Hattingen, Alemanha - Vim para participar de uma série de eventos com trabalhadores, governo e sindicatos, além de dar algumas palestras (depois explico), mas foi impossível desgrudar das notícias sobre o Rio de Janeiro e uma enxurrada de declarações preconceituosas de autoridades e “especialista” na mídia.
O tráfico de drogas, que vem crescendo rapidamente desde a década de 80 nas grandes cidades brasileiras, é a maior causa de morte entre os jovens nas periferias. A batalha acontece longe dos olhos da classe média e da mídia, que só eventualmente dão atenção ao problema: a imensa maioria dos corpos contabilizados sempre é de jovens, pardos, negros, pobres, que se matam na conquista de territórios para venda de drogas ou pelas leis do tráfico. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia-a-dia.
De tempos em tempos, essa violência causada pelo tráfico retorna com força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou foge da periferia das grandes cidades. Ou agora, em que está em curso uma série de operações de ocupação de favelas no Rio, em que não se esconde um viés de “limpeza” social.
“Se morreram, é porque são bandidos”, disse um comandante. “Todos são suspeitos até que se prove o contrário”, afirmou outro. “Foi igual a dar tiro em pato no parque de diversões”, resumiu um policial civil. As frases são de outro momento de tensão, em 2007. Mas agentes de segurança deram declarações parecidas nos últimos dias.
A mira dos agentes de segurança no Rio deve ser tão afiada quanto a sua língua. Afinal de contas, acertar um tiro na nuca de um suspeito no meio de um confronto armado demanda muita precisão do policial. Ou é destreza ou é covardia, com o tiro sendo dado pelo representante do Estado em uma execução sumária, com a pessoa já rendida e de costas. Em 2007, a polícia chegou chegando nos morros, cometendo uma verdadeira chacina, sem diferenciar, sem perguntar. Duas dezenas de pessoas morreram. Naquele momento, o Rio optou pelo caminho mais fácil do terrorismo de Estado ao invés de mudanças estruturais para garantir os Jogos Panamericanos. Que venham, então, as Olimpíadas de 2016.
Ninguém está defendendo o tráfico de drogas (defendo a descriminalização como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes, mas isso é história para outro post). O que está em jogo aqui é que tipo de Estado queremos.
Atacar a estrutura do tráfico e sua sustentação econômica, o que inclui também seus pontos de venda, o comércio ilegal de armas e negócios paralelos, é uma saída. Porém, será inócua se o Estado não se fizer presente (não pela força bruta e burra, como hoje) e se não houver mudanças estruturais que garantam dignidade para os moradores e outras opções de vida para os jovens que saem em um busca de um lugar no mundo todos os anos.
Mais do que uma escolha pelo crime, a opção pelo tráfico é uma escolha pelo emprego e pelo reconhecimento social. Um trabalho ilegal e de extremo risco, mas em que o dinheiro entra de forma rápida. Dessa forma, o jovem pode ajudar a família, melhorar de vida, dar vazão às suas aspirações de consumo – pois não são apenas os jovens de classe média que querem o tênis novo que saiu na TV. Ganhar respeito de um grupo, se impor contra a violência da polícia. E uma vez dentro desse sistema, terá que agir sob suas normas. Matando e morrendo, em uma batalha que para cada baixa, fica uma família.
Uma batalha que respinga em nós, que temos responsabilidade pelo o que está acontecendo, seja por nossa apatia, conivência, desinteresse, medo ou incompetência. A polícia e os traficantes puxam os gatilhos, mas nós é que colocamos as balas na agulha.
Leonardo Sakamoto no seu Blog
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