segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Selo da Humanidade

Para Paulo, isso implicava na renúncia de palavras elevadas de sabedoria e de qualquer exibição de seu próprio poder espiritual (muito embora, no seu tempo e no seu contexto, o uso desses recursos poderia ter assegurado seu conceito e impacto como verdadeiro homem de Deus). Para Paulo, a palavra de Deus é a palavra que ele só é capaz de proferir na realidade de sua própria humanidade [...] Da mesma forma, ao discutir a fala durante a adoração, ele instrui sua congregação a não entregar-se à sua própria plena possessão do Espírito, mas a falar de modo compreensível e razoável, A humanidade tornou-se o sinal e o selo da divindade da palavra.a fim de que o incrédulo a compreenda, seja confrontado e tome consciência de que o próprio Deus o está chamando, e possa confessar: “Deus está de fato entre nós!”
A palavra de Deus, portanto, deve ser entregue humanamente, e sua divindade deve ser proclamada e apreendida em sua humanidade. Precisamente por essa razão Paulo não se comportou como um dos milagreiros que naquele tempo enchiam o mundo, como alguém que tem à sua disposição poderes e revelações divinos. Ao contrário, entregou sua palavra e fez o seu trabalho de modo muito singelo, como servo de Cristo, como prisioneiro de Cristo simultaneamente liberto por Cristo, como mordomo dos mistérios de Deus que deseja ser julgado por Deus e pelos homens exclusivamente pela medida da sua fidelidade: pois a palavra de Deus não chega até nós senão na vestimenta dessa humanidade.
[...]
O segredo primário e intrínseco ao qual nos direciona a mensagem do Novo Testamento é de que a palavra de Deus tornou-se um com a palavra humana: que veio até nós e tornou-se compreensível numa palavra humana. Sob essa luz é necessário ponderar a fundo a mensagem do próprio Jesus nos evangelhos [...] A palavra de autoridade de Jesus soa sempre inteiramente humana: a palavra de Deus na mais simples das palavras humanas.
Quando se considera que todas as religiões, e em particular a religião judaica do tempo de Jesus, tinha antes de tudo que colocar em andamento um poderoso aparato de sacrifício e de culto, de ordenanças hierárquicas e tradições sagradas, de teologia e de aprendizado das escrituras, a fim de unir Deus e homem e ordenar o seu relacionamento mútuo, percebe-se com maravilha e assombro o quanto tudo é diferente nos evangelhos quando Jesus encontra os homens, entrega sua mensagem e realiza seus feitos. Sob sua palavra, toda a rígida estrutura social em que todos – judeus e gentios, religiosos e irreligiosos, fariseus e pecadores – têm seu lugar imutável, torna-se nula e sem efeito: cai por terra [...] Aqui não é necessário que sejam dadas cansativas instruções dogmáticas, que algum teste seja feito, que qualquer exame de fé seja conduzido, que quaisquer pressupostos sejam antes de tudo estabelecidos, a fim de que aquele que a ouve receba a mensagem. Ao mesmo tempo, nada há de promessas vazias, de intenções e de esperanças vagas para um futuro incerto. A palavra de Deus tornou-se uma com a mais simples das palavras humanas: é esse, na verdade, o mistério de toda a mensagem de Jesus. A humanidade tornou-se muito claramente o sinal e o selo da divindade da palavra.
 
Günther Bornkamm, Early Christian Experience (1957),
 

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