sábado, 27 de agosto de 2011
Jesus: A revisão da identidade de Deus
Peço as mais sinceras desculpas aos amigos humanistas, os quais tenho na mais alta estima, que entendem ser o homem o protagonista da Bíblia. Permitam-me discordar e afirmar o contrário: Deus é o grande protagonista apresentado no sacro texto. A Bíblia é a biografia de Deus. Peço as mesmas sinceras desculpas aos amigos protestantes crentes ou somente protestantes, que igualmente estimo - que podem pensar que, embora tardiamente, estou me redimindo dos últimos escritos doutrinariamente escorregadios -, pois, quero fazer outras duas afirmações: Há um manifesto conflito na natureza divina, e o que consta no Novo Testamento é o registro da revisão da identidade de Deus.
A questão da imutabilidade de Deus choca-se com o fato inegável constatado no Antigo Testamento de que há em sua personalidade traços contraditórios, ao mesmo tempo em que se afirma que ele é o mesmo sempre e que sua natureza é invariável. O monoteísmo cristão ao tentar suprimir a incômoda tensão dinâmica no interior da divindade expressa pelo monoteísmo judeu, parece acalmar somente quando dissolve esses traços contraditórios e a notória mudança frequente do temperamento de Deus, na evidência de serem os registros originários de diferentes fontes antigas. A saída da crítica histórica para suavizar esse conflito e não desconsiderar totalmente o Antigo Testamento, foi explicá-lo através da referência aos vários autores que, ao empunharem a pena, carregaram a escrita com suas visões históricas pessoais. O que mais parece um politeísmo construído com muitas partes sob muitas mentalidades, e não há quem tenha argumentos suficientes para refutá-lo.
O conflito na natureza divina, para ser observado como tal, não deve ser analisado, tampouco descrito, através das conclusões da sistemática. Antes, deve ser considerado como demonstrado pela própria narrativa em curso, em que a personalidade de Deus aparece em progresso, como reação ao longo percurso palmilhado com os hebreus, de forma mais estreita, e com o resto do mundo, de forma mais ampla.
Uma personalidade ainda mais complexa do que a do Deus Único do Antigo Testamento emerge com Jesus no Novo Testamento, também no curso da narrativa. O Deus que não se insinua mais através de vapores, raios e imponentes eventos, o Deus encarnado encontrado na forma humana, Jesus de Nazaré, agora reivindica lentamente em sua passagem por estes campais provisórios, todas as funções que no passado foram desempenhadas por intermediários humanos. Ele é, de uma nova maneira, Adão, Moisés, Davi, Elias, Jonas. À imagem de Deus é o primogênito de uma nova criação. O cumpridor de toda a Lei que divulga uma nova Torá. O inaugurador de um novo Reino, um Reino que não é desse mundo, nem de visível aparência. O operador milagres que antevê o desenrolar da história até sua consumação. O único que sobe plenamente vivo e consciente da morada dos mortos depois de três dias morto.
A palavra que Deus antigamente proferia por intermédio de outros agora se fez carne e armou sua tenda entre nós.
Como se não bastasse um conflito na natureza de Deus, Jesus não só os tem como também os torna mais graves ao falar hora como Deus, hora como homem, dando de sobra referências textuais para quem deseja diminuir a tensão ao falar em duas naturezas habitando, cada uma com sua função bem definida, num mesmo ser. A crítica histórica tenta enfraquecer a crise, ao falar de diferentes Jesuses, maquiados por diferentes autores, para obterem retorno de diferentes ouvintes.
Ao ser reconhecido como o protagonista dos Evangelhos, o Deus encarnado traz consigo as lembranças da vida anterior de Deus, sua relação com o povo de Israel, tudo o que o povo lhe fez bem como tudo o que ele fez ao povo. O Deus que esteve aqui antes por meio da sua Shekinah, mas que silenciara por cerca de quatrocentos anos parecendo ter se retirado do mundo, agora está de volta como Deus Filho e cada esperança que um dia fora infundida na memória e tradição dos judeus é transferida para Jesus, que elimina algumas e incendeia outras.
Barnabé escrevendo aos Hebreus declara que tendo Deus antigamente falado por intermédio dos profetas, Jesus é quem em seu tempo deu o timbre definitivo à voz divina. Jesus é a palavra de Deus em pessoa. Se Jesus é a palavra de Deus o contrário também é verdade, as palavras de Deus proferidas anteriormente também são palavras de Jesus. A afirmação do evangelista de que Jesus era Deus encarnado, nos leva a crer que tudo o que ele faz, ensina, e sofre, é tudo o que por Deus é feito, ensinado e sofrido. Se não adotarmos a saída fácil proposta pela crítica histórica e tivermos fé nas palavras do Deus encarnado como palavras do Deus do Antigo Testamento, seremos levados a crer numa irônica revisão da identidade divina percebidas somente em progresso na narrativa. Jesus é, na forma mais improvável possível, o resultado dessa revisão.
Mas por que Deus agiu assim? Por que ele se fez homem? Mais ainda. Por que ao se tornar homem ele escolhe se tornar o tipo mais desprezível? Por que afinal de contas um leão resolve se comportar como um cordeiro?
