos comprometidos com lutas sociais– se reuniram para ouví-lo falar sobre A crise do cristianismo na passagem do milênio.[1]

Sob o impacto desta conferência, o editor da revista Cultura Vozes me pediu com insistência que escrevesse um artigo sobre o mesmo tema. Após estourar vários prazos, estou finalmente atrevendo-me a colocar algumas idéias por escrito.

Na conferência, Júlio de Santa Ana apresentou alguns aspectos da crise do cristianismo: cristianismo é hoje uma religião estatisticamente estagnada; sua presença na crise histórica atual está muito aquém de sua magnitude numérica; e ela não está conseguindo contribuir para a formulação de estratégias de alternativas à sociedade de mercado.

É em torno destas questões que eu quero fazer algumas considerações.



1.

Para muitos setores do cristianismo uma das principais preocupações é o crescimento ou a diminuição do número de fiéis das suas igrejas. Na América Latina muito tem se falado sobre o crescimento das igrejas pentecostais e neo-pentecostais e dos movimentos carismáticos no interior da Igreja Católica. Contudo, não devemos nos esquecer que uma boa parte do crescimento destas igrejas e movimentos se faz às custas de outras igrejas e movimentos no interior do cristianismo. A euforia de certas igrejas ou líderes religiosos com o crescimento numérico se refere ao crescimento das suas igrejas, denominações ou correntes no interior de uma grande igreja, como a Católica, mas não ao crescimento do cristianismo como um todo. O cristianismo não tem crescido significativamente nos últimos anos. Entre as grandes religiões, é o islamismo que tem crescido mais.

Esta preocupação excessiva pelo aumento ou a diminuição dos fiéis– que aparece tanto entre bispos da católicos, quanto entre bispos e pastores evangélicos ou neo-pentecostais – mostra, em muitos casos, que o sucesso quantitativo das suas igrejas se tornou o objetivo principal. Em termos teológicos, podemos dizer que a igreja foi identificada com o Reino de Deus; isto é, o crescimento numérico da sua igreja é vista como a realização da missão de anunciar o Reino de Deus.

No Brasil, hoje, não podemos falar deste tema sem referirmos ao fenômeno Padre Marcelo.[2] Não só pela sua presença na mídia, mas pelo peso social que tem a Igreja Católica na América Latina. E aqui eu quero me valer das reflexões de José Comblin. Num texto sagaz e provocante, ele diz que o fenômeno padre Marcelo mostra que algo novo está surgindo: uma nova religião popular católica urbana. “A mensagem de padre Marcelo Rossi responde diretamente às aspirações e à cultura do ser urbano.”[3] No mundo rural, os seres humanos faziam a experiência de Deus na natureza, isto é de modo objetivo, enquanto que na cidade a natureza se transformou em bem de consumo, graças ao turismo e às saídas de final de semana. Mesmo que as agências de turismo utilizem-se cada vez mais de imagens e linguagens religiosas, especialmente o paraíso, para vender os seus produtos, (este tema foi até objeto de dissertação de mestrado em Ciências da Religião na PUC de São Paulo) o turista não encontra a Deus na natureza: encontra-se a si próprio.

Com a dessacralização da natureza e a desvalorização das procissões, a pessoa urbana passou a fazer a experiência de Deus no seu coração, nos seus sentimentos, nas suas emoções religiosas, e no show. “A própria missa integra-se no show e as pessoas vêm pelo show, assistem a missa como suplemento sem saber exatamente o que é, porque o show oferece um sentido completo.”[4] O show é a procissão de ontem. E os shows não questionam em nada, nenhuma mudança real na Igreja, nem na sociedade. Os conservadores não precisam ficar preocupados.

“E o evangelho em tudo isso? E a evangelização? O evangelho é outra coisa. Porém, parece que já não é mais a prioridade. A prioridade é (....) a renovação do sentimento religioso, a redescoberta do prestígio sobrenatural do padre e do prestígio social da Igreja.”[5]



2.

Por que desta diferenciação entre o evangelho e a renovação do sentimento religioso? Muitos poderiam perguntar: não é a tarefa das igrejas e das religiões em geral alimentar e fazer crescer este sentimento religioso que existe nas pessoas? Sim e não.

Sim, porque o evangelho não nega o sentimento religioso ou a religiosidade “natural” que existe nas pessoas e nas sociedades; mas também não, porque não se reduz a eles. Aliás, nenhum religião concreta se identifica completamente com este sentimento religioso vago; sempre existem as diferenças específicas ou características particulares. É por isso que existem diferenças entre as religiões e igrejas.

Mais do que isso, em muitos aspectos o evangelho entra em conflito ou contradição com essa religiosidade “natural” das pessoas. Esta contradição pode ser detectada mesmo no interior das igrejas cristãs porque cristianismo é uma religião que assume um conjunto de livros, a Bíblia, como portadora da Palavra ou revelação de Deus. Por isso, é mais difícil de ser manipulada pelos seus líderes, ou melhor dito, é uma religião em que é possível criticar a liderança ou o rumo assumido pelas igrejas em nome dos ensinamentos contidas no Livro. Razão pela qual se desenvolveu nos dois últimos séculos um número imenso de estudos científicos e eruditos sobre textos bíblicos.

O desejo “natural” da maioria das lideranças religiosas e das massas que as procuram é ver a sua igreja ou religião crescer e fortalecer; até como uma comprovação das bençãos divinas. Este objetivo pode levar, muitas vezes, a adaptar a mensagem religiosa à demanda do “mercado religioso”. Isto é, anunciar não exatamente a mensagem “revelada”, “inspirada” ou até mesmo “descoberta” na experiência mística, mas sim o que a maioria das pessoas querem ouvir, as mensagens que não entram em conflito ou contradição com os valores fundamentais da cultura vigente.

Há casos extremos de manipulação da Bíblia que são facilmente identificáveis. Por exemplo, certos teólogos da prosperidade – corrente teológica que ensina que a riqueza é a benção de Deus e a pobreza a maldição contra os pecadores – dizem que o jumento que Jesus usou ao entrar em Jerusalém equivalia a um carro de luxo, como Cadilac, nos dias de hoje. Razão pela qual os cristãos, como herdeiros de Cristo, teriam direito de exigir de Deus carros de luxo. O que revela uma total ignorância da história e da sociedade em que Jesus viveu, ou má fé. Infelizmente, essas manipulações não se esgotam em casos tão escancarados como esse.

Em todo caso, esse é um exemplo da dificuldade de se falar sobre a crise do cristianismo. Se tomarmos a crise no sentido quantitativo, a solução viria com aplicação de técnicas de marketing ao campo religioso Isto é, primeiro fazer uma pesquisa de mercado para detectar o que as pessoas querem ouvir, depois produzir e oferecer discursos e rituais religiosos que satisfaçam estas demandas utilizando-se de modernas técnicas de comunicação e convencimento. Aliás como já tem feito muitas igrejas e com um certo “atraso”estão tentando alguns setores da Igreja Católica.

