quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mais uma catástrofe



Ricardo Gondim

Por qualquer critério de justiça, os haitianos deveriam constar entre os últimos a receberem os ataques da fúria divina. Não é necessário repassar os índices da miséria que os assola; miséria crônica, injusta, maligna. No Haiti, a mortalidade infantil é campeã e a anarquia política contribui para que a pouca riqueza seja pessimamente distribuída. Tenho amigos que trabalham na Visão Mundial e já sabia dessas estatísticas. Como poderia vir sobre este povo tão sofrido um terremoto de proporções épicas? Qual o sentido de matar indiscriminadamente feiticeiros anônimos, a preciosa Zilda Arns, bebês, empregados da ONU que lutavam pela paz, turistas e soldados brasileiros?

Quando recebi a notícia do cataclismo, fiquei sem ação. O Haiti fica longe. Impotente, procurei expressar meu pesar. Chorei diversas vezes diante da televisão. Era véspera do meu aniversário. Atropelado por cenas horrorosas, tentei, mais de uma vez, coordenar minhas convicções, ligar os pontos de minha espiritualidade, descer do pedestal de minha verdade. Naquele momento frágil, vi que era necessário, pelo menos, esvaziar afirmações simplistas que formaram o chão de minha fé por muitas décadas. Diante de cenas grotescas, continuar com as mesmas declarações não só me distanciaria do sofrimento humano, como deformaria ainda mais a minha relação com Deus.

Mas parece que cada texto que escrevo, no dia seguinte a uma tragédia, provoco inquietação em fundamentalistas, liberais, ortodoxos, pensadores narrativos (sem pretensão de minha parte). Dos ortodoxos vêm os golpes mais mordazes: “Incoerente, irresponsável com o texto bíblico, propagador de um Deus pequeno e desnecessário”. Os demais criticam por que “busco respostas onde não existe”. Muitos estão contentes com o mistério. E repetem que não se deve querer especular. “A hora é de estender a mão ao que sofre”. Embora goste mais da crítica do liberal, confesso que despejei no papel minha inquietação só porque precisava quebrar possíveis paredes que me afastavam dos que sofriam. Mas, de novo, dei-me muito mal.

Sei que não adianta explicar nada. As trincheiras estão formadas. Entendo que não converterei ninguém – e nem estou interessado nisso. Entretanto, como a internet é veículo de comunicação rápido, também é suscetível a deturpações. Devo tentar debulhar melhor alguns pensamentos – talvez acirre ainda mais os ódios e as incompreensões, mas acho que vale a pena.

Procurarei esboçar ponto por ponto.

1. Os mistérios insondáveis. Sempre que em uma sinuca de bico com as convicções, parece fãcil escapar com afirmações: “isso é mistério e não convém perder tempo especulando sobre o que a gente não sabe”. Embora eu concorde em parte com esse tipo de raciocínio, acredito que muitas vezes essa postura reflete preguiça ou indisposição de demolir antigos conceitos. Não acredito que seja pecado perguntar (Em Isaías, Deus manda que o povo o questione). Alguém me provocou no twitter se eu queria “repensar tudo”. Outra pessoa respondeu por mim, e eu concordei: “E por que não?”. Sinceramente, não acredito que a fé se perde diante de perguntas difíceis. Pelo contrário, se alguma convicção não se sustentar diante do inquiridor mais feroz, talvez não mereça continuar. Perguntas podem levar a novas perguntas e a outra e outras. Mesmo que fiquemos sem resposta, o aprofundamento das questões e a busca por mais respostas é por si só, fascinante.

2. Dissimular o argumento com frases piedosas. Geralmente o debate se esvazia antes que se consiga pensar nos conteúdos porque vem precedido de frases piedosas. “Então, você está querendo acabar com a soberania de Deus?”. Essa afirmação já coloca o debate sob suspeita. Ora, se no pensamento do movimento evangélico Deus planejou, governa, gerencia, administra, todas as coisas então só um herege doido pode duvidar. Não adianta querer argumentar, a pessoa deixará de ouvir o que será dito dali em diante. Os religiosos são assim, qualquer um: espírita, muçulmano, católico, protestante. As verdades são aceitas sem racionalidade e qualquer tentativa de chamar ao bom-senso esbarra na questão da fé. “Eu creio assim e não admito que você tente me dissuadir do contrário”. Ponto final. Acontece que o Evangelho afirma que a verdade liberta. Se a verdade não pode ser confinada aos parâmetros anteriormente riscados, é preciso coragem para confrontar, duvidar. Colocar em xeque todos os alicerces das convicções é salutar. Por que não testá-las diante de tragédias? Degustá-las no silêncio? Ferí-las com os estiletes que até os ateus usam?