Comparado a uma enorme fera devoradora no Antigo Testamento, um Deus que foi capaz de aniquilar sem esforço o maior exército-império do mundo antigo, por que agora se tornara um carpinteiro de vida comum que acaba seus dias com pouco mais de trinta anos como um maldito, trocado por um bandido e agonizando até a morte entre outros dois numa cruz?
O papel sacrificial que Jesus assume deixa seus discípulos perturbados, Pedro até tenta aliviar o pessimismo do mestre em relação ao prognostico que faz sobre si mesmo, e é repreendido como um Satanás por esse descuido. De início Nietzsche certamente teria concordado com Pedro e teria achado a encarnação como sendo o grande azar que se abateu sobre o Senhor dos Exércitos. Ao refletir um pouco mais, o dionisíaco Nietzsche capta melhor do que nós, apolíneos devotos, o significado da palavra da cruz que é loucura.
Deus ainda tem algo inconcebível a dizer sobre si, que só pode ser dito humilhando-se a si próprio. Para não destruir a esperança o Senhor de Toda a Terra arranjou um meio para ser ele próprio sentenciado à morte, não como qualquer um, mas como Rei dos Judeus, a assim substituir uma esperança vã que não irá se realizar – sair debaixo do julgo de Roma –, por outra possível de ser realizada. Aquilo que o Senhor dos Exércitos não pode conquistar através do poder das armas ocasionando na inevitabilidade da derrota da nação eleita e sua própria, o Deus encarnado substitui antecipando uma nova esperança, um tipo de vitória que o poder militar não pode conquistar.
A dupla natureza una em Cristo – não duas naturezas de Cristo – tornou possível à Deus valer-se de sua morte deixando expressa a pedagogia da formação de sua identidade, que não poderia ser demonstrada a menos que ele fosse encontrado em forma humana. Se, como Deus ele não pode cessar sua existência, como homem pode provar a morte, tornando dramática a mensagem, que por ser acintosamente violenta não há como ser comunicada em palavras. Derrotado por Roma e sentindo novamente o gosto amargo da opressão que havia experimentado com o cativeiro babilônico, Deus de maneira inesperada e surpreendente transforma a derrota em triunfo quando do rebaixamento a que se submete existir, ergue-se em exaltação no lenho. No gesto do Deus encarnado a ousadia transgressora em se deixar derrotar de uma maneira para triunfar de outra, afronta a mais pudorizada e aparada imagem que dele fazemos. O Deus de Israel, o Senhor de Toda Terra, foi confrontado na forma mais terrível e intensa possível, morrendo nas mãos do inimigo de seu povo eleito ao invés de libertá-lo e salvar-se a si próprio.
Como Leão da tribo de Judá Deus ruge e não pode ser ameaçado nem ser morto, no entanto, como Cordeiro, Deus emudece, é levado ao matadouro, esmagado e morto. No Novo Testamento a biografia de Deus em suas últimas páginas é revisada de forma extraordinária; ele desce às partes baixas da terra, torna-se um ser humano. Como o Deus das Eras ele não sabe o que é a morte, faltando-lhe algo. Para que possa ser completo, ele deve provar tudo com toda a intensidade. Como Jesus ele prova a morte e emerge como o primogênito dos mortos encorpando sua biografia, dando aos homens a possibilidade de se erguerem da morte juntamente com ele, conhecendo a vida eterna, unindo céu e terra, completando-se.
Transformando-se não em qualquer homem, mas neste homem, Jesus de Nazaré, morto nas mãos do inimigo, Deus provoca uma reversão aterrorizante em sua natureza, dando retoques finais em sua identidade, revisando-a completamente desde o início.
Alex Sandro Carrari
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2 comentários:
A ESSENCIA DE DEUS
A “ESSENCIA DE DEUS” é composta de: “ESPAÇO FISICOU DO UNIVERSO” ocupado por uma “INTELIGENCIA” do mais alto grau de perfeição para dar a origem no tempo e no espaço de todas as formas de “ENERGIAS”, que movimentam, desde o átomo, com suas estruturas infinitesimais dimensões, até todos os corpos celestes, que compõe o Cosmo em perfeita harmonia e equilíbrio em seus movimentos, e a pureza de seus sentimentos de “AMOR” constituído de “PIEDADE”, “JUSTIÇA” e “AMOR”, nos dá a existência da vida
A ESSENCIA DE DEUS
A “ESSENCIA DE DEUS” é composta de: “ESPAÇO FISICOU DO UNIVERSO” ocupado por uma “INTELIGENCIA” do mais alto grau de perfeição para dar a origem no tempo e no espaço de todas as formas de “ENERGIAS”, que movimentam, desde o átomo, com suas estruturas infinitesimais dimensões, até todos os corpos celestes, que compõe o Cosmo em perfeita harmonia e equilíbrio em seus movimentos, e a pureza de seus sentimentos de “AMOR” constituído de “PIEDADE”, “JUSTIÇA” e “AMOR”, nos dá a existência da vida
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