sábado, 18 de junho de 2011

Pronunciamento dos Pastores da Igreja Betesda SP


Nós, pastores da Igreja Betesda de São Paulo, orientados a não tolerar a injustiça e a defender os inocentes, temos nos incomodado com os recentes acontecimentos que atingem nosso pastor presidente, Ricardo Gondim, o que por si só pede de nossa parte uma manifestação, haja vista a maneira exemplar e digna com que tem conduzido nossa igreja em todo o tempo. 
Quando as desinformações dos assuntos tratados e a distorção da verdade cristã que praticamos e cremos desviam pessoas crédulas e mais inexperientes em seus passos de Jesus, não podemos nos calar.

A Betesda, antes de qualquer coisa, é conhecida em sua história por ser uma Igreja reflexiva e inserida na realidade. Quanto ao nosso pastor presidente, desnecessário é fazer referência ao seu caráter, pois sua reputação é, sabidamente, intocável.
O pastor Ricardo tem dedicado sua vida para que a verdade de Cristo seja conhecida por todas as pessoas. Apaixonado por Jesus trabalhou e trabalha incansavelmente. 
Se há algo que Jesus manda verificar em seus discípulos são os frutos. 
Ninguém há que possa acusá-lo de ter ensinado, incitado ou produzido o mal.
Suas mensagens pelo rádio, os seus livros, site e internet com suas exposições disponíveis atestam a verdade. Pessoas testemunharam e testemunham que, impactadas pelo evangelho pregado, se tornaram melhores e livres do tacão da religião e da manipulação de líderes inescrupulosos e manipuladores da boa fé. São mais autônomas e responsáveis através de seu ministério.

Os membros da Betesda testemunham que são pessoas menos religiosas e mais apaixonadas por Jesus. Quando entregam suas contribuições não o fazem por barganha, ou por medo de serem castigadas, mas por um compromisso e ato de fé. São testemunhas de um cristianismo leve, livre e obviamente de uma enorme responsabilidade. 
Também testemunhamos que mesmo os que saíram, foram servidos, alimentados e cuidados pela mentoria do pastor Ricardo.

Há algo mais a ser requerido de um pastor? 
O fruto serve para testemunho de quem é de Jesus. Não aceitamos que alguém digno, referência de cristianismo, que dedicou e dedica sua vida para o bem do Reino de Deus, que fala a verdade do evangelho sem rodeios, seja enxovalhado por interpretações errôneas da verdade, abusos e ataques inescrupulosos. 
Em nome da defesa do evangelho, estes opositores maculam o significado mais profundo do Reino de Deus.

As questões que perturbam os que se intitulam defensores da verdade do evangelho e influenciam muitos, vêm da aberta renúncia de Ricardo Gondim à lógica evangélico-calvinista que impera na teologia de nossa pátria. 
É fato que alguns pastores desistiram desta caminhada, e reconhecemos isto, pois diante da pressão existente por parte de líderes opositores gratuitos, desejaram seguir seu próprio caminho e ter suas próprias igrejas.

Testemunhamos que, de nós pastores, sempre foi exigido corresponder com as atribuições inerentes à responsabilidade pastoral. Honrarmos as contribuições dos fiéis que confiam a nós sua fé trabalhando com mais afinco, pastoreando, dedicando-nos ao crescimento pessoal e ao estudo para que a mensagem seja bem preparada e comunique a todas as pessoas a vontade de Deus conectada com a realidade.

As reflexões, estudos e questionamentos que temos praticado com seriedade, pertinência e sem restrições de pensamentos, nos levaram às desconstruções da lógica do movimento evangélico brasileiro, que sabemos também ser uma construção humana e cultural; e ao contrário do que se pensa, elas, as desconstruções, não serviram para nos afastar ou esfriar na fé, mas sim compreendermos melhor o amor de Deus. 
Corroboramos com a proposta da reforma, sempre reformanda, e isto se dá mediante a reflexão, ouvindo o Espírito e compreendendo nosso Mundo.

