quarta-feira, 6 de junho de 2012

Carta a Gondim


D.R.

Olá pastor, admiro a sua coragem e lucidez. Romper com o movimento evangélico hoje é um ato inescapável para quem, em alguma medida, compreende e se compromete com o Evangelho. Já há muito tempo venho rompendo com essa cultura religiosa, falsamente identificada com o Evangelho. Tive passagem por duas instituições religiosas, mas sempre inclinado a uma fé não comportável no institucionalismo religioso.

Depois de algumas tentativas, no decorrer de alguns anos, somente agora percebo que realmente posso firmar o meu ministério pastoral. Bem recentemente me tornei pastor em uma pequena comunidade independente. São duas as razões que me trouxeram de volta ao ministério: a primeira foi ter encontrado um grupo de cristãos que expressa consciente interesse pelo Evangelho; a segunda razão se deu no fato desse grupo ser pequeno.

Entendo ser muito vantajoso pertencer a uma comunidade cristã pequena, pois isso parece ser uma boa condição para que se aprenda a vida comunitária e outros valores do Reino, discernindo-o daquilo que lhe opõe, isto é, daquilo que claramente se apresenta secularizado ou daquilo que, transfigurado em linguagem religiosa, emerge da cultura evangélica.

Percebo desvantajoso o disparado crescimento dos evangélicos no Brasil, pois crescem os evangélicos na mesma proporção em que decresce o Evangelho. A relevância conquistada e testemunhada no acelerado crescimento dos evangélicos se faz pela submissão à lógica desta sociedade, sobre a qual o Evangelho pronuncia seu julgamento. Trata-se de uma relevância manipulada segundo uma lógica não evangélica, em oposição a uma relevância levada a efeito pela graça. Quem se preocupa com relevância, esquece o Evangelho e produz para si uma relevância conformista. Quem se preocupa com o Evangelho, esquece a relevância e alcança graciosamente uma relevância transformadora.

Prefiro viver o Evangelho em comunidade pequena a fim de que o pequeno se torne grande antes de se tornar vultoso. É lançando sementes de mostarda que, com coisas pequenas, lentamente, planta-se coisas grandes. Uma pequena comunidade que aprende e vive o Evangelho nas pequenas coisas do dia a dia se torna bem maior do que a grande massa de uma cultura religiosa, rotulada de evangélica, escandalosamente superficial, que não sabe discernir entre cristianismo e farisaísmo, nem entre graça e mercado.

Pastor, parabéns pelo manifesto tardio, pois sei que o senhor, como eu e outros anônimos, já rompeu há bastante tempo com essa cultura religiosa denominada evangélica. (“evangélico” – mais um caro termo lançado aos porcos).

D.R.
[Preferi deixar o bom pastor anônimo]
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[Prezado amigo,
Sua carta me trouxe muita alegria.
A Bíblia afirma que boa notícia é água fresca em dia de muito calor.
Também admiro seu gesto de optar por uma comunidade pequena, despretensiosa, singela.
Saiba, você vai na contramão das aspirações comuns.
Respeito a coragem de quem opta pela simplicidade.
Reverencio quem admite a necessidade de repensar pressupostos.
Nosso dever de casa é maior do que imaginamos.
As pedras de arranque de nossa teologia, presumíveis fundamentos, carecem de crítica.
Não tema pensar.
Ouse poetizar.
Vá às fronteiras.
Lá, onde os conservadores dizem estarem as fronteiras da heresia, você encontrará o espaço da criatividade.
Abraço

Ricardo Gondim


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