quarta-feira, 23 de março de 2011

Por um avivamento pentecostal

Ricardo Gondim

Desde suas raízes, o movimento evangélico se fortaleceu no calor apologético. No final do século 19, a Alta Crítica junto ao revisionismo das escolas alemãs forçou alguns segmentos mais conservadores e herdeiros do pietismo e puritanismo europeu a buscarem solidificar posições. O fundamentalismo buscou simplesmente resumir o que considerava os pontos inegociáveis da fé cristã. Para ele, a inerrância da Bíblia, o nascimento virginal, a expiação mediante a fé na cruz e a volta triunfal de Cristo para arrebatar a igreja constituíam-se os alicerces da fé.


Contudo, o fundamentalismo ficou tão hermético e sectário que antes da década de 50 alguns como Carl Henry, fundador da revista “Christianity Today”, e o evangelista Billy Graham perceberam que ele carecia de oxigênio. Pensadores mais ecumênicos e menos intolerantes se uniram para solidificar o Movimento Evangélico, conhecido nos Estados Unidos como “Evangelical Movement” (até então, os “evangelicals” não aceitavam os pentecostais, só recebidos mais tarde, depois que cresceram numericamente e já não podiam ser tratados como seita).


Nos primeiros anos, os evangélicos eram considerados um segmento “diferente” dos antigos fundamentalistas. Segmento que dialogava com intelectuais e não descartava a cultura como mundana. Assim, o fundamentalismo recrudesceu. Isolado, perdeu representatividade, enquanto os “evangelicais” se tornaram notórios, famosos e ricos.


O Movimento Evangélico se consolidou no Ocidente como uma forte expressão do protestantismo. Empreendeu grandes projetos missionários, definiu os cânones literários e teológicos na formação de lideranças. Expandiu sua influência pela América Latina; construiu seminários e deu o perfil do que identificou como protestantismo.


Porém, mesmo nos Estados Unidos, os “evangelicals” nunca abandonaram as raízes fundamentalistas. Na década de 70, consumiram os livros de Francis Schaeffer, procurando dar um ar mais acadêmico ao literalismo hermenêutico, e desde o nascedouro sempre fizeram da teologia sistemática manual obrigatório nos seminários.


O Movimento Evangélico desejava fazer teologia nas mesmas categorias que a academia secular, com critérios científicos de compreensão de Deus. Com hermenêutica, exegese e estudo das línguas originais, pretendia chegar à verdade objetiva do texto sagrado.


Os tempos mudaram; paradigmas envelheceram. O mundo percebeu que as lentes racionais da modernidade eram insuficientes para se chegar à “verdade última”. Sem notar, as escolas pós-modernas de compreensão da verdade concordaram com Paulo, quando afirmou que “a letra mata, o espírito vivifica”. Hoje, lê-se para chegar aos afetos, não à exatidão de uma verdade “verdadeira”. O que o Espírito quer falar nas entrelinhas? Talvez seja uma pergunta mais pertinente. Não se busca entender, decodificar ou autenticar uma verdade, mas percebê-la com o coração.


A cosmovisão pós-moderna não se interessa em discorrer sobre temas como justiça e verdade, mas em como encarná-los. A questão posta não é mais a repetição de dogmas tidos como verdadeiros, mas a integridade com que se vive. Credibilidade e testemunho são expressões em voga. O desafio é adensar o que se pensa com a vida.


Acontece que o movimento evangélico continua com o paradigma da modernidade. E a modernidade permanece com o “Cogito ergo sum” (Penso, logo existo), já ultrapassado.

Nenhum texto é maior que a realidade. Não é preciso cogitar, mas ser. Revertamos em nós mesmos as palavras iniciais do Evangelho de João: “O Verbo se fez carne”. A contrapartida humana consiste em nos fazermos em verbo; tornar nosso discurso a nossa vida e fazer de nossa vida o nosso discurso. Ghandi afirmou: “Devemos ser no mundo a mudança que queremos ver no mundo”.


Conseguimos pouco, mas urge transformar-nos no que proclamamos e escrevemos. O evangelicalismo nos apresentou a teologia como uma disciplina técnica, que nos ajuda a “entender” com exatidão quem Deus é e como ele se relaciona com os seres humanos. Porém, nenhuma técnica ilumina. O que ilumina é o sentir, o perceber, o vivenciar. Precisamos escalar uma montanha interior, atingir os patamares sensitivos, que vêm do Espírito Santo. Ele é o transmissor da vida que desejamos; ele reveste de virtude. Ele gera testemunhas.


Hans Burki gostava de repetir a frase “we need to learn the unlearnable” (Precisamos aprender o “inaprendível”). Santo Agostinho afirmava que Deus tem filhos que a igreja não tem. Hoje, depois que muito já observei, acredito poder dizer: Deus tem se revelado a muitos filhos sem precisar de nossas doutrinas. Talvez, o descrédito que o Movimento Evangélico experimenta seja revertido por um novo Pentecoste. Assim espero!


“Soli Deo Gloria”.

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