3. Deus tem tudo sob seu controle? Sim e não! A ambigüidade não é minha, mas do texto bíblico. A Bíblia, ao contário do que preconizam os fundamentalistas, não é homogênea. Existem sim textos, principalmente no Antigo Testamento, em que Deus é apresentado em total controle de cada mínimo detalhe de vidas e de acontecimentos históricos. Contudo, outras passagens mostram claramente que sua vontade não é sempre cumprida.

Está escrito em Lucas 7.30 que os indivíduos possuem liberdade de dar as costas ao conselho ou propósito (grego, boulê) de Deus: “Mas os fariseus e os peritos da lei rejeitaram o propósito (boulê) de Deus para eles, não sendo batizados por João”.

Também está escrito em Lucas 13.34 que a vontade (grego, thelô) de Deus pode ser frustrada. O lamento de Jesus sobre Jerusalém é emblemático: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram!”.

Se a sua vontade pode ser frustrada por um fariseu, também pode por um estuprador. Portanto, o estupro seguido de morte da mocinha pobre não era da vontade de Deus! A favela não é da vontade de Deus. A criança que morre de diarréia no alto da Amazônia não é da vontade de Deus. O dinheiro da corrupção depositado na Suíça não é da vontade de Deus. E se nada disso é da sua vontade, o malvado não cumpre qualque propósito, mas expressa rebelião contra o Senhor. Deus não está no controle da chacina, do genocídio, do campo de concentração, porque se estivesse viveríamos no céu, no Paraíso, menos na terra.

Pensar em soberania como um preceito teológico desconectado da vida, mas em sintonia com textos pinçados criteriosamente para fazer valer a doutrina, parece ortodoxo, mas transforma Deus em parceiro de facínoras. Os calnivistas dormem bem com esse tipo de lógica. Eu não.

Esses pontos são suficientes para que os inimigos que ganhei com o Tsunami da Ásia se enfurecessem com o Terremoto do Haiti. Não, não ofereço todas as respostas para a morte estúpida e desnecessária de mais de cem mil almas. Contudo, assim como o pensamento do judaísmo mudou com Auschwitz, espero que a minha ortodoxia cristã seja outra depois de Porto Príncipe. Continuo disposto a provocar novas inquietações e a suscitar novas perguntas. Se não conseguir esclarecer coisa alguma, pelo menos vou me despedindo das respostas simplistas de outrora. Para mim, isso será suficiente.

Soli Deo Gloria

6 comentários:

SOS DIREITOS HUMANOS disse...

DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ – UMA HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONHECE PORQUE JAMAIS FOI CONTADA...




"As Vítimas do Massacre do Sítio Caldeirão
têm direito inalienável à Verdade, Memória,
História e Justiça!" Otoniel Ajala Dourado




O MASSACRE APAGADO DOS LIVROS DE HISTÓRIA


No município de CRATO, interior do CEARÁ, BRASIL, houve um crime idêntico ao do “Araguaia”, foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará em 10.05.1937, contra a comunidade de camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, que tinha como líder religioso o beato "JOSÉ LOURENÇO", paraibano de Pilões de Dentro, seguidor do padre Cícero Romão Batista, encarados como “socialistas periculosos”.



O CRIME DE LESA HUMANIDADE


O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.


A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA SOS DIREITOS HUMANOS


Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará É de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO é IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira e pelos Acordos e Convenções internacionais, por isto a SOS - DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - CE, ajuizou em 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que: a) seja informada a localização da COVA COLETIVA, b) sejam os restos mortais exumados e identificados através de DNA e enterrados com dignidade, c) os documentos do massacre sejam liberados para o público e o crime seja incluído nos livros de história, d) os descendentes das vítimas e sobreviventes sejam indenizados no valor de R$500 mil reais, e) outros pedidos



A EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO DA AÇÃO


A Ação Civil Pública foi distribuída para o Juiz substituto da 1ª Vara Federal em Fortaleza/CE e depois, redistribuída para a 16ª Vara Federal em Juazeiro do Norte/CE, e lá foi extinta sem julgamento do mérito em 16.09.2009.



AS RAZÕES DO RECURSO DA SOS DIREITOS HUMANOS PERANTE O TRF5


A SOS DIREITOS HUMANOS apelou para o Tribunal Regional da 5ª Região em Recife/PE, argumentando que: a) não há prescrição porque o massacre do Sítio Caldeirão é um crime de LESA HUMANIDADE, b) os restos mortais das vítimas do Sítio Caldeirão não desapareceram da Chapada do Araripe a exemplo da família do CZAR ROMANOV, que foi morta no ano de 1918 e a ossada encontrada nos anos de 1991 e 2007;



A SOS DIREITOS HUMANOS DENUNCIA O BRASIL PERANTE A OEA


A SOS DIREITOS HUMANOS, igualmente aos familiares das vítimas da GUERRILHA DO ARAGUAIA, denunciou no ano de 2009, o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos – OEA, pelo desaparecimento forçado de 1000 pessoas do Sítio Caldeirão.