Ao se fazer isso de um modo eficaz e competente, o resultado é a sacralização dos valores e o modo de vida da sociedade vigente. Uma forma de falsidade ideológica, pois coloca-se a “assinatura” ou “carimbo” de Deus naquilo que na verdade é um mero desejo humano que reproduz os valores dominantes na sociedade. A tradição judaico-cristã diria que é um pecado contra o segundo mandamento de Deus: usar o santo nome de Deus em vão. (No momento em que o Brasil enfrenta-se com a corrupção e outros desmandos que espalhou-se pelo poder judiciário, legislativo e executivo, esta analogia cai até bem.)

O problema consiste no fato de que esta solução da crise numérica semeia uma outra crise: a da identidade espiritual. No mundo moderno, onde os indivíduos não são mais obrigadas a viverem dentro da e conforme as regras da religião hegemônica na sociedade, as pessoas com “sede espiritual” procuram uma religião pela sua mensagem original que vai além da mera reprodução ou imitação dos valores sociais vigentes. O vigor espiritual de uma religião está justamente em não ser uma mera reprodução dos valores culturais vigentes, isto é, em ser uma certa forma de protesto o mundo e as religiões que o sacralizam.

Juan Luis Segundo, um teólogo católico, padre jesuíta, assumindo um conceito de Paul Tillich, teólogo protestante, escreveu que o “princípio protestante”, o protesto divino e humano contra toda absolutização histórica, “é uma dimensão essencial do cristianismo, embora, de outro lado, totalmente oposta a esta tentativa pastoral de elevar ao universal a tarefa de procurar adeptos. Efetivamente, se o princípio protestante é um princípio essencial ao cristianismo, os capazes de protestar não constituem precisamente a universalidade da massa.”[6]

Daí a contradição entre o desejo de aumentar o número de fiéis para engrandecer a sua igreja e a fidelidade ao anúncio do evangelho, a boa-nova que anuncia o Reino de Deus como justiça e dignidade para todos e todas. Esta contradição de certo modo inevitável é, provavelmente, um dos nós centrais do drama que é a história do cristianismo. Até mesmo entre os defensores das comunidades de base havia muitos que acreditavam que toda a Igreja, católica ou protestante, poderia e deveria se tornar a Igreja dos Pobres. Acreditavam que o “princípio protestante” poderia se tornar algo da maioria, e não simplesmente de uma minoria profética, ou abrâmica, como dizia o saudoso Dom Hélder Câmara.



3.

Essa contradição entre os dois desejos irreconciliáveis, a de ver crescer a sua igreja e assim ser reconhecida pelos poderosos do mundo e temido pelos fracos, e a de querer permanecer fiel à missão de anunciar a boa-nova aos pobres e suportar o preço desta fidelidade (calúnias, incompreensões, perseguições ..., vindas do “campo secular” e do “campo religioso”) é “solucionada” com a opção por um dos desejos. E é esta opção fundamental que vai dividir o cristianismo. A divisão fundamental no cristianismo não se dá entre a Igreja Católica e as Igrejas Protestantes, nem entre as diversas denominações, como a Católica Romana, a Ortodoxa, Luterana, Presbiteriana, etc.. Esta pode ser a divisão que interessa aos historiadores ou sociólogos, mas em termos da própria identidade do cristianismo, ou do evangelho, a divisão fundamental é entre esses dois desejos.

Os que buscam fundamentalmente aumentar o número dos fiéis, o poder e prestígio das suas igrejas não costumam trabalhar juntos, pois uns competem com outros, mas compartilham a mesma lógica, o mesmo desejo e a mesma idéia de missão. E neste compartilhar se encontram, estão juntos.

Por outro lado, cristãos das mais diversas denominações na América Latina se reúnem, dialogam e trabalham juntos quando se põem de acordo no desejo de se permanecer fiel à missão de anunciar a boa-nova aos pobres, quando põem-se de acordo que não se pode separar a evangelização da defesa da vida e da dignidade dos pobres e dos oprimidos. Eu próprio tive a felicidade de, sendo da tradição católica, ter estudado teologia com professores protestantes em uma instituição católica; e de hoje lecionar também em uma Faculdade de Teologia da Igreja Metodista. Mesmo entre as igrejas pentecostais podemos encontrar teólogos que articulam explicitamente a fé cristã com as questões econômicas e sociais na defesa da vida dos pobres. Um fato que não é muito divulgado no Brasil. Como exemplo, podemos citar Juan Sepúlveda, do Chile, Bernardo Campos, do Perú, e Gamaliel Morales, da Venezuela. É claro que este encontro não se dá somente no âmbito da teologia ou dos teólogos, mas também na prática pastoral ou de movimentos populares e sociais.

Este segundo grupo, é importante deixar claro, é minoritário dentro do cristianismo latino-americano. Cada vez mais minoritário no âmbito católico. Mas, se o cristianismo ainda pode superar o segundo tipo de crise apontado por Júlio de Santa Ana, – a da presença aquém das possibilidades na crise histórica atual e da não, ou pouca, contribuição na formulação de estratégias alternativas à sociedade de mercado globalizado –, será através ou com uma contribuição fundamental deste grupo.



4.

Será que o cristianismo conseguirá superar esta crise e voltar a ter uma relevância histórica na luta por uma sociedade mais justa e humana? Será que toda efervescência do cristianismo de libertação dos anos 70 e 80 na América Latina não terá sido uma exceção histórica? É difícil prever o futuro e dar uma resposta segura. Como não há uma essência do cristianismo ou da religião como tal que determina o seu desenrolar histórico, nem um plano de Deus que move a história, as respostas a estas perguntas serão dadas ou construídas no próprio processo histórico, isto é, dependerão em parte do que nós formos capazes de fazer.

Entretanto, é interessante notar que cada vez mais os analistas sociais estão tomando o fator religioso como um dos componentes fundamentais da reorganização social exigida pelo processo de globalização econômica e da revolução tecnológica, ou, como diz Castells, pela formação da sociedade em rede. Samuel Huntington, por exemplo, diz que “a religião é uma característica central definidora das civilizações” e que a “separação westfaliana da religião e da política internacional, produto indiossincrático da civilização ocidental, está chegando ao fim, e a religião, como sugere Edward Mortimer, ‘tem probabilidade cada vez maior de ser imiscuir nos assuntos internacionais’. O choque intracivilizacional de idéias políticas está sendo substituído por um choque intracivilizacional de cultura e religião.”[7]

Manuel Castells, por sua vez, diz que “nosso mundo, e nossa vida, vêm sendo moldados pelas tendências conflitantes da globalização e da identidade. A revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede,” e que “para os atores sociais excluídos ou que tenham oferecido resistência à individualização da identidade relacionada à vida nas redes globais de riqueza e poder, as comunas culturais de cunho religioso, nacional ou territorial parecem ser a principal alternativa para a construção de significados em nossa sociedade.”[8]

A contribuição do cristianismo na superação não só da crise do próprio cristianismo, mas da crise social (o aumento da pobreza absoluta e a exclusão social de uma grande parte da população mundial), da crise ecológica (o efeito estufa, a degradação do meio ambiente, a ameaça da falta de água potável, etc.) e da crise espiritual (a insensibilidade da sociedade frente a dois problemas anteriores) que afetam o mundo não pode ser pensada fora da sua relação com outras religiões. Em primeiro lugar porque estas crises devem ser entendidas tendo como referência o globo terrestre e o cristianismo tem relação estreita só com a civilização ocidental. Em segundo lugar, porque os conflitos de fundo religioso, além de piorara ainda mais a situação dos mais fracos, são um dos fatores importantes que impedem diálogos e a busca comum por soluções a problemas que afligem a toda ou a uma parcela significativa da humanidade. Crises sociais e políticas causadas pela atual forma de globalização e crises ecológicas não poderão ser resolvidas em âmbitos nacionais ou regionais.