Confirmamos que ele, assim como nós pastores da Igreja Betesda, não reconhecemos as acusações de que nos desviamos da fé cristã. 
Somos testemunhas de sua pregação, com Bíblia em punho, da fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador e o único mediador entre Deus e os homens. Da ressurreição dos mortos, da volta de Cristo. Da triunidade de Deus como Pai-Filho-Espírito Santo, da Bíblia como Palavra de Deus. Consideramos que não se faz necessário repetir todo o credo apostólico e nem as afirmações como os atributos divinos, pois estas e outras afirmações encontram-se em todas as publicações da Betesda e do próprio pastor Ricardo. (indicamos o livro “Creio, mas tenho dúvidas”, Ed Ultimato, pg 28ss).

Rejeitamos as acusações de que o pastor Ricardo Gondim, na entrevista à Carta Capital, tenha ferido a fé cristã. Fazemos coro com a Bíblia, que defende os direitos dos oprimidos, dos abandonados e injustiçados; que o pecador precisa ser acolhido e orientado e a que os direitos civis dos cidadãos, independente de credo, raça, etnia e gênero, devem ser respeitados e defendidos; por consciência democrática nenhuma expressão religiosa deve gerir o Estado, assim como o Estado deve preservar os direitos das expressões religiosas.

Negamos que haja na Betesda qualquer manual a ser obedecido ou norma que fira o princípio de liberdade, igualdade e justiça e, principalmente, que contrarie o legado deixado por Jesus Cristo revelado na Bíblia.

Damos nosso inteiro apoio ao pastor Ricardo Gondim e reiteramos nossa caminhada com ele. 
Desejamos a continuidade da Betesda, como tem sido nestes 30 anos de sua existência: uma igreja relevante para a sociedade em que está inserida. Consideramos, portanto, as acusações maldosas, inconsistentes e vazias do significado cristão.

Ricardo Gondim tem demonstrado uma fé lúcida, tecido reflexões pertinentes e comunicado todo o evangelho de forma íntegra para toda humanidade.

Nós, que com ele andamos, e dele ouvimos não só as palavras, mas mais ainda, seu coração, reconhecemos que, se há um pastor a ser reconhecido como um servo de Deus que não se vende ao discurso que visa encher templos, que não se associa a políticas para obter vantagens em nome do Reino de Deus, não vende bênçãos, e se preocupa em promover a vida e pastorear os corações pela Palavra de Deus, é ele.

O que tem sido colocado na boca de muitos é fruto de manipulação religiosa e, no mínimo, falta de compreensão.

Os brasileiros precisam ouvir mais mensagens como as que vêm sendo pregada na Betesda para que saibam que há um Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que ama a todos e é o Salvador de todos os homens e mulheres, pois não faz acepção de pessoas e estende sua graça à humanidade.

Assinam o presente pronunciamento as Igrejas Betesda
Em São Paulo SP - Jardim Marajoara, Zona Leste, Vila das Belezas, Jardim das Fontes; 
Diadema; 
Osasco; 
São José dos Campos -Jardim Satélite, Jardim Uirá e São Judas.

Representadas pelos seus pastores
Airton Mendes, Antônio Teles, Célia Bonilha, Daniel Aldemir, Daniel Santos, Eliel Batista, Elienai Jr, Fátima Nascimento, Laércio Amorim, Lucas Lujan, Marcelo Néry, Mário Mingoni, Paulo Silvano, Salvador Júnior, Sérgio Oliveira, Silvia Geruza, Telma Mingoni e Villy Fomin.

O dedo de Deus

BARUQUE. Tenho estado esperando pela oportunidade de encontrá-lo novamente, e quando vi você e Filipe esta manhã cri ter reconhecido o dedo de Deus.

JUDAS ISCARIOTES. Pode-se com acerto reconhecer o dedo de Deus em qualquer acontecimento. Mais difícil é saber dizer para que direção ele está apontando.

Dorothy L. Sayers,
The Man Born To Be King, 1943

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O "herege da vez" denuncia as causas, a moral excludente se apega aos efeitos


foto: Ricardo Gondim na Carta Capital
por Alex Carrari e Paulo Silvano

E os evangélicos prevendo que a Dilma seria eleita, foram, em favor da conservação do próprio conforto, exigir sua assinatura na caprichosa carta elaborada por líderes de imagem alinhada com o perfil geral da nação santa, geração eleita. Uma das questões, para não dizer a única, era que a candidata, que se consolidava nas pesquisas, assumisse compromisso em não aprovar o casamento – diferente de união civil – entre pessoas do mesmo sexo. Para não dar na cara que a questão envolvia nada mais que a garantia da permanência almofadada dos crentes na tranqüilidade de seus ideários dominicais sem correr os riscos de ter de lidar com o incômodo tema, embutiram lá também a questão da não legalização do aborto e outros itens despercebidos, secundariando o real motivo da falta de sono desta omissa parcela da sociedade.