QUEM PODE ENCONTRAR A COVA COLETIVA


A “URCA” e a “UFC” com seu RADAR DE PENETRAÇÃO NO SOLO (GPR) podem encontrar a cova coletiva, e por que não a procuram? Serão os fósseis de peixes procurados no "Geopark Araripe" mais importantes que os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO?



A COMISSÃO DA VERDADE


A SOS DIREITOS HUMANOS deseja apoio técnico para encontrar a COVA COLETIVA, e que o internauta divulgue esta notícia em seu blog, e a envie para seus representantes na Câmara municipal, Assembléia Legislativa, Câmara e Senado Federal, solicitando um pronunciamento exigindo do Governo Federal que informe o local da COVA COLETIVA das vítimas do Sítio Caldeirão.



Paz e Solidariedade,



Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
Membro da CDAA da OAB/CE
www.sosdireitoshumanos.org.br

Anônimo disse...

Leio esse site sempre. Parabéns pela iniciativa do autor.

Maria Parenteau disse...

Meu irmao querido, "O anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-o, e lhe disse: Levanta-te e come, porque demasiado longa te será a viagem." I Reis 19:7 Penso que voce esta quase so no Brasil, e claro que existem 7
mil mais iguais a voce, mas voce estara praticamente so num pais de ignorantes (nao leen, nao querem pensar, nao querem saber). Que O Senhor te abencoe com coragem, e que Ele supra as suas necessidades de uma tal meneira que voce realmente nao prescise de ninguem. E que voce seja essa luz nas trevas. Vem aqui me visitar um pouco, vem descansar da luta. Conte comigo.

Ftª Vivian Pimenta disse...

olá FZC, eu pedi sim pra vc rever seu conceitos no twitter, mas em relação ao que vc fala sobre os cristãos que se reunem em multidões ou marchas e etc. Eu Creio que DEUS nos ama sempre, se existem catastrofes é para cumprir a sua palavra pois Jesus diz que nos fins dos tempos isso aconteceria, acredito também que isso é castigo. É isso mesmo castigo. Não devemos julga-lo mas temos que aceitar. Todos os dia nos proclamamos o nome Dle pedimos, agradeçemos, mas a resposta virá boa ou não.
Acho que somos cheio de ego centrismo, sim pensamos somente em nos, e recomendo pra nosso crescimento de ser mais humanos, ler noticias que mostra aquilo q não vemos as vezes por não ligar. Vi uma pregação do pastor do Rio que falou "como podemos comer em uma mesa farta, e assistir na tv pessoas morrendo de fome" é o MUNDO, no dia do julgamento de DEUS a recmpensa virá para aquela pessoa que se moveu do seu conforto e foi até nos limites para fazer a diferença. Por isso ELE permiti que desastres acontecem pessoas morram, passam fone.
É diferente do que vc diz eu não só vivo dentro do meu aquário, tenho certeza que faço diferença aqui onde DEUS me colocou. E devemos nos unir (sem nome de igreja) para louvar o seu poderoso nome DEUS, pedir pelo livramento e pelas desgraças que alcança o mundo hj.

Suênio Alves disse...

Nossas teologias são diferentes, vivian...
nao acredito num Deus que tenha propósitos na morte de crianças, homens e mulheres...Sou ateu a um Deus que age assim...
Acredito num Deus de amor, e de vida onde estes fatos são tão tristes pra ele quanto para a mãe que perdeu seu filho soterrado...

@MsErikaPaes disse...

Oii.. Sempre leio seus tweets e hoje olho pra mim mesma e penso: "aonde eu estava este tempo todo que não vi isso???" parabéns mesmo pela sua coragem de mostrar a todos sua opniao... Mas devo confessar que uma coisa me chamou mais atenção que seu post.. Este comentario ai de que tudo o que está acontecendo "é castigo" e pior- de DEUS!!! Isso foi a coisa mais triste que ja li nos ultimos dias... Como pode uma pessoa que se diz filho dele pensar assim? Qual o pai que quer mal aos seus filhos??? Deus nos ama tanto que ao invés de fazer que um de nós morresse numa cruz ele entregou o verbo vivo "que se fez carne e habitou em nosso meio". Como pensar que as catastrofes são somente Castigo divino?
Sabe aquela velha história que toda ação gera uma reação de mesma intensidade e contrária? Então... Nós jogamos toneladas de lixo na natureza, desmatamos florestas, poluímos o meio ambiente e destruimos a camada de ozônio e achamos que vai ficar tudo numa boa!!! Sabe de quem é a culpa de mais de 500 Mortos nas regioes serranas do rio? De Deus por acaso? Não! É NOSSA!!! Mas é tão mais facil culpar a Deus...


Parabéns pelo blog e não se abata por criticas ruins!

Abraço.

Related Posts with Thumbnails