terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Ação sóciopolítica e a justificação pela fé

Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Adital


Uma das perguntas que comumente se houve quando alguém se dedica a ações e lutas em favor dos mais pobres, dos mais vulneráveis e os mais marginalizados na sociedade é "o que você ganha com isso?”

Esta é uma pergunta razoável, pois de fato, se a ação é realmente bem-intencionada, isto é não visa autopromoção (de si ou do seu grupo, partido ou Igreja), não se ganha muita coisa; e com certeza terá problemas e incompreensões. É claro que no início há o idealismo e o entusiasmo de estar construindo um mundo melhor; e também o reconhecimento de outros que notam a diferença dessas iniciativas. Mas, com o passar do tempo, o entusiasmo do início é substituído pela rotina, os reconhecimentos desaparecem porque não é mais novidade e surge também um certo desencanto com os resultados que ficam muito abaixo das nossas expectativas. E aos poucos vamos desistindo do nosso idealismo e tornando-nos mais "amadurecidos” e nos adaptando ao nosso mundo em redor. O "Espírito do Mundo” acaba nos tomando por dentro, pouco a pouco.

Quando a rotina chega e as frustrações ou decepções vão minando o nosso entusiasmo, é tempo de justificar para nós mesmos a razão da nossa "rebeldia” frente aos valores e práticas do "mundo”. Se não encontramos essa justificação, corremos o risco desistirmos ou de nos "burocratizarmos” nas nossas ações sociais ou na vida religiosa, tornando-nos meros cumpridores de ações e ritos que não questionam o sistema sócio-cultural e o seu espírito, e nem alegram a nossa vida.

As pessoas integradas no sistema capitalista têm as suas aspirações e ações justificadas pelos valores e ideologia (incluindo o sistema religioso) do sistema. Pessoas que descobriram que esses valores e ideologia são desumanizadoras precisam encontrar um outro modo de justificar as suas ações e vidas.

O argumento bastante usado na luta ambiental de que devemos cuidar da natureza para que nós e nossos descendentes possamos ter uma boa vida é alternativo à ideologia neoliberal, mas não é suficiente para justificar as ações em favor dos excluídos. É uma justificação ainda centrada na noção da preservação de "nós”, de "nossos interesses”. Não é suficiente para justificar lutas e solidariedade em favor dos mais excluídos do campo que compõe o "nós” (por ex., pessoas que estão morrendo na miséria em algum ligar perdido no mundo ou mulheres que são submetidas à violência e opressão em nome de valores religiosos e culturais considerados sagrados pela sua comunidade).

Quando não há nenhum sistema de pensamento filosófico, jurídico ou religioso reconhecido pela sociedade que justifique essas ações e modo de vida, é preciso recorrer ao ensinamento do Paulo apóstolo: essa "opção pelos pobres e excluídos” é justificada pela fé. Mas, não uma fé em um sentido genérico; como se todo e qualquer tipo de fé fosse humanizador. Paulo estava se referindo a fé em Jesus, que morreu na cruz, condenado pelo sistema filosófico-jurídico-político romano e pela religião a que ele pertencia. Isto é, as ações e a vida de Jesus não podiam ser justificadas pela "razão” vigente, pela "sabedoria do mundo” (cf. 1Cor 3).

Ser cristão (o argumento também vale para membros de outras religiões) não é ter devoção a Jesus, mas sim seguir o caminho de Jesus. Viver como Jesus viveu, como Jesus viveria hoje. O que justifica ser solidário/a com os mais pobres e assumir lutas que não nos gerarão nenhum ganho extra para nós é o desejo de viver como Jesus viveu, desejo de sermos testemunhos/as do amor gratuito de Deus por toda a humanidade.

Madre Teresa de Calcutá (a quem fiz referência no artigo anterior), quando estava pedindo a sua saída da Congregação das Irmãs de Loreto – onde atuava em uma escola para classe média – para trabalhar com as pessoas miseráveis da Índia, justificou este seu desejo (não compreendido pela maioria) escrevendo: "Devo ir-me –a Índia é tão abrasadora como o inferno– mas suas almas são belas e preciosas porque Sangue de Jesus as alcançou”. Esta linguagem religiosa tradicional, escrita em 1923, não deve fazer-nos perder o foco do mais importante: o que a levou a assumir uma vida que sabia que seria muito difícil foi a sua fé de que essas pessoas miseráveis também eram amadas de forma radical por Jesus. A mudança radical da sua vida foi justifica pela sua fé; e a sua vida foi movida pelo desejo, como ela escreveu, de "fazer o mesmo trabalho que Jesus fazia quando estava na terra”.

[Autor, com Hugo Assmann, do livro "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus].

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