Fonte: A Bacia das Almas
Jesus era do ponto de vista do Sumo Sacerdote um herege e um
impostor, do ponto de vista dos comerciantes um agitador e um comunista.
Do ponto de vista imperialista dos romanos era um traidor, do ponto de
vista do senso comum um louco perigoso. Do ponto de vista do esnobe, que
exerce sempre grande influência, era um vagabundo sem um tostão.
Do ponto de vista da polícia ele era obstruidor das vias públicas,
pedinte, aliado de prostitutas, apologista de pecadores e depreciador de
juízes; seus companheiros eram vadios que tinham sido seduzidos de seus
ofícios regulares para uma vida de vagabundagem. Do ponto de vista dos
devotos Jesus era um violador do sábado, negador da eficácia da
circuncisão, advogado do rito estranho do batismo, glutão e bebedor de
vinho. Era odiado pela classe médica por praticar a medicina sem
qualificação, curando as pessoas por curandeirismo e sem cobrar pelo
tratamento.
Ele era contra os sacerdotes, contra o judiciário, contra os
militares, contra a cidade (tendo declarado que era inconcebível que um
rico entrasse no reino do céu), contra todos os interesses, classes,
principados e potestades, convidando a todos que abandonassem essas
categorias e o seguissem.
Por todos os argumentos legais, políticos, religiosos, do costume e
da polidez, Jesus foi o maior inimigo da sociedade do seu tempo já
colocado atrás das grades. Era culpado de cada acusação feita contra
ele, e de muitas outras que não ocorreu a seus acusadores levantar. Se
ele era inocente, o mundo inteiro era culpado. Inocentá-lo seria atirar
pela janela a civilização e todas as suas instituições. A história
confirma o litígio contra ele, pois nenhum Estado jamais constitui-se
sobre os seus princípios ou tornou possível viver de acordo com os seus
mandamentos; os Estados que assumiram o nome dele foi para usá-lo como
credencial que os habilitasse a perseguir os seus seguidores de modo
mais plausível.
Bernard Shaw, no prefácio de On the rocks (1933)
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