Já no meio da candidatura da mulher, a movimentação no arraial do comodismo evangélico dava indícios do frenesi que se apossava dos crentes, enchendo as nossas caixas de entrada de e-mails com os mais variados alertas sobre a vida oculta da ex-ministra. De libertinagem e lesbianismo a envolvimento com satanismo, Dilma foi classificada de tudo o que a imaginação dessa gente pode produzir, sob o dúbio interesse por uma nação mais “santa” nas mãos de deus. Admitimos que lemos um ou dois desses e-mails e, daí em diante, tudo para a lixeira.

Esta inquietação evangélica sonoriza a cada quatro anos. A carta contendo como tema central, o que uma comitiva dos “bem intencionados” servos do deus, que abomina a sodomia, achou primordial para que não se mexesse no time que está ganhando, para que o Estado não viesse a entulhar o tênue caminho da vitória daqueles que aspiram por um Brasil culturalmente evangélico, demonstrou que estes “bem intencionados” servos sofrem, na memória coletiva, daquilo que os psicanalistas chamam de neurose histérica de dissociação. Um distúrbio na consciência e na identidade, em que desenvolvem como principal sintoma uma personalidade múltipla, pois, quando comparados o comportamento destes com as instruções de Jesus fica claro que não sabem de que espírito são.

O que pretendiam? Uma sinalização de que continuariam imperturbáveis, nos espaços anestésicos que são seus templos e igrejas, onde reproduzem um arquétipo de mundo que só existe na cabeça dos crentes.

Até aí nada novo.

O que é novo nesse episodio é a forma como os ditos líderes inconscientemente confessaram o blefe em que vivem, consentido com os aplausos de 90% da massa evangélica brasileira, que blefa junto.
Os destinatários da benção demonstraram nas urnas não ter e mínima afinidade com política e menos ainda senso de responsabilidade social quando a única opção de uma política mais igualitária, não corrupta e engajada, Marina Silva, não passou do primeiro turno. A proposta de “um jeito novo de fazer política” não fez sucesso entre os servos do dono do ouro e da prata, pois a única ética que encanta essa gente é a que é inspirada pelo espírito do capitalismo, egocentralizada, fundamentada no salve-se quem puder, na qual quem pede mais – e do jeito certo – leva mais.

Sobre este caso, perguntas que não querem calar: Porque na tal carta não havia um item expresso e inegociável que fizesse a futura presidente do Brasil assumir um compromisso de erradicar a pobreza principalmente nos estados e cidades mais pobres? Porque não havia lá nada que forçasse a Dilma a estabelecer metas para acabar com mortalidade infantil? Porque os crentes não pensaram em colocar como um dos pontos principais a serem assumidos pelo novo governo a extinção do analfabetismo? Passou despercebida a condição surreal da saúde pública e o tratamento desumano nas unidades básicas de bairros pobres? Não deu pra lembrar das urgentes e necessárias melhorias em vias públicas para os portadores de necessidades especiais? E o péssimo tratamento aos aposentados? E os maus-tratos no sistema carcerário? E a corrupção no centro do poder?

Outra carta, desta vez a Capital, contendo a entrevista do “pastor herege” causou uma acesa circulação de desinformação no arraial dos defensores da moral adequada aos costumes de um povo que se acostumou a buscar favores da divindade em um culto intimidador, prolixo em churumingas, conformado a uma liturgia capenga e cheia de ressentimento.