Nesta busca de possíveis contribuições do cristianismo, temos dois desafios: a determinação dos problemas fundamentais que possam ser catalisadores de diálogos e cooperações entre as religiões e também outros grupos não religiosos; e a formulação da contribuição específica do cristianismo no diálogo em busca, que pelo seu próprio conteúdo permita realmente um diálogo, e não uma imposição de uma “verdade dogmática” sobre outros grupos, ao mesmo tempo em que não se perca num relativismo que apague a identidade da tradição cristã. Sem dúvida, o primeiro desafio é mais fácil do que o segundo.

Mesmo que não analisemos aqui se o cristianismo ou outras religiões têm hoje a capacidade de contribuir na solução destas graves crises, devemos reconhecer que as grandes tradições religiosas têm, pelo menos, a obrigação de tentar. Por outro lado, pessoas e grupos interessados na superação desta grande crise, que tem sem dúvida aspectos espirituais e éticos, mesmo que não compartilhem de nenhuma crença religiosa, têm muito a ganhar estando abertos às contribuições que podem vir das teologias e das experiências religiosas.

A este respeito, tratando dos grandes desafios do nosso tempo, Ervin Laszlo, um dos principais expoentes da filosofia dos sistemas e da teoria geral da evolução, escreveu: “A ciência não postula questões do sentido último nem as da verdade, para não falar da vontade e os propósitos divinos. A arte entra ocasionalmente em temas de significação transcendental, mas os trata de um modo estético e intuitivo, e não se maneira sistemática e explícita. Em todo caso, os seres humanos tem algo mais que razão científica e sensibilidade estética. Existe também uma dimensão espiritual que nem a ciência e nem a arte podem satisfazer plenamente. A religião está para responder a esta necessidade.”[9]



5.

O fato maior, ou pelo menos um dos fatos maiores, do nosso tempo é a brutal concentração de riqueza, com a conseqüente exclusão social, e a insensibilidade de muitos frente a este problema. Ao colocar a exclusão social como o tema-guia da nossa reflexão neste ponto, não estou querendo negar a importância da crise ecológica. Mas como esta crise não se dá de maneira homogênea no planeta, são os pobres os que sofrem primeiro e com maior intensidade também os efeitos dessa crise. Pois, com a mercantilização do espaço geográfico, lugares menos afetados serão privilégios dos que poderão pagar os seus preços, sobrando aos pobres espaços de maior degradação ambiental.

Segundo os Informes de Desenvolvimento Humano da ONU, a quantidade de riqueza cresceu enormemente neste século, mas mesmo assim os pobres continuam mais pobres ainda. No ano de 1900, o consumo mundial que era aproximadamente de 1,5 trilhão de dólares, passou para 12 trilhões de dólares em 1975, e chegou a 24 trilhões em 1997. Apesar deste crescimento espantoso, os vinte por cento mais pobre da população mundial consomem hoje menos do que consumiam em 1900. Para se ter uma noção da brutal concentração de renda, basta citar o fato de que 225 pessoas mais ricas do mundo possuem uma riqueza equivalente à soma da renda anual de 47% da população mundial mais pobre.

Um outro exemplo. Os europeus gastam onze bilhões dólares por ano em sorvetes. Dois bilhões a mais do que a quantia necessária para levar água potável para toda população mundial que ainda não tem acesso a este bem fundamental para uma vida saudável. Ao mesmo tempo, trinta e sete mil crianças morrem todos os dias por problemas relacionadas com a pobreza, como ingerir água contaminada e resíduos tóxicos.

É claro que não estou propondo que os europeus devam parar de tomar sorvetes, muito menos insinuando que é o consumo de sorvetes que causa a morte dessas crianças. Mas, há algo de errado! Isto fica mais patente quando lembramos que a pobreza não é um fenômeno exclusivo da África ou de outras regiões do assim chamado Terceiro Mundo. Mesmo nos países do Primeiro Mundo estão aparecendo cada vez os bolsões de pobreza, enquanto que nos países do Terceiro Mundo estamos assistindo bolsões de riqueza extrema e ostentação.

O que agrava este problema é a insensibilidade social frente a ele. A exclusão social da grande maioria da população mundial não é mais vista como um problema social, mas no máximo como objeto de caridade de alguns indivíduos bem intencionados. O desmonte dos Estados de Bem Estar Social, nos países que funcionavam, e o corte nos poucos programas sociais dos países do Terceiro Mundo revelam esta insensibilidade em termos de sociedade global. Mesmo que o FMI, através do seu diretor-geral, diga que é importante solucionar o problema da pobreza extrema, o que impõe de fato são programas de ajuste econômico que começam com corte nos gastos sociais.

Não basta também ficarmos repetindo que toda a culpa é do neoliberalismo, isentando assim o resto da humanidade da sua parcela de responsabilidade neste processo. Veja bem, eu disse parcela da responsabilidade, e não culpa. Mais importante do que encontrar um bode expiatório em quem descarregar toda nossa raiva e indignação, é começar a tentar entender como é possível que a sociedade pode funcionar com uma cultura de insensibilidade como essa. Se não conseguirmos entender e criticar a cultura e a espiritualidade que sustentam este cinismo, não conseguiremos nem colocar estas graves problemas na pauta de uma discussão séria e ampla na sociedade.

Acredito que este ponto pode e deve ser um catalisador de diálogos sérios e frutíferos entre as diversas denominações cristãs, entre as diversas religiões e entre os que professam uma religião e os que não professam. A verdadeira crise do cristianismo só poderá ser superada na medida em que os interessados assumam os problemas fundamentais da humanidade hoje como objeto de diálogo e de cooperação. Deixando, assim, de lado as “pequenas” diferenças doutrinárias e superando a tentação de fazer do crescimento das suas igrejas o objetivo último do seu cristianismo. Acredito também que esta é a melhor forma de se estabelecer diálogo relevante e frutífero entre as religiões e entre crentes e não-crentes.



6.

