quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Na Paulista, com uma lâmpada fluorescente


“Um grupo de cinco jovens de classe média, estudantes de um colégio particular, foi preso ontem acusado de atacar quatro pessoas na região da avenida Paulista. A polícia diz haver indícios de motivação homofóbica. As agressões foram realizadas através de chutes, socos e com bastões de lâmpadas fluorescentes.”
Se eles fossem de classe social mais baixa, certamente alguns textos que apareceriam na imprensa teriam uma cara sutilmente diferente:
“Uma quadrilha composta por menores da favela do Macaco Molhado foi presa ontem ao atacar quatro pessoas na região da avenida Paulista. A polícia diz que a motivação foi claramente homofóbica. As agressões eram feitas com chutes, socos e até com bastões de luz branca.”
Rico é jovem, pobre é bandido. Ao rico, o direito à dúvida (o que deveria ser o padrão, sem julgamentos sumários), ao pobre o tiro implacável da certeza. Um é a criança que fez coisa errada, o outro um monstro que deve ser encarcerado. O pai de um deles ontem, num momento difícil, minimizou, dizendo que eram apenas crianças que estavam chorando na delegacia, trancafiados como bandidos.
Há jornalistas e veículos de comunicação que não fazem diferenciação pelo tamanho da carteira. Se a pessoa é rica ou pobre, tratam-na da mesma forma quando acusada de um crime. Outros, não. Seja pela falta de seguir um manual de redação decente, pela inexistência de autocrítica ou pela subserviência com uma elite local, utilizam um “dois pesos, duas medidas” claramente baseada na origem social.
Tenho minhas dúvidas de como a notícia sairia se fosse diferente. Provavelmente, na hora em que o estagiário que faz a checagem das delegacias se deparasse com a informação, ouviria algo assim: – Pobre batendo em pobre? Ah, acontece todo dia, não é notícia. Além disso, é coisa deles com eles. Então, deixem que resolvam. Amigos que trabalharam em uma rádio desse Brasil grande sem porteira já ouviram algo muito parecido, mas mais cruel… É triste verificar mais uma vez que o conceito de notícia depende de qual classe social pertencem os protagonistas. Somos lenientes com os nossos semelhantes e duros com os outros.
Tempos atrás, um grupo de jovens de classe média espancou uma empregada doméstica no Rio de Janeiro. Sob justificativa de que acharam que era uma prostituta. Ah, bom, assim tudo bem… A desculpa é bastante esclarecedora. Puta pode. Assim como índio e mendigo. Lembram-se do Galdino, que morreu queimado por jovens da classe média enquanto dormia em um ponto de ônibus em Brasília? Ou a população de rua do Centro de São Paulo morta a pauladas também enquanto dormia? Até onde sabemos, apesar dos incendiários brasilienses terem sido presos, eles possuem regalias, como sair da cadeia para passear. E na capital paulista, o crime permanece impune até hoje.
Na prática, as pessoas envolvidas nos casos do Rio, São Paulo e Brasília apenas colocaram em prática o que devem ter ouvido a vida inteira: gays, prostitutas, índios e mendigos são a corja da sociedade e agem para corromper os seus valores morais e tornar a vida dos cidadãos de bem um inferno. Seres que vivem na penumbra e nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos. E por que não incluir nesse caldo as empregadas domésticas, que existem para servir?
A sociedade tem uma parcela grande de culpa em atos como esse e os dos jovens que se tornam soldados do tráfico por falta de opções e na busca por dignidade. A culpa não é só deles.
Como já disse aqui anteriormente, a diferença é que para os da classe média e alta, passamos a mão na cabeça. Para os pobres, passamos bala.

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