Está tudo ali, às claras, nada de meias palavras. Para interpretar sua fala nada de chave hermenêutica, indisponível aos iletrados. O Ricardo Gondim disse o que tinha para dizer e os evangélicos entenderam o que sempre se predispuseram a entender. Levando em conta que texto fora do contexto sempre foi uma especialidade dos crentes, não poderia dar noutra conclusão: “Agora a Betesda vai começar a casar gays”, dedução óbvia de quem se habituou a ler a Bíblia como se fora o texto sagrado algo parecido com a famosa caixinha de promessa, da qual o texto é sacado sem a necessidade de vinculá-lo aos demais não sorteados. Método não diferente é aplicado quando se interpreta as colocações daquele que se tornou o “herege da vez”. Ainda mais óbvias, são as intenções dos que utilizam essa hermenêutica para interpretar as palavras do Ricardo na Carta Capital: Os crentes intentam ocultar aquilo que é causa, tratando-o como se fosse efeito, e assim, como criaturas entregues ao delírio, ao desvairo e a obsessão, continuam dormindo o sono da insensatez sobre o lençol das suas próprias omissões.

Só para refrescar a memória, segue a pergunta da Carta e a resposta do Ricardo que, ainda que aqui, colocada fora do contexto, qualquer um com o mínimo de tino e bom senso entende do que se trata. Mas, por nos faltar a paciência que sobra ao nosso amigo, colocamos em negrito apenas o que a letra por si só é capaz de explicar:

Carta Capital: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?

Ricardo Gondim: Sou a favor. O Brasil é um país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos que respeitar as necessidades que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossexuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

Perceptivelmente indispostos a fazer uma leitura na ordem da entrevista, e prontamente dispostos a tomar como pretexto um texto sem contexto, a tática de alguns desses “guardiões da fé” foi dar uma dimensão maior ao que é secundário de modo que não tenham que lidar com aquilo que é primário: O clamor de uma sociedade tragicamente enferma diante de uma igreja que, afogada no próprio vômito, é incapaz de absorver e fazer valer os valores do Reino de Deus. Estranhamente, esse clamor é ignorado em favor do cumprimento do “decreto divino” – que alguns, desfilando uma sucessão textos bíblicos, apresentam-no como legitimado pelas Escrituras – que a troco de nada abomina a homossexualidade, a bissexualidade, e outras formas, que não a heterossexual, de relacionamento afetivo.

Das nove questões que foram postas à mesa pela Carta Capital, oito estavam relacionadas ao comportamento destoante dos evangélicos, que inclui um modelo de espiritualidade triunfalista, uma compreensão mesquinha de Deus, ambição por poder, ênfase na quantidade em detrimento da qualidade. Apenas uma, abordando a questão da união civil entre homossexuais, aparece na entrevista, como que entre parêntesis. Esta, como não poderia ser diferente, vitimada pela síndrome da caixinha de promessas, foi pinçada do contexto para que, sem o amparo do restante da entrevista, tivesse sentido e interpretação desvirtuados para atender os interesses escusos de setores da mídia evangélica.

Condenada às fogueiras virtuais, abominada em púlpitos maculados pelas faltas encobertas daqueles que praticam a injustiça, verdadeira causa do pecado, a resposta do Gondim foi lenha queimada para prover a cortina de fumaça suficiente para ocultar o enquadramento dos seus algozes na conduta sob suspeição, tema das demais perguntas e respostas da entrevista.

Os depreciadores, invocam Gênesis 19 que relata aquele episódio no qual homens da cidade de Sodoma queriam ter relações sexuais com as manifestações teofânicas, em forma de homens, hospedadas na casa de Ló. Segundo se entende, havia um clamor que se multiplicava aos ouvidos de Deus e que esse clamor O fez querer conferir pessoalmente se era procedente de um pecado que se agravava (Gn 18.20-21).
Quantos sermões e advertências ouvimos, desde que fomos formatados à moral excludente evangélica, afirmando que a destruição de Sodoma e Gomorra foi um corretivo de Deus, dado serem aquelas cidades antros de promiscuidade sexual e inversão dos valores heterossexuais. Sob esta interpretação, aprimoramos a nossa impressão de santidade e limpeza, sem a qual ninguém verá a Deus, ou seja, um proceder sexual retilíneo e austero é o que basta. E mais, que Deus admite qualquer coisa menos a inversão dos valores heterossexuais. Deus tolera a soberba, a fartura de pão na mesa de uns poucos e a escassez na mesa de tantos, a próspera tranqüilidade para uns à custa da miséria de muitos, o desamparo ao pobre e ao necessitado, a arrogância e a prática de abominações. Tudo isso fica na peneira de Jeová, ele faz vista grossa, mas contra a homossexualidade ele acende a Sua implacável ira.