A insensibilidade social que domina o mundo de hoje não pode ser explicada por uma possível decadência moral ou religiosa das pessoas. Pois, esta insensibilidade não é uma exclusividade das pessoas ditas imorais ou insensíveis no seu relacionamento com outras pessoas. Mesmo pessoas sensíveis nas suas relações interpessoais compartilham desta atmosfera da insensibilidade ou indiferença em relação aos problemas estruturais. Para uma primeira aproximação a este problema, no intuito de colaborar neste diálogo, quero tratar desta “atmosfera” cultural a partir de três conceitos: a meritocracia, a cultura do contentamento e a cultura do consumo.

A meritocracia surgiu como uma ideologia emancipatória lutando contra os privilégios hereditários e corporativos do mundo feudal e da nobreza e propondo que as pessoas fossem avaliadas por seus méritos pessoais. E a partir da Revolução Francesa tornou-se o critério fundamental em nome do qual se lutou contra todas as formas de discriminação social.

Mas como todas instituições ou ideologias, emancipatórias ou não, a meritocracia não escapou das ambigüidades e paradoxos humanos e sociais. Como ela se baseia na seleção e premiação dos melhores por meio dos desempenhos individuais, esta desigualdade funcional, com tempo acabou se convertendo em desigualdade social, e assim no critério de discriminação social das sociedades modernas. Isto é, a meritocracia que foi um instrumento fundamental na luta contra a discriminação social tornou hoje um dos elementos básicos de discriminação da sociedade moderna.

Esta tendência é agudizada pelo neoliberalismo que propõe o desempenho como o único critério legítimo e desejável de ordenação social das sociedades e imputa ao indivíduo toda a responsabilidade pelos resultados de suas vidas, não levando em consideração quaisquer outras variáveis. “Por essa lógica, o progresso e o fracasso das pessoas são vistos como diretamente proporcionais aos talentos, às habilidades e ao esforço de cada um, independentemente do contexto.”[10]

Este problema foi também abordado por John K. Glabraith sob o conceito de “cultura de contentamento”. Segundo ele, os integrados no mercado, os que estão satisfeito com o atual sistema acreditam que “não estão fazendo mais do que auferir o seu justo merecimento. (...) se a boa fortuna é merecida ou se é uma recompensa do mérito pessoal, não há justificativa plausível para qualquer ação que possa vir a prejudicá-la ou inibí-la -que venha a reduzir aquilo que é ou poderá ser usufruído.”[11] Os excluídos, portanto, estariam recebendo somente e nada mais do que o merecido.

Quando esta cultura se torna hegemônica, não há razão aparente em se preocupar com os pobres e excluídos, muito menos com a justiça social ou solidariedade. Tanto a noção de meritocracia dos neoliberais quanto a cultura de contentamento são expressões modernas da teologia da retribuição, presente nas grandes religiões da humanidade. Segundo esta teologia, Deus ou os deuses retribuem a cada segundo o seu merecimento. Os bons são recompensados com uma boa vida, e os maus com sofrimento. Como não pode haver uma justiça mais justa do que a divina, os que sofrem devem encarar o seu sofrimento como um processo de purificação ou pagamento de uma dívida imperdoável e, deste modo, aceitá-lo; enquanto que os que vivem com abundância devem gozar a sua boa vida, sem se preocupar com os que sofrem. Algumas doutrinas religiosas mais radicais chegam a afirmar que não se deve ajudar os que sofrem, pois isto seria atrapalhar o processo de purificação dos pecadores. Quem tenta ajudar os pobres e os sofredores estaria, na verdade, fazendo um mal a eles, pois retardariam o seu processo de purificação.

Na versão neoliberal da teologia da retribuição, o todo poderoso e onisciente juiz não é mais Deus ou deuses das religiões tradicionais, mas sim o mercado. Pois, segundo os neoliberais, é ele que distribui de modo mais justo as riquezas e as rendas de cada pessoa conforme a sua capacidade e merecimento. E esta distribuição não pode ser questionada, limitada ou modificada pelas intervenções do Estado ou dos movimentos sociais.

Quando o sucesso econômico se torna o critério da “decência” ou dignidade humana, não é de se estranhar que a busca pelo dinheiro seja vista como uma finalidade em si, como a última finalidade da vida humana. Eu poderia citar aqui alguns dos famosos textos de Max Weber sobre esta inversão que ocorre no capitalismo, mas acho que seria mais “atual” se citasse uma figura mundial como George Soros, o mega especulador financeiro.. Ao escrever sobre a existência de um princípio unificador efetivamente dominante no sistema capitalista global, ele diz: “Esse princípio é o dinheiro.”[12] Segundo ele, em uma condição de rápida mudança como a nossa, em que se enfatiza a competição e avalia o sucesso em termos monetários, o dinheiro transforma-se num fim em si mesmo. “Os que conquistam o sucesso talvez não saibam o que fazer com o dinheiro, mas pelo menos têm a certeza de que as outras pessoas invejam o seu êxito. É possível que seja o suficiente para impulsioná-los para a frente indefinidamente, apesar da falta de qualquer outra motivação.”[13]

Esta obsessão pelo dinheiro encarada como um fim em si mesmo tem um paralelo ou um espelhismo na nossa sociedade: a obsessão pelo consumo como um fim em si mesmo, independente da utilidade ou valor intrínsecos da mercadoria. Por questão de brevidade, vou citar um texto de Z. Bauman: “Se o consumo é a medida de uma vida bem-sucedida, da felicidade e mesmo da decência humana, então foi retirada a tampa dos desejos humanos: nenhuma quantidade de aquisições e sensações emocionantes tem qualquer probabilidade de trazer satisfação da maneira como o ‘manter-se ao nível dos padrões’ outrora prometeu: não há padrões a cujo nível se manter – a linha de chegada avança junto com o corredor, e as metas permanecem continuamente distantes, enquanto se tenta alcançá-las.”[14]

As pessoas devem correr em uma corrida sem fim, buscando objetos de desejo que mudam rapidamente. Consome-se para sentir-se vivo, reconhecido e aceito por outros. O problema é que os objetos de desejos que prometem reconhecimento e aceitação por outros deixam muito rapidamente de ser estes portadores deste reconhecimento. Assim, a busca frenética recomeça assim que se consegue adquirir um objeto de desejo. A utilidade dos produtos e o usufruir das suas qualidades não são mais importantes. O importante é consumir, principalmente mercadorias, bens materiais ou simbólicos, que causem inveja nos outros.

A ideologia da meritocracia e a cultura do contentamento levam as pessoas a não considerarem a pobreza e a exclusão social como um problema social, mas sim como uma realização de uma justiça transcendente. A do mercado transcendentalizado. Deste modo, as vítimas são transformadas em culpadas. E a cultura do consumo faz as pessoas olharem fixamente, obsessivamente, no seu objeto de desejo de consumo e assim não as deixam nem enxergar que os pobres existem. A ver que as vítimas não estão somente lá, no canto, mas existem como pessoas. As vítimas culpabilizadas desaparecem, são encobertas. Só aparecem no cenário da sociedade, aos olhos dos integrados no mercado, dos “satisfeitos”, como uma ameaça ou como feiúra.



