sexta-feira, 8 de junho de 2012

A catástrofe do Fim do Mundo


fonte: A Bacia das Almas

Então, se alguém vos disser:

“Eis que o Cristo está aqui”, ou “ali”, não lhe deis crédito.

Mateus 24:23

Quando não está falando e dando evidência da formidável proximidade do Reino de Deus, o Jesus dos evangelhos está apregoando o Fim do Mundo, inescapável catástrofe universal através da qual o Reino será finalmente instaurado e a glória finalmente alcançada - ou, para usar a expressão do próprio em Lucas 17:30, evento através da qual o Filho do Homem será revelado.

O FILHO DO HOMEM SERÁ REVELADO.

Porque se levantará nação contra nação, e reino, contra reino. Haverá terremotos em vários lugares e também fomes.

Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai, ao filho; filhos haverá que se levantarão contra os progenitores e os matarão. Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo.

Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias! Porque aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve desde o princípio do mundo que Deus criou, até agora e nunca jamais haverá.

Mas, naqueles dias, após a referida tribulação, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade,

as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados.

Então verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande poder e glória.

Marcos 13:8, 12-13, 17, 19, 24-26

Essa escolha de palavras, retomada em seguida pelos apóstolos, parece sugerir que tanto o Reino quanto a glória do Filho do Homem já estão de alguma forma oculta entre nós (afinal de contas, “o Reino de Deus estápróximo” refere-se no grego original mais ao espaço do que ao tempo). O Fim do Mundo seria a última reviravolta no roteiro do filme, o estertor inevitável que tornaria patente a esquiva verdade essencial que uns poucos intuem e apenas parte do tempo.

De longe a forma mais comum de se interpretar a imagem do Fim do Mundo é como um evento literal no mundo físico – série ordenada de cataclismas universais mais ou menos sincronizada com a volta prometida de Jesus num futuro iminente.

Trata-se, como se sabe, de um futuro que tem permanecido iminente por pelo menos 2000 anos. A história compila uma espetacularmente longa relação de predições furadas sobre a data do apocalipse – muitas das quais apenas o futuro será capaz de demonstrar que são falhas.

A maior parte dos cristãos contemporâneos ignora, obviamente, os detalhes embaraçosos dessa lista. Desconhecendo que a mesma obsessão e as mesmas certezas infectaram cristãos de todos os séculos, muitos escrevem, e um número ainda maior lê, obras que procuram localizar nas figuras e eventos contemporâneos os sinais dos tempos que marcam a proximidade inexorável do momento final.Desta vez - é a impressão da nossa geração, exatamente como a das que nos procederam, - desta vez não passa.

Há os que acreditam, no entanto, que para ser compreendida corretamente a doutrina do Fim do Mundo deva ser interpretada à luz da mensagem integral de Jesus sobre os mistérios do novo nascimento e da proximidade do Reino de Deus – e não como desajeitada interrupção dela.

Da forma como é entendido normalmente, o Fim do Mundo é evento espetacular mas essencialmente burocrático, que mantém intactas todas as garantias que amealhamos nesta vida. É um fim do mundo inofensivo, por assim dizer, pois apenas confirma os rótulos com que estamos familiarizados: não nos ameaça de fato e nada nos custa.

NÃO SENDO CAPAZ DE ENXERGÁ-LO, VIVEMOS NO MUNDO COMO SE O MUNDO NÃO FOSSE O REINO.

Resta, porém, a atordoante possibilidade de que Jesus estivesse usando a linguagem das expectativas apocalípticas judaicas para referir-se de forma figurada a um evento de natureza muito mais pessoal do que universal, muito mais espiritual do que tangível. Sabemos ao certo, por exemplo, que o Reino de Deus anunciado incessantemente por Jesus não é para ser entendido literalmente, como reinado terreno ( “o meu Reino”, garantiu Jesus a Pilatos, “não é deste mundo”). E se o Fim do Mundo vaticinado por ele não fosse para ser entendido literalmente? E se o o Fim do Mundo a que Jesus se refere não for, no fim das contas, “deste mundo”? E se, para que possamos “ver o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória”, for necessário que nossa vida seja formidavelmente transtornada por uma impensável transmutação pessoal? E se tiver de ser o nosso sol interior a escurecer, e as estrelas do nosso céu a cair? E se o requerimento para vermos a glória do Reino for o reviramento e a aniquilação do nosso mundo?

Três citações para adoçar a possibilidade.

* * *

Um dos grandes temas do judaísmo e do cristianismo é o Fim do Mundo. Qual é o significado do Fim do Mundo? O sentido literal é que haverá uma terrível calamidade cósmica e o mundo físico terá fim. Esse, sabemos, é o sentido literal. Qual é o sentido figurado do Fim do Mundo? No capítulo 13 do evangelho de Marcos, Jesus descreve o Fim do Mundo como uma ocasião terrível, em que fogo e enxofre consomem a terra. “Melhor não estar vivo nessa ocasião”, ele diz, e diz também: “Essa geração não passará sem que essas coisas aconteçam”.

[. . .] Ora, no evangelho gnóstico de Tomé, Jesus diz: “O Reino do Pai está espalhado sobre a terra, e as pessoas não o enxergam”. Não sendo capaz de enxergá-lo, vivemos no mundo como se o mundo não fosse o Reino. Enxergar o Reino é o Fim do Mundo.

Joseph CampbellThou Art That

* * *

O ego está destinado a dissolver-se, e com ele todas as estruturas fossilizadas; quer sejam instituições religiosas, corporações ou governos, desintegrar-se-ão a partir de dentro, não importa o quão entrinecheiradas aparentem estar.

Ego não é nada mais do que isso: identificação com a forma. Se o mal tem alguma realidade, essa é a sua definição: completa identificação com a forma – formas físicas, formas de pensamento, formas emocionais. O resultado é uma total ignorância da minha conexão com o todo, da minha intrínseca unidade com cada “outro” bem com com a Fonte. Esse esquecimento é pecado original, sofrimento e engano. Quando essa ilusão de completa separação domina tudo que penso, digo e falo, o que acontece? Para saber a resposta observe como os seres humanos relacionam-se uns com os outros, leia um livro de História, assista o noticiário da noite.

Se as estruturas da mente humana permanecerem inalteradas, acabaremos sempre recriando fundamentalmente o mesmo mundo, os mesmos males, os mesmos defeitos.

Uma profecia da Bíblia [. . .] fala da aniquilação da presente ordem do mundo e do surgimento de “um novo céu e uma nova terra”. Devemos entender que o céu não é um local no espaço, mas refere-se ao domínio interior da consciência. A terra, por outro lado, é a manifestação externa da forma, que é sempre reflexo do que está no interior.

Portanto o novo céu, a consciência despertada, não é um estado futuro a ser alcançado. Um novo céu e uma nova terrra estão surgindo dentro de você agora mesmo. O que Jesus disse aos seus discípulos? “O céu está aqui mesmo entre vocês” (Lucas 17:21).

Eckhart TolleThe New Earth

* * *

O Fim do Mundo não é um evento cataclísmico de cujo terror punitivo e final nos aproximamos cada vez mais. O Fim do Mundo acontece diariamente para aqueles cuja percepção espiritual permite que enxerguem o mundo como ele é, transparente para a transcendência: um sacramento de mistério, ou, como escreveu o poeta William Blake, “infinito”. O Fim do Mundo é, portanto, metáfora do nosso começo espiritual ao invés de imagem do nosso final implacável e ardente.

Eugene Kennedy, escrevendo sobre Joseph Campbell






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