Nada como o profeta para denunciar o que realmente se esconde por trás da ênfase na condenação de um desvio moral, mesmo socialmente aceito como foi o de Sodoma e Gomorra. O profeta Ezequiel põe as claras: “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranqüilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre. Foram arrogantes e fizeram abominações diante de mim; pelo que, em vendo isto, as removi dali” (Ez 16.49-50).

A comunidade evangélica que se pronuncia somente quando percebe que sua tranqüilidade e inércia poderão ser publicamente expostas, prega um elitismo moral como a verdadeira causa de não serem consumidos. Presunção, fartura de pão, próspera tranqüilidade, desamparo ao pobre, arrogância e abominações, são pecados menores, aliás, sequer são tratados como pecados se colocados a par da homossexualidade. As respostas do Ricardo na Carta são idênticas à estrutura da fala de Ezequiel. A reação ruidosa dos evangélicos sobre a questão da defesa dos direitos civis dos homossexuais é proporcional à preocupação com o conforto que querem para si, mas que negam aos outros. A artimanha utilizada pelos evangélicos para não ter de lidar com seus pecados mais enraizados e degradantes exposto pela fala do Ricardo no contexto da entrevista é a mesma que usam para interpretar o motivo de Sodoma e Gomorra terem sido destruídas baseado em Gênesis 19.

A eleição do Ricardo como o “herege da vez” se deve ao fato de ele denunciar a enfermidade crônica de um povo – que deveria ser cura – começando pelas causas, enquanto seus algozes, que se enquadram nestas causas, ferrenhamente se apegam aos efeitos.
As causas dessa enfermidade são as que aponta o profeta Ezequiel, que são sintomaticamente sentidas como antítese nas entrelinhas da carta dos evangélicos à Dilma e ordenadamente denunciadas pelo Ricardo na Carta Capital.

Um povo presunçoso que se orgulha de sua imagem em ascendência, que cada vez mais se afirma como grande consumidor, que apregoa fartura de pão e próspera tranqüilidade à custa do desamparo ao pobre, um povo que devido a sua arrogância comete abominações, faz que o clamor da justiça seja abafado ao ponto de se multiplicar, na forma de pecado, diante de Deus.

Um povo que não ouve o clamor por justiça que sobe de seu meio, que tenta sempre escapar de sua responsabilidade social, que subverte misericórdia em legalismo, que gosta tanto do convívio com a injustiça ao ponto de não querer lidar com suas causas, está tão unido à origem das estruturas de pecado que corre o risco de virar estátua de sal ficando pelo caminho como testemunho de sua insipiência para os que virão depois de nós.



quinta-feira, 16 de junho de 2011

Por que as religiões rígidas prosperam

Não é coisa fácil explicar porque algumas pessoas submetem-se entusiasticamente à lei religiosa, especialmente quando se está falando com gente que não tem o menor desejo de agir da mesma forma. Por que limitar-se à “teologia do corpo”, como a chamava o papa João Paulo II, quando o controle da natalidade e a pesquisa de células-tronco prometem alívio para duas das mais dolorosas vicissitudes da existência física – a gravidez indesejada e as doenças degenerativas? Porque restringir-se a alimentos kosher, quando o cashrut baseia-se em classificações zoológicas que caducaram milhares de anos atrás?

Entre os não-devotos, uma piedade dessa magnitude é frequentemente vilipendiada como patologia social. Os moderadamente religiosos demonstram mais respeito mas também não ajudam a esclarecer o mistério; eles só balançam a cabeça e dizem, “pra eles acho válido, só não é pra mim”. Nem mesmo os devotos encontraram um modo de comunicar ao resto do mundo o que os atrai numa observância religiosa rígida. Eles só dizem que agem assim porque Deus quer que ajam – argumento que simplesmente não faz sentido para um incrédulo. Ou alegam superioridade moral, coisa que, se você acredita que a moralidade deriva de Deus, é praticamente a mesma coisa que dizer que estão agindo assim porque Deus quer que ajam.