7.

A crise não é só do cristianismo, mas também do nosso mundo. E a crise do mundo não é só econômico-social-ecológica. É também uma profunda crise espiritual. Perdemos o sentido humano das nossa vidas.

Poderá o cristianismo superar a sua crise espiritual? Poderá o cristianismo voltar a dar uma contribuição relevante para a humanização do nosso mundo? Sim, se as suas lideranças deixarem de lado a sua preocupação quantitativa, se deixarem de ver no crescimento das suas igrejas a finalidade das suas existências. Cristãos que buscam acima de tudo o crescimento das suas igrejas também não conseguem ver os pobres e as vítimas largadas, jogadas, encobertas, nos cantos do mundo e das nossas vidas. Estão no mesmo vazio espiritual, no sentido mais profundo da palavra, dos que estão imersos na cultura de consumo e de contentamento.

Para os que ainda conseguem lembrar o que disse Jesus: “o que fizerdes a um desses meus irmãos mais pequenos, foi a mim que fizeste”, o desafio não é pequeno. No aspecto da crítica ao que alguns teólogos, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert e Júlio de Santa Ana, chamaram de “idolatria do mercado” já há um bom material. Aos poucos esta crítica está sendo reproduzida em outros ambientes acadêmicos e sociais. Mas, devemos reconhecer que ainda continua um assunto de minoria e que poucos teólogos estão trilhando este caminho não muito fácil da crítica teológica da economia ou da relação entre teologia e economia.

Mais difícil ainda é a segunda parte. Ainda não sabemos muito bem o que propor, nem como propor sem cair na tradicional arrogância cristã de se crer que possui a última verdade absoluta. O desafio de construir uma alternativa ao atual modelo de globalização e de relacionamento com o nosso meio ambiente é gigantesco e exige a participação de muitos e articulações em níveis ao mesmo tempo locais, regionais e planetário. Isso significa que devemos aprender também a formular e apresentar as contribuições específicas da nossa tradição cristã em uma linguagem que seja compreensível, razoável e proveitoso mesmo para aqueles que não experienciaram a fé cristã ou que não compartilham da nossa tradição espiritual, ou que não professam nenhum religião.

Será que conseguiremos?

[1]Um resumo esquemático da conferência foi publicado no Boletim ASTE, jun/99, São Paulo.

[2]Pe Marcelo é hoje um fenômeno da mídia. Seus CDs vendem milhões de cópias e suas missas-shows reúnem multidões e é uma presença constante na TV.

[3]COMBLIN, José. Nós e os outros: os pobres em casa num mundo globalizado?, mimeo. 1999.

[4]Idem, ibidem.

[5]Idem, ibidem.

[6]SEGUNDO, Juan Luis. Massas e minorias na dialética divina da libertação. São Paulo: Loyola, 1975, p. 11.

[7]HUNTINGTON, Samuel . O choque das civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p. 54 e 62.

[8]CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. (A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. 2). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p. 17 e 84.

[9]LASZLO, Ervin. La gran bifurcación. Barcelona: Gedisa Ed., 1990, p. 74.

[10]BARBOSA, Livia. Igualdade e meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 26.

[11]GALBRAITH, John K.A cultura do contentamento. São Paulo: Pioneira, 1992, p. 12.

[12]SOROS, George. A crise do capitalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 162.

[13]Idem, ibidem, p. 163.

[14]BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 56.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Faça valer

Quero que me digam que eu tentei ser direito e caminhar ao lado do próximo.
Quero que vocês possam mencionar o dia em que tentei vestir o mendigo, tentei visitar os que estavam na prisão, tentei amar e servir a humanidade.
Sim , se quiserem dizer algo, digam que eu fui um arauto: um arauto da justiça, um arauto da paz, um arauto do direito.
Todas as outras coisas triviais não têm importância.
Não quero deixar nenhuma fortuna. Eu só quero deixar uma vida de dedicação!
E isto é tudo o que eu tenho a dizer:
Se eu puder ajudar alguém a seguir adiante,
Se eu puder animar alguém com uma canção,
Se eu puder mostrar a alguém o caminho certo,
Se eu puder cumprir o meu dever cristão,
Se eu puder levar a salvação para alguém,
Se eu puder divulgar a mensagem que o Senhor deixou...
...então a minha vida terá valido a pena!

[Martin Luther King Jr.]

Nordeste sofre novamente com a seca. Soluções?


Mais de 160 municípios do Nordeste já decretaram estado de emergência por conta da seca prolongada. O nível dos açudes está baixo, sendo que alguns já secaram. Quem tem cisterna ou reservatório na propriedade está conseguindo garantir qualidade de vida para a família e as criações. Plantações se perderam.

Tempos atrás, durante outra estiagem, fiz um ping-pong curto com João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Ele é um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina. Por mais que haja evaporação e açudes sequem, a região possui uma grande quantidade de água, suficiente para abastecer sua gente. Considerando isso, perguntei sobre as soluções para o Semi-árido. Segundo ele, o problema não é de falta de recursos naturais, mas de sua distribuição:

Falta água no Nordeste?
O Nordeste brasileiro é detentor do maior volume de água represado em regiões semi-áridas do mundo. São 37 bilhões de metro cúbicos, estocados em cerca de 70 mil represas. A água existe, todavia o que falta aos nordestinos é uma política coerente de distribuição desses volumes, para ao atendimento de suas necessidades básicas.

O que é o projeto de transposição do São Francisco?
Projeto do atual governo, remanescente de uma idéia que surgiu na época do império, para o abastecimento de cerca de 12 milhões de pessoas no Nordeste Setentrional, com as águas do rio São Francisco. Ele foi idealizado para retirar as águas do rio através de dois eixos (Norte e Leste), abastecer as principais represas nordestinas e, a partir delas, as populações a um custo inicial de R$ 6,6 bilhões.

Ele é realmente necessário?
O projeto é desnecessário tendo em vista os volumes d´água existentes nas principais represas nordestinas. Da forma como o projeto foi concebido e apresentado à sociedade, com o dimensionamento dos faraônicos canais, fica clara a intenção das autoridades: será para o benefício do grande capital, principalmente os irrigantes, carcinicultores [criadores de camarão], industriais e empreiteiras.
Há outras alternativas para matar a sede e desenvolver a região?
A solução do abastecimento urbano foi anunciada pelo próprio governo federal, através da Agência Nacional de Águas (ANA), ao editar, em dezembro de 2006, o Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de água. Nesse trabalho é possível, com a metade dos recursos previstos na transposição, o beneficio de um número três vezes maior de pessoas, ou seja, num horizonte de até 2010, a transposição foi orçada em cerca de R$ 6,6 bilhões, para o atendimento de 12 milhões de pessoas, enquanto os projetos apontados pelo Atlas, com cerca de R$ 3,6 bilhões, tem a real possibilidade de beneficiar 34 milhões de pessoas, em municípios com mais de 5.000 habitantes.

