quarta-feira, 27 de abril de 2011

Como é difícil pensar fora da caixa

Ricardo Gondim
Os mais idosos ganham certos direitos com a idade. Não precisam esperar em filas, têm desconto nas bilheterias dos teatros e, no Brasil, não pagam passagem de ônibus. Envelhecer tem outras vantagens menos óbvias. Os mais experientes ganham o privilégio, por exemplo, de se zangarem. Permitimos que reclamem dos barulhos inconvenientes, de casa mal arrumada e de outros detalhes que chateiam. 

Estou longe de tornar-me um velho, mas já reivindico pelo menos um privilégio: quero o direito de me aborrecer com pessoas preguiçosas para pensar. Descobri também um horror: o universo dos indolentes mentais é muito maior do que jamais imaginei. Dou exemplo. Um aluno de teologia visitou meu site e mandou a seguinte mensagem: 

“Ricardo, meu professor advertiu-me que você vem escrevendo muitas heresias e que eu devo fugir de sua influência perniciosa. O que você tem a me dizer? É verdade”? 

Confesso que meu sangue cearense, “cabra da peste”, ferveu. Tive vontade de jogar qualquer escrúpulo às favas, vestir o uniforme de idoso, e responder ao noviço: “Senhor bobão, você acabou de acessar um site com centenas de textos que escrevi nos últimos quatro ou cinco anos. Por que não se dar ao trabalho de ler e tirar, por você mesmo, algumas conclusões?”. 

Imaginei que feriria a sensível piedade do jovem. Apaguei a mensagem, contei até dez e não respondi nada. Mas fiquei remoendo, com vontade de escrever uma única frase: “Realmente, não parece justo que haja tanto empecilho para a liberdade e que seja tão fácil aceitar cabrestos”.

Pensar não é difícil. Pode ser perigoso, mas não é complicado; pode ser trabalhoso, mas não é proibido. 

Prefiro correr o risco de me expor às ameaças de um grupo que me rotula como herege peçonhento a ser encabrestado por um mestre obtuso e preconceituoso. É muito mais digno ter opinião própria do que regurgitar preconceitos mal digeridos por alguém.

A religião tenta preservar-se. Para isso, cria “guantánamos”. Os “Galileus”, que ousam afirmar suas constatações, são odiados por sacerdotes até que se retratem. 

Quando alguém se arrisca e pisa fora do quadrado, é caçado, como João Huss que não se conformou com as viseiras farisaicas que lhe foram dadas. Alguns, como Martin Luther King, que não se curvou ao status quo, precisam sumir.

A religião de certezas não tolera uma espiritualidade que aceite quaisquer incertezas. O fariseu precisa de sistemas herméticos para que sua opinião permaneça. Na base da certeza religiosa está a escassez de diálogo. Merecem castigo os que se abrirem à  verdade que não consta nos autos de fé. Diante do dogmatismo, quem se atreve a pedir explicações ganha o exílio.

A elite eclesiástica rotula de apóstata quem tenta olhar por cima das cercas dadas. Ela acha danoso ver se há vida fora do seu pequeno catecismo. Ao religioso não interessa defender o livre pensar. Melhor criar um ambiente de ojeriza aos “rebeldes” para que se duvide o que eles afirmam antes de mesmo de ser dito.

Lamentavalmente, o problema não vem só do censor. Nem todos gostam da liberdade, alguns preferem a canga, o jugo do espírito de manada; cabisbaixos, obedecem, odeiam, rejeitam, sem questionar.

Há momentos em que as prerrogativas do velho me dão vontade de gritar: “Pense, amigo. Por favor, pense!". Outras vezes fico piedoso e quero, de joelhos, implorar: “Meu irmão, leia; busque adquirir a maior riqueza que alguém pode possuir: o bom senso”.

Acho que já tenho idade de confessar nervosismo com gente que se deixou massificar pelo ambiente religioso. Aprendi na internet o hashtag #faleiepronto; então, vai lá o meu: "Não suporto mais conversar com pessoas que se contentam em repetir jargões e não têm coragem de assumir todas as consequências do que acabaram de dizer". 

Mesmo que fique cada dia mais complicado ler mensagens iguais às que recebi do jovem seminarista, estou decidido: vou continuar. Repartirei ideias, percepções e sentimentos que me são caros. Meu único desejo é contribuir com nossa humanização.

E que Deus me ajude!

Soli Deo Gloria

4 comentários:

Fernando Saraiva disse...

Olá Amigo!!!

Gostei muito desse texto, simples mais objetivo - Simples na medida que vc faz com que pensemos em algo além do que usualmente pensamos, e que na realidade não reflete todo o nosso pensamento.

Hoje em dia muitos estão se libertando desse bichinho chamado "religiosismo" e estão abraçando de fato o autor de sua fé.

Sou academico em teologia, é todos nós sem execessaao somos vocacionados a discurtimos sobre a nossa fé, e não simplesmente acatá muitos asneiras que muitos lideres impoem aos seus fies seguidores.

Continue assim!!!

Rogério Augusto disse...

ricardo

continue postando suas reflexões , por que admiro tenho prazer em refletir e meditar nelas e veja te acompanho vo ce fazmais de 6 anos e vejo em você um grande teológo e filósofo e enquanto tem 1 se escondendo na religião tem 10 trasncedendo com você!! eu sou mais 1 com você

André L. disse...

Peço licença para divulgar esse texto no meu blog, com as devidas referências. Sinto-me feliz por compartilhar de seus pensamentos, grande abraço!

Fábio disse...

É foda, mas é o que mais rola mesmo. Continue. Pensadores incomodam demais mesmo. A maioria prefere fazer o que todos fazem, por aceitação social, e ir ao seu clubinho de domingo fazer aquelas coreografias e macacadas que conhecemos, e ser aceito por um grupo, do que realmente viver o que Jesus pregou.

Outro dia fiquei mto de cara com uma dessas mensagens no facebook. Defendo igreja e tal. O cara tinha a cara de pau de falar: "a igreja está cheia de hipócritas. É, sempre tem lugar pra mais um." E falando sobre a igreja: "é o lugar que Deus quer que vc esteja". Ou seja: essas pessoas nunca destacam por em pratica os ensinamentos de Jesus não, mas faltar no culto??? "que isso, irmão...?" entende? que merda é essa? não precisa viver nada não, só ir ao clubinho de domingo praticar os atos circenses de costume...

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