Em geral não se espera que um economista se mostre mais capaz de explicar a religião do que um religioso, mas um economista de fato o fez, utilizando a linguagem amoral da teoria da escolha racional1, que reduz as pessoas a “agentes racionais” que “maximizam a utilidade” – ou seja, gente que age movida apenas por interesse próprio. Em seu ensaio de 1994, Por que as igrejas rígidas prosperam, que se mostraria de grande influência no campo da sociologia da religião, o economista Laurence Iannaccone defende a teoria contra-intuitiva de que as pessoas escolhem as religiões rígidas devido aos benefícios mensuráveis que sua devoção lhes proporciona, não na vida futura, mas aqui e agora.

Iannaccone começa se perguntando por que as pessoas decidem afiliar-se a igrejas rígidas, visto que fazê-lo requer um custo tão alto. Costumes excêntricos são um convite ao ridículo e à perseguição; a participação numa igreja marginal pode limitar as chances de avanço econômico e social; as regras de observância impedem o acesso a prazeres aparentemente inocentes; e a coisa toda requer tempo que poderia ser gasto em diversão ou em aprimoramento pessoal.

De acordo com Iannaccone, o devoto paga esse elevado preço social porque compra com ele um produto religioso de maior qualidade. As normas rígidas desencorajam os aproveitadores, aqueles que minam os esforços do grupo tirando proveito mais do que contribuem. Uma igreja rígida é aquela na qual os membros pouco comprometidos foram eliminados. Aumentar as tarifas para a participação não funciona tão bem quanto aumentar o custo de oportunidade da afiliação, porque tarifas afastam os pobres, que são justamente os que menos têm a perder em doar o seu tempo, e são também os que têm mais incentivo para orar. As tarifas, além disso, encorajam os ricos a substituir devoção por dinheiro.

O que o devoto recebe em troca de todo o seu tempo e esforço? Uma igreja cheia de membros apaixonados; uma comunidade de pessoas profundamente envolvidas nas vidas uns dos outros e mais dispostas do que a maioria a prestar assistência mútua; uma agremiação de pares formada por almas versadas na mesma linguagem (ou linguagens), movidas pelos mesmos textos e acalentadas pelos mesmos sonhos. A religião é uma “‘mercadoria’ que as pessoas produzem coletivamente”, afirma Iannaccone. “Minha satisfação religiosa depende então tanto de meus próprios inputs quando do input dos demais”. Se uma experiência espiritual rica e consistente é o que você busca, uma igreja pentecostal com fachada de loja ou uma sinagoga ortodoxa é provavelmente mais adequada do que uma igreja elegante formada por gente distraída e ambiciosa que mal consegue encontrar uma manhã livre para o culto de domingo, que dizer várias noites livres por semana para estudo bíblico e trabalho voluntário.

A partir de determinado ponto, naturalmente, as desvantagens do fanatismo passam a ultrapassar os benefícios. Uma igreja atinge esse ponto quando se mostra incapaz de oferecer substitutos para tudo aquilo de que pede que seus membros abram mão. Seitas que seduzem seus fiéis para o deserto mas não lhes proveem um meio de subsistência logo desaparecem de cena. Códigos abrangentes de comportamento que isolam as pessoas socialmente – tais como, digamos, o do judaísmo – desaparecem por completo a não ser que se estabeleçam redes que prestem suporte aos seus aderentes. Isso ajuda a explicar, entre outras coisas, porque os judeus que mudaram-se para cidadezinhas do sul [dos Estados Unidos] para abrir mercearias nos séculos XIX e XX, e viveram por décadas sendo as únicas famílias judaicas de suas comunidades, acabaram assimilando a cultura exterior mais do que praticamente todos os judeus ao redor do mundo.

O exemplo que Iannaccone dá de uma igreja cuja postura rígida pode ter saído pela culatra é a igreja católica, que tem tido dificuldade em manter seguidores na Europa e em atrair homens para o sacerdócio na América do Norte. Os tradicionalistas colocam a culpa pelas dificuldades da igreja nas reformas do [Concílio] Vaticano II, a partir do qual a missa começou a ser proferida no vernáculo e padres e freiras despiram suas vestimentas de outro mundo. Os que aspiram por uma reforma colocam a culpa na recusa dos líderes da igreja em ceder à opinião popular a respeito de controle da natalidade, homossexualidade e celibato clerical. Iannaccone afirma que os dois lados estão certos. “A igreja católica pode ter conseguido chegar a uma singularíssima posição de ‘pior-de-dois-mundos’”, ele escreve, “tendo abandonado posturas marcantes e estimadas nas áreas de liturgia, teologia e estilo de vida, e conservando ao mesmo tempo justamente as demandas que seus membros e seu clero mostram-se menos dispostos a aceitar.”