O meio rural, principalmente para o abastecimento das populações difusas, aquelas mais carentes em termos de acesso à água, poderá se valer das tecnologias que estão sendo difundidas pela ASA Brasil, através do uso de cisternas rurais, barragens subterrâneas, barreiros, trincheiras, programa duas águas e uma terra, mandalas etc.

Blog do Sakamoto

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Governo filipino eleva a 240 número de mortos por tempestade

Que Deus é este que de um lado, faz mulheres vencedoras:

"(...)a Bispa Lúcia Rodovalho, com base no texto bíblico de Lucas 13:14, explicou que não há limite no que Deus pode fazer na vida de uma mulher que decida ser vencedora."

"Deus dá a unção que está sobre nós para curar terras feridas. A unção de ganhar riquezas vem sobre as mulheres! Estamos nesta terra para cumprir uma missão," afirmou a Bispa Ana.

E de outro lado, milhares de mulheres perderam seus filhos, e hoje dormem desabrigadas:


Governo filipino eleva a 240 número de mortos por tempestade

Manila, 29 set (EFE).- Pelo menos 240 pessoas morreram e outras 37 continuam desaparecidas três dias depois de a tempestade tropical "Ketsana" ter arrasado a ilha de Luzon, nas Filipinas, segundo os últimos números do Governo.

O Centro Nacional de Coordenação de Desastres informou hoje sobre mais 100 mortos após identificar mais de 90 corpos encontrados na capital, enquanto quase 375 mil desabrigados estão acolhidos em centros de refugiados.

As autoridades admitiram não ter recursos suficientes para um desastre dessa magnitude e o Governo pedirá ajuda internacional para as quase 1,8 milhão de pessoas afetadas pelas chuvas.

Cerca de 80 mil pessoas já puderam voltar a seus lares, mas nas zonas mais devastadas ainda há uma grave escassez de alimentos, água potável e remédios. O estado de catástrofe declarado no sábado em Manila e outras 25 províncias segue mantido.

Por enquanto, os danos econômicos se calculam em pelo menos 109,1 milhões de pesos (US$ 2,29 milhões), sobretudo em infraestrutura e casas danificadas pela água.

Famílias Guarani Kaiowá são despejadas da aldeia Laranjeira Nhanderu

O sistema que vivemos hoje criou este tipo de situação. De um lado:

Blackberry 'mais caro' é vendido por R$356 mil

O Blackberry "mais caro do mundo" - feito em ouro 18 quilates e incrustado com 4.459 diamantes - foi vendido para um comprador no Oriente Médio por 125 mil libras (R$356 mil). Segundo a empresa de Amosu, entre seus clientes estão o piloto Lewis Hamilton, o rapper 50 Cent, o empresário Richard Branson e as cantoras Lilly Allen e Alicia Keys.

Do outro lado:

Sem ter para onde ir, comunidade acampa na beira da BR-163, em frente à terra de onde foram despejados
Michelle Amaral
da Redação Brasil de Fato

Nesta sexta-feira (11), as 36 famílias Guarani Kaiowá da aldeia Laranjeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, tiveram que sair da terra em que viviam há cerca de 2 anos em cumprimento a uma ordem de reintegração de posse determinada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

De acordo com João Zanela, do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) do Mato Grosso do Sul, a saída dos indígenas começou por volta das 6 horas da manhã desta sexta-feira. Como não têm para onde ir, os cerca de 130 Guarani kaiowá da aldeia, incluindo 60 crianças e adolescentes, permanecem agora acampados em frente à área desocupada, à beira da BR-163, rodovia de tráfego intenso de caminhões em direção ao sul do país.

O indigenista relatou que a saída dos Guarani Kaiowá foi espontânea e aconteceu antes mesmo da chegada da Polícia Federal ao local. Um oficial de Justiça e agentes da PF de Dourados acompanhariam o despejo.

“A saída cumpriu o que havia sido prometido à PF, que os indígenas sairiam pacificamente”, afirmou Rogério Batalha, assessor jurídico do Cimi-MS. Segundo ele, apesar de ter sido pacífica, a saída dos Guarani Kaiowá “foi de muita tristeza e muita desolação”.

O assessor jurídico, que acompanhou o processo de retirada, contou que na aldeia Laranjeira Nhanderu as famílias viviam em casas de sapé rodeadas por mata e não atrapalhavam a produção da fazenda da qual a área faz parte.

“Saíram de um local onde tinham toda estrutura para sobreviver, com boas casas, e agora estão na beira de uma estrada muito movimentada, correndo riscos de atropelamento, em barracos de lona, onde não existe nenhuma fonte de água”, relata Batalha.

Para ele, esta é uma “situação lamentável, vergonhosa para o Brasil”. Batalha disse que “a única expectativa é que a demarcação das terras indígenas no estado saia de uma vez por todas”.

Processo de despejo

Os Guarani Kaiowá chegaram à área no final de 2007 e reivindicam 3.666 hectares como sendo terra tradicional de seus antepassados. No final de 2008 foi expedida a ordem de reintegração de posse pela Justiça Federal de Dourados.

Em maio deste ano, chegou a ser determinada a saída das famílias da área. Mas no dia 26, após a análise de um pedido de agravo, a Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Marli Ferreira, suspendeu a ordem de reintegração de posse e deu mais 90 dias para a comunidade permanecer na área.

Nesse período, a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável, deveria ter realizado estudos para identificar se a área ocupada era território tradicional Guarani. No entanto, os estudos não foram realizados e o prazo dado pela desembargadora terminou no dia 26 de agosto. Em consequência, a PF determinou que os indígenas deixassem a área até esta sexta-feira (11).

Paralisia do Governo

Em dezembro de 2007, um termo de ajustamento de conduta foi firmado pela Funai, Ministério Público Federal e Ministério da Justiça determinou o início dos estudos antropológicos para identificar os territórios Guarani Kaiowá.

Através de seis portarias a Funai deveria enviar de seis grupos de trabalho identificar 36 terras indígenas em 26 municípios da região de Dourados. No entanto, devido às pressões de ruralistas, parlamentares e do governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, o governo federal deixou de cumprir o compromisso. Assim a população Gurani Kaiowá -- de cerca de 45 mil pessoas -- segue sobrevivendo confinada em cerca de 30 mil hectares sofrendo com o assassinato de suas lideranças e altos índices de subnutrição infantil e suicídio.

domingo, 27 de setembro de 2009

Sudão: comunidades no sul enfrentam a violência e o deslocamento, enquanto a população em Darfur ainda precisa de apoio

Enquanto na Igreja Sara Nossa Terra, o Bispo Rodovalho declara que os Filhos de Deus terão independência financeira e abundância:

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... já no Sudão homens, mulheres e crianças sofrem na pele a independência humana que nunca receberam. Que Deus é este que olha para Sara Nossa Terra e não olha para estas crianças?

