domingo, 18 de outubro de 2009

Cuba enfrenta dificuldades para manter subsídios e pode cortar distribuição social de comida

Mais de 70% dos cubanos vivem desde que nasceram sob o sistema de racionamento. A famosa caderneta de abastecimento, em vigor desde 1962, garante todo mês a cada um dos 11 milhões de habitantes da ilha 3,5 kg de arroz, 2,5 kg de açúcar, 500 g de feijão, 230 g de óleo, 10 ovos, 460 g de frango, 460 g de macarrão, 230 g de picadinho de soja - ou substituto -, além de 115 g de café e um pão diário. Para as crianças menores de 7 anos, incluí um litro de leite por dia. Não é muito, mas durante quase meio século essa minicesta básica subvencionada - todos esses produtos custam o equivalente a menos de 1 euro - foi símbolo do igualitarismo da revolução.

Cuba liberta homem que pediu comida diante de câmeras de televisão



Juan Carlos González Marco, conhecido como "Pánfilo", foi preso a mando do Governo cubano, após ter sido condenado a dois anos de prisão por protestar e pedir comida diante de câmaras de televisão. Apesar de "Pánfilo" ter sido condenado a dois anos de prisão por "desvinculação laboral" e "periculosidade social pré-delitiva", e sua pena ter sido ratificada na semana passada em um tribunal de apelação de Havana, ele recebeu uma carta na qual comunica sua liberdade e que ficará 21 dias em um hospital psiquiátrico para receber um tratamento contra alcoolismo. "Pánfilo" ficará em liberdade após sua estadia nesse hospital e não terá que voltar à prisão



Mas os tempos mudam... Em meio à crise atual, a caderneta de racionamento se transformou em um fardo pesado demais para o governo de Raúl Castro, que tenta consolidar um modelo de economia socialista "sustentável", baseado na lógica dos números e não em sonhos impossíveis. Cuba importa mais de 80% dos alimentos que consome, e nas circunstâncias atuais a subvenção dos produtos da caderneta representa para o Estado mais de US$ 800 milhões. A conta não fecha. E o realismo raulista divulgou esse fato de todas as maneiras.

Desde que assumiu formalmente o poder, em 24 de fevereiro de 2008, Raúl Castro declarou que a caderneta de racionamento, assim como outras "gratuidades e subsídios milionários", são "irracionais e insustentáveis". "Nenhum país pode gastar indefinidamente mais do que ganha", disse em várias oportunidades. O mesmo discurso é repetido há meses na mídia oficial, e em jornais como "Granma" é rara a semana em que não se publicam cartas dos leitores sobre o tema da caderneta. Até o diretor do jornal, Lázaro Barredo, deputado e membro do Comitê Central do Partido Comunista, publicou esta semana um editorial acalorado contra os "vícios do paternalismo", no qual defende o fim do racionamento subsidiado.

"A caderneta de abastecimento foi uma necessidade em um determinado momento; com seus atuais atributos se transforma em um empecilho dentro do conjunto de decisões que a nação terá de assumir", afirma Barredo, para quem "a justiça social não é o igualitarismo, é a igualdade de direitos e oportunidades".

No início do mês as autoridades começaram a experimentar a primeira medida - redução dos subsídios. Como teste, em quatro ministérios - Trabalho e Seguridade Social, Finanças e Preços, Economia e Planejamento e Comércio Interior - foram fechados os refeitórios operários e em troca se começou a dar a cada trabalhador 15 pesos diários - cerca de 0,70 euro - para que almoce por conta própria. Em Cuba há 25 mil refeitórios operários, onde se alimentam diariamente 3,5 milhões de trabalhadores, o que custa ao Estado US$ 350 milhões, segundo números oficiais. A idéia é estender a medida a todos os centros de trabalho.

Dentro dessa lógica de eliminação de subsídios, a caderneta de racionamento tem os dias contados, na opinião da maioria dos especialistas. "A caderneta vai desaparecer, disso não há dúvida. Mas a precariedade atual é tamanha que o governo não pode fazer isso de uma vez, pois deixaria meia ilha derrubada", afirma um economista.

As autoridades sabem disso. O salário médio em Cuba é de 415 pesos mensais, cerca de 13 euros. Em Cuba, é verdade, a saúde e a educação são gratuitas - outra coisa é sua qualidade -, o preço da água, do gás e outros serviços são subsidiados e a caderneta garante um mínimo que chega para dez ou 12 dias. "Mas depois você vai à mercearia e lhe cobram por 1 litro de óleo o salário de uma semana, e outro tanto por um frasco de xampu", diz Virginia, formada em biotecnologia. "O que vai fazer um aposentado que ganhe 200 pesos por mês se lhe tirarem a caderneta?", pergunta-se.

Pelo que se disse até agora entre linhas, parece clara qual será a estratégia: subvencionar as pessoas que mais precisem e eliminar o racionamento para as demais. Mas economistas independentes como Óscar Espinosa Chepe põem o dedo na ferida: antes é preciso fazer alguns deveres, como eliminar a dupla moeda e conseguir que o salário recupere o valor real. Para gerar riqueza não basta poupar, é preciso produzir; e é bom lembrar que em Cuba de 60% a 70% dos alimentos são produzidos por agricultores privados, que dispõem de 20% das terras.

Por que não se cooperativizam certos serviços que o Estado é incapaz de oferecer com qualidade? E por que não se dão maiores margens à iniciativa privada?, perguntam-se Chepe e muitos outros. E, como a caderneta desaparecerá, as reformas serão cada vez mais urgentes.

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