Porém, se códigos rígidos de conduta, judiciosamente aplicados, provam-se uma vantagem no mercado espiritual, faz sentido que os Estados Unidos, um dos poucos países sem uma religião estatal e com um mercado religioso genuinamente aberto, seja berço de tantas variedades de fundamentalismo e de ortodoxia. O crescimento explosivo do conservadorismo cristão, judaico e islâmico e o lento declínio de denominações mais refinadas como o episcopalismo pode representar não o triunfo das forças reacionárias, mas o resultado natural da competição religiosa.

Será consequência necessária da teoria de Iannaccone que os Estados Unidos estejam destinados a serem dominados pela direita religiosa, pelo menos enquanto seus líderes não forem longe demais? Não necessariamente. Suas observações tem mais a ver com o modo como as igrejas funcionam do que com o que advogam. O ponto central reside em que os fiéis anseiam por um comprometimento entusiástico de seus companheiros de adoração – não que os que anseiam por comprometimento pendem para a esquerda ou para a direita.

Reconhecidamente, devoção e ideias absolutistas tendem a andar juntas. É mais fácil aliciar os afiliados de correntes competidoras quando você pode asseverar que seu modo de vida provê acesso exclusivo à verdade. Porém, se o desejo por conexões abundantes e por uma comunidade forte representa mesmo que uma pequena parte da atração de uma vida religiosa rígida, as soluções de Iannaccone para a questão dos aproveitadores podem prover valiosas percepções, mesmo para igrejas e sinagogas menos rigorosas. Ministros metodistas podem permitir-se exigir mais oração e mais trabalho voluntário de seus congregantes. Rabinos do movimento judaico conservador (que são menos rígidos do que os do judaísmo ortodoxo) podem exercer maior pressão para que suas congregações mantenham-se kosher, estudem o Talmude e visitem os enfermos. Não há motivo para que níveis elevados de comprometimento religioso não estejam ligados a teologias liberais ao invés de conservadoras, a posturas de ceticismo e de dúvida ao invés de discursos fundamentalistas, se for nisso que creem e preguem pastores e rabinos. Demandas mais elevadas podem acabar gerando igrejas e sinagogas menores, mas o papa Bento XVI pode ter acertado em cheio quando, ainda cardeal, disse a um jornalista alemão que o futuro da igreja católica está em igrejas menores formadas por seguidores mais dedicados – um cristianismo “caracterizado pela semente de mostarda,” como ele coloca.

O maior obstáculo para essas reformas por parte dos líderes liberais é, naturalmente, a imaginação liberal, que tende a associar ritos tradicionais a uma postura retrógrada, ignorante e de extrema direita. Porém o mundo está repleto de seitas rigorosíssimas com praticantes cuja postura política não se presta a uma categorização fácil. Pense no pacifismo dos quacres, ou no ativismo contra a pena de morte por parte de muitos católicos. Como entenderam os grandes líderes religiosos do mundo, ritual é teatro: você pode usá-lo para passar a mensagem que quiser.

Judith Shulevitz, Slate Magazine, maio de 2005

terça-feira, 14 de junho de 2011

Idas e vindas da virtude

Ricardo Gondim
Mal-aventurado o africano
porque a humanidade lhe ensinou a pescar
no rio do desengano. 
Desgraçado o que soube descansar
no colchão desumano
onde piolhos picam até cansar. 

Mal-aventurada a mãe que chora
no morro do Rio de Janeiro;
é ela que, em toda hora,
contempla o rés do chão traiçoeiro,
para ela não haverá desforra.
Nenhum cavalheiro
lhe fornecerá o lenço
para suavizar a face
que a lágrima acalora. 

Mal-aventurado o velho
que jaz alucinado
na suja enfermaria sem espelho;
por toda eternidade
ele se imagina aprisionado,
vendo escaravelho
no lustre empoeirado. 