Os confrontos no sul do Sudão mataram centenas de pessoas e deslocaram milhares de outras pessoas este ano. Enquanto isso, em Darfur, as operações militares diminuíram notoriamente, mas o banditismo continua aumentando. Jordi Raich Curco é chefe das operações do CICV no Sudão. Ele descreve a situação e a resposta da organização.

Como está a atual situação no sul do Sudão?

Os confrontos entre comunidades têm acontecido no sul do país há algum tempo, sobretudo em partes remotas dos estados de Jonglei e Upper Nile, em lugares como Akobo, Nasir e Pibor. A violência cobrou as vidas de pelo menos 1.200 pessoas e deslocou mais de 20 mil desde o início do ano. Os civis, principalmente mulheres e crianças, se tornam cada dia mais objeto de ataques.

A chuva chegou tarde este ano e o índice pluviométrico foi muito baixo também, dificultando ainda mais para as pessoas obrigadas a fugir dos confrontos e para os moradores das comunidades que os acolhem. As pessoas que já estavam vulneráveis enfrentam agora um sofrimento extra, já que perderam seus meios de subsistência quando foram obrigadas a abandonar seus campos. É difícil para o governo ou agências humanitárias chegarem a essas pessoas, já que a segurança é quase sempre muito volátil, a região é remota, a infraestrutura de transporte é deficiente e o terreno se torna ainda mais difícil de se negociar durante a temporada de chuvas.

O que o CICV tem feito para ajudar as pessoas afetadas pela violência no sul do Sudão?

Até o momento, o CICV tem ajudado a quase 17 mil pessoas em Akobo e Nasir e estamos enviando uma equipe de avaliação a Pibor. Essas parecem ser as três áreas mais necessitadas.

Na primeira semana de setembro, o CICV distribuiu sementes, ferramentas e kits de pesca doados pela Organização para Agricultura e Alimentos a cerca de 15 mil deslocados em Akobo, para que eles possam recuperar sua autosuficiência e alimentar suas famílias de novo.

Poucos dias depois, uma barca do CICV trouxe 22 toneladas de material de necessidade urgente como lençóis plásticos para abrigos temporários, roupas, sabão e outros utensílios domésticos de emergência. Enquanto isso, uma equipe do CICV consertava várias torneiras e uma bomba 'água para distribuir água potável a dez pontos de água na cidade.

Em Nasir, uma barca do CICV entregou sementes, equipamento de pesca e utensílios domésticos básicos a 1.500 pessoas cujas casas haviam sido queimadas durante um ataque em junho.

Os confrontos em Pibor também deslocaram comunidades e uma equipe do CICV está atualmente aí para avaliar a situação dessa população. O CICV decidirá o que precisa ser feito aí com base nos resultados apresentados por esta equipe.

O senhor pode comentar os relatórios sobre mais ataques do Exército de Resistência do Senhor próximos à fronteira com a República Democrática do Congo?

Os novos ataques e confrontos começaram em dezembro de 2008, depois de Uganda e o Exército de Resistência do Senhor não terem assinado o cessar-fogo. Os ataques atribuídos ao Exército de Resistência do Senhor tiveram como objetivos civis em quatro países: Sudão, Uganda, República Democrática do Congo e República Centro Africana. Depois de um período de relativa calma, o combate foi retomado no final de julho, com ataques a aldeias na Província Oriental da República Democrática do Congo e na fronteira da República Centro Africana com o sul do Sudão. No Sudão os ataque nas cidades de Ezo, Source Yubo e Tambura no estado de Equatoria Ocidental levaram a deslocamentos, perda de vidas e destruição de bens. De acordo com números das Nações Unidas, o combate resultou no deslocamento de mais de 66 mil sudaneses e obrigou a quase 17 mil congoleses a buscar refúgio em campos no sul do Sudão desde o início deste ano.

Os ataques separaram famílias e o CICV está rastreando os parentes de mais de cem crianças congolesas refugiadas, algumas das quais a organização reuniu com suas famílias na República Democrática do Congo. As equipes do CICV consertaram as bombas d'água e outras fontes de água para refugiados congoleses em Sakure, Sangua e Gangura, e recursos semelhantes para deslocados sudaneses em Ezo e Naandi. Em Makpandu, o CICV doou uma bomba d'água submergível para o ACNUR e perfurou três poços artesianos em Maridi. O CICV também distribuiu utensílios domésticos essenciais para famílias deslocadas nessas áreas.

Como o CICV vê essa situação em Darfur? É verdade que o conflito terminou, como algumas organizações têm declarado?

Ainda não houve um acordo de cessar-fogo ou de paz entre as partes beligerantes. Isso significa que ainda existe um conflito armado não-internacional não resolvido. No entanto, o nível de violência armada e o número de grandes operações militares diminuíram notoriamente se comparado a 2003 e 2004. Houve sinais de encorajamento, como a participação do CICV na entrega de 60 prisioneiros, que estavam detidos pelo Movimento Justiça e Igualdade, ao governo sudanês. Estão sendo realizadas negociações em vários países e esperamos que isso traga paz a Darfur.

Dito isso, têm ocorrido vários confrontos armados em Darfur este ano, que resultaram em novos deslocamentos da população. O aumento no índice de banditismo é motivo de crescente preocupação. As pessoas na região sofrem mais, porém as agencies de socorro também são afetadas. Até o momento, houve quatro sequestros de pessoal humanitários e alguns ainda estão em andamento. Não podemos nos esquecer de que essas pessoas vieram a Darfur para ajudar as pessoas afetadas pelo conflito.

Apesar dos perigos, o CICV continua com seu trabalho em Darfur?

O Sudão continua sendo a maior operação do CICV no mundo. Conseguimos muitas coisas, apesar dos problemas de segurança e de acesso. Além de prestar assistência emergencial pós-conflito armado, o CICV ajuda as comunidades remotas a manterem seus meios de subsistência tradicionais. Este ano, 400 mil pessoas receberam sementes e ferramentas antes da temporada de chuvas para poderem plantar sua própria produção. Também começamos um projeto de multiplicação de sementes em cooperação com institutos de pesquisa agrícola em três cidades. Em áreas remotas nômades de Darfur, continuamos organizando a vacinação de até 850 mil cabeças de gado contras cinco doenças principais.

Outra prioridade é dar às pessoas acesso à água potável em partes remotas da região, onde nossas equipes de água e saneamento estão renovando e fazendo a manutenção de pontos de água rurais e urbanos para atender mais de um quarto de milhão de pessoas e treinando comitês locais de água. Também prestamos cuidados sanitários para mais de 90 mil pessoas em dez centros de saúde primários apoiados pelos CICV em áreas remotas, onde tais serviços não estão disponíveis devido à falta de segurança e outros problemas. Com o apoio dos voluntários do Crescente Vermelho sudanês, continuamos fornecendo água, saneamento e um centro de saúde para mais de 131 mil deslocados no campo de Gereida. Com o apoio da Cruz Vermelha britânica e a australiana, estamos cuidando de crianças desnutridas por meio de um programa de alimentação terapêutica no centro de nutrição.

