sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pessimismo e esperança


Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Adital

Cheguei ao último artigo desta série. Não porque eu tenha esgotado o tema, ou a lista de desafios e tarefas deste setor do cristianismo que compreende e vive a sua fé a partir da "opção pelos pobres” e da perspectiva da libertação. Simplesmente porque uma série tem que acabar uma hora, e nove artigos (em dez semanas) já são suficientes para paciência de qualquer leitor que está a seguindo. O objetivo da série, mais do que dar resposta aos problemas, foi provocar debates e reflexões sobre a crise ou enfraquecimento do cristianismo de libertação na América Latina (ou qualquer outro adjetivo que queiram usar) e seu refortalecimento.

Devo confessar que neste momento estou com humor pessimista. Participei nesta semana no III Congresso do Anptecre (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião) e aproveitei para conversar com vários colegas e amigos/as sobre a situação e o futuro do cristianismo de libertação. Talvez o cansaço desses três intensos dias de debates e reuniões esteja interferindo, mas estou mais para pessimismo.

Estou relatando o meu estado de espírito aqui para apontar duas questões. Primeira é a necessidade de pensarmos criticamente – seja em termos teológicos ou de mais sociológico – a partir da experiência dos sujeitos ou das pessoas envolvidas com a luta. Nos últimos anos, a linguagem tem mudado bastante, mas ainda eu sinto que a "linguagem estruturalista”, que enfatiza as questões estruturais da economia, política e sociedade, tem prevalecido e, assim, as expectativas, angústias e questões de fé das pessoas ocupam muito pouco espaço. É claro que não estou propondo uma "subjetivização” da linguagem e das análises do cristianismo de libertação, mas resgatar um dos princípios fundantes da teologia da libertação: o momento zero é o da indignação ética diante das injustiças e sofrimentos dos pobres e vítimas das relações opressivas. A TL é ou deve ser uma teologia que reflete criticamente a experiência de fé no meio de um mundo marcado pelo sofrimento dos inocentes (cf Gutierrez, no seu importante livro "Beber do próprio poço”).

As análises mais estruturais nos ajudam a compreender os desafios e problemas das lutas de libertação, mas elas não podem sufocar ou "empurrar” para um segundo plano as questões espirituais das pessoas e das comunidades; muitos dos quais nascem no meio desta luta. Só para evitar mal entendidos, por espiritual não entendo o que se opõe ao material ou social, mas a força que move as pessoas, comunidades e sociedades em direção ao seu objetivo ou à sua utopia.

Segunda tem a ver com a postura que deve marcar a reflexão teórica que se pretende estar articulada com movimentos sociais de "libertação”. (A palavra libertação vem aqui entre aspas porque penso que é preciso fazer uma reflexão sobre os diversos sentidos que esta palavra foi adquirindo durante os 40 anos do cristianismo de libertação.) Eu penso, seguindo a grandes autores, que a postura de quem faz essas reflexões precisa ser mais pessimista do que otimista. Otimismo, normalmente baseada mais em desejos do que fatos, leva a uma reflexão não muito crítica, que normalmente agrada mais ao "publico” no primeiro momento, mas que traz conseqüências problemáticas a médio e longo prazo.

Este pessimismo intelectual deve ser contraposta à atitude de esperança. Esperança é diferente de otimismo, pois este parece ter razões para isso; enquanto que esperança é algo que se tem ou vive "apesar de”.

Ao final deste artigo, posso dizer que o meu humor está menos negativo do que no início, mas continuo meio pessimista com o futuro do cristianismo de libertação. Pelo menos na forma como eu tenho experienciado e visto. Mas tenho esperança de que outras formas podem estar surgindo por aí, formas essas que, por serem novas, não estão sendo compreendidas ou captadas pelas teorias e conceitos "velhos” que ainda usamos para ler a realidade.

Enquanto isso, continuo fazendo o que posso para contribuir na constituição de um novo "bloco” de cristianismo que seja profético e libertador. Eu penso que um dos caminhos possíveis é criar uma articulação entre setores católicos, evangélicos e pentecostais que, meio à margem das tendências majoritárias das suas igrejas ou tradições, estão querendo viver um cristianismo profético no meio deste mundo.

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