Mal-aventurados os generais
que festejam seus faustos feitos;
eles sorvem um vinho pleno de ais;
sem felicidade nos coitos
sabem que suas mulheres são iguais
às meretrizes menos geniais.  

Mal-aventurados os religiosos
que das verdades fazem dardos 
e com elas proferem males rancorosos.
Eles condenam seus convertidos
a viverem como eternos medrosos. 

Bem-aventurados os que se contentam com a vida;
eles aceitam qualquer migalha divina
como bênção dividida.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de beleza;
eles caminharão como filhos de poetas,
comerão seus versos na sala da realeza
e só eles perceberão na graúna
partituras completas. 

Bem-aventurados os trapezistas
que no circo se balançam perigosamente;
eles nos tiram as vistas
pois somos pobres ilusionistas
que também nos penduramos em fitas
esperando despencar subitamente.

Bem-aventurados os maratonistas
que correm sem esperança de prêmio;
eles buscam suas metas
só pela alegria das conquistas.

Bem aventurados os impotentes;
que se sabem incapazes de amar,
só eles se enxergam carentes
e  só neles o Espírito se vai derramar.

Soli Deo Gloria

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Narrativa versus teologia

QUANDO O GRANDE RABINO Israel Shem Tov via a desgraça ameaçando os judeus era seu costume ir a um certo lugar da floresta para meditar. Ali ele acendia uma fogueira, proferia uma oração especial e o milagre era realizado e o infortúnio evitado. Mais tarde quando seu discípulo, o celebrado Magid de Mezritch, teve oportunidade, pela mesma razão, de interceder ao céu, ele foi ao mesmo lugar na floresta e disse: “Senhor do universo, ouve: não sei acender uma fogueira, mas sou ainda capaz de proferir a oração”, e novamente o milagre foi realizado. Ainda mais tarde o rabino Moshe-leib de Sasov, a fim de salvar seu povo mais uma vez, foi à floresta e disse: “Não sei acender uma fogueira e não conheço a oração, mas conheço o lugar da floresta e isso deve bastar”. Bastou e o milagre foi realizado. Então recaiu sobre o rabino Israel de Rhyzin afastar o infortúnio. Sentado em sua poltrona, cabeça entre as mãos, ele disse a Deus: “Não sei acender uma fogueira, não conheço a oração e não sei achar o lugar na floresta; tudo que posso fazer é contar a história, e deve bastar”.

Bastou. Deus fez o homem porque adora histórias.

Tudo [...] parece indicar que a história de Deus e as nossas histórias são de alguma forma experiências originais. Talvez seja aqui que resida nossa “imagem e semelhança”: somos parágrafos da mesma história.

No devido tempo, no entanto, algo aconteceu em nossas histórias mútuas. Foi inevitável e de fato necessário. As pessoas, agraciadas com inteligência pelo Deus da mesma história, começaram a refletir sobre nossas histórias conjuntas. Com o tempo os homens começaram a tirar conclusões e finalmente codificaram essas conclusões em proposições, sistemas e credos. O resultado foi o que chamamos de teologia sistemática.

Deve ser depressa notado, no entanto, que essa teologia não é a coisa em si, a experiência crua de nossas histórias. É uma classificação intelectual das experiências a fim de podermos conversar a respeito delas de forma filosófica. É uma coisa boa e necessária e dá aos profissionais as categorias e vocabulário necessários para falarem entre si e nos ensinarem.

Há no entanto dois inconvenientes nesse desenvolvimento, inconvenientes que apenas recentemente estamos tentando superar. O primeiro é que essa intelectualização é feita invariavelmente dentro dos modos correntes de pensamento e está baseada nas suposições de filosofias passadas e contemporâneas – que são limitadas e condicionadas. A teologia sistemática codificada está irremediavelmente embutida num sistema específico e isso afeta suas conclusões e expressões. Em segundo lugar, todas as teologias sistemáticas, até hoje, são fechadas a outros com diferentes pressuposições e fundamentos, e são apenas uma peça do todo. Por essas duas razões as teologias sistemáticas são limitadas, ultrapassadas e parciais.

William J. Bausch, Storytelling: Imagination and Faith
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