O CICV também está recolhendo e distribuindo centenas de Mensagens Cruz Vermelha com notícias familiares em Darfur.

O mais importante é mencionar que o CICV também monitora alegações de violação ao Direito Internacional Humanitário e compartilha suas descobertas com todas as partes envolvidas no conflito. Ao mesmo tempo, lembramos a todos envolvidos de suas obrigações poupar os civis durante os conflitos armados.

Fonte: Cruz Vermelha

Frutos deste sistema

Mãe de assaltante morto em Vila Isabel após fazer comerciante refém sai em defesa do filho

Camilo Coelho e Djalma Oliveira, Extra

Duas mães, dois dramas distintos. No mesmo momento em que Ana Cristina Garrido agradecia ao major João Busnello, no sábado, Edmar Paula Mattos chorava a morte do filho. Sérgio Ferreira Pinto Júnior foi morto com um tiro disparado pelo oficial da PM sexta-feira, em Vila Isabel, quando mantinha Ana refém. Edmar, que trabalhava no dia da ação, não acompanhou os últimos minutos de vida do filho.

- Eu não queria que ele (Sérgio) tivesse morrido... Mas os policiais fizeram um ótimo trabalho - disse Ana, que recebeu a visita do major Busnello e relembrou os momentos do dia anterior:

Vídeo mostra a emoção do encontro

- Na hora do tiro, pensei que tivesse sido atingida. Corri pelo instinto. Eu lembrava muito do Caso 174, em que a refém morreu, mas pedi a Deus para sair viva.

"A polícia poderia ter esperado"

Longe dali, no Engenho Novo, a mãe de Sérgio recebeu a equipe do EXTRA em casa, e também relembrou o drama de sexta. Em meio a lágrimas, suspirava:

- A polícia poderia ter esperado um pouco mais. Ele não ia detonar a granada, a índole dele não era essa - lamentou Edmar, que trabalha como doméstica.

Segundo ela, Sérgio concluiu o ensino médio e estava desempregado há três anos. Era chamado para entrevistas, mas não conseguia ser contratado:

- Ele estava desesperado, achava que tinha que me dar do bom e do melhor.

A irmã de Sérgio, Karen Patrícia Mattos, de 22 anos, questionou a ação policial:

- Não precisava dar um tiro na cabeça dele.

Edmar prestou depoimento à polícia no fim da noite de sexta-feira e revelou que esteve com o filho no domingo anterior, quando ele levou a filha de 3 anos para vê-la. A família ainda tenta arrecadar dinheiro para conseguir pagar o enterro.

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Ana diz que Deus iluminou o policial

Vídeo: PMs explicam ação que libertou refém

Me pergunto: se ele tivesse tido um outro rumo na vida, com melhores oportunidades, ele estaria hoje aqui com sua filha de 3 anos?
O melhor que nossa sociedade consegue resolver esta pergunta é dar um tiro na cabeça dos excluídos.

Quando vi esta cena fiquei muito mal. Não estou justificando o rapaz que botou aquela mulher em risco, mas a situação e os culpados que o levou a fazer tal situação deseperadora é bem claro pra mim. Como ouvi uma frase um dia: "nem sempre quem puxa o gatilho é o bandido."


Lute contra o cigarro

Um grande escândalo


Estou escandalizado! Não sei qual foi a razão pela qual a notícia aterradora não teve grande repercussão. Acho intrigante que notícias sobre o último “caso” da Madonna tenham mais destaque e despertem mais o interesse do grande público do que o que realmente importa à raça humana. Quando vi achei que tinha entendido errado, mas não, era aquilo mesmo: em 2009 o mundo tem um bilhão de famintos. A notícia foi dada pelo Programa Alimentar Mundial da ONU. Daí pensei: bem, devem ser um bilhão de pessoas com alimentação insuficiente, mas não que passam fome. Não era. Estes que não se alimentam o suficiente são três bilhões. Um bilhão são famintos mesmo. Fiquei estarrecido. Só um terço da população mundial come bem todos os dias. Isso é um escândalo. Mas ninguém liga.

Nem aqueles que se julgam muito religiosos ligam. Boa parte destes está mais preocupada com coisas irrelevantes do que com a vida humana. Se escandalizam com coisas mínimas mas são indiferentes com a banalização da vida. Tony Campolo, pregador e escritor cristão, disse, certa vez, numa palestra para estudantes universitários, o seguinte: “Enquanto você dormia ontem, 30.000 crianças morreram de fome ou de doenças relacionadas a má nutrição. E mais, a maioria de vocês nunca ajudaram em merda nenhuma. E o que é pior: você está mais perturbado com o fato de eu ter dito ‘merda’ do que com a notícia de que 30.000 crianças morreram de fome na última noite”. Certamente muitos dos que leem esse texto, neste exato momento, também se perturbariam mais com um pastor falando “merda” durante uma pregação do que com a notícia de um bilhão de famintos no mundo. Coam um mosquito e engolem um camelo.

O que tornou a notícia ainda mais escandalosa é que Josette Sheeran, diretora-executiva do Programa Alimentar da ONU, disse que se fosse investido menos de 1% de tudo o que foi gasto para conter a crise econômica mundial, o problema da fome seria resolvido no mundo. Repito, menos de 1%.

E sabe o que é ainda pior? É que muitos de nós cruzam os braços, olham para os céus e dizem: “Deus quis assim, que seja respeitada a vontade de Deus”. Cinismo. Omissão. Pecado. Deus não quer isso. E já nos deu todas as condições para acabar com essa miséria. O mundo produz comida suficiente para todos. Nós é que não dividimos de modo equitativo. A culpa é nossa, não de Deus. O mundo prefere gastar trilhões para salvar o sistema financeiro do que alguns bilhões para erradicar a fome.

E não há “atos proféticos”, nem orações piedosas, nem qualquer outra prática litúrgica que dê jeito nisso. Enquanto as pessoas, em especial aquelas que se dizem cristãs, não perceberem que a solidariedade é um imperativo do Reino de Deus, as coisas não vão mudar. Enquanto acharem que escândalo é soltar um palavrão ou tomar uma cervejinha no fim do dia, os milhões vão continuar morrendo sob a mais diabólica indiferença do “rebanho”.

Márcio Rosa, na Folha de Boa Vista.
Dica do Pavablog

Podemos ver as injustiças?

O que vamos fazer a respeito disso nesta semana que começa hoje?
dica: Chicco Sal via Pavablog

Milhões de pessoas não podem desfrutar de todo o mundo

Whooper - Lanche do Burguer King
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Nike - Grande marca de calçados
Gap - Roupas para crianças
Ibis - Hotéis
Ônibus, Escolas e Direitos Humanos

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Por que não usar a sua criatividade e poder, para ajudá-los uma vez por ano?

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