Ricardo Gondim Rodrigues
Todo mundo já ouviu falar em lugar-comum. É aquele tipo de expressão desgastada, massificada, usada a torto e a direito apenas por hábito. Também chamada de chavão, o lugar-comum – que pode ser uma frase, uma combinação de palavras ou uma imagem –, de tão repetido, perde a força original. Vira uma expressão vazia de conteúdo, superada, sem imaginação.
Quando se somam linguagem religiosa às celebrações de ano novo, temos um chão muito fértil para brotarem palavras desgastadas. Fala-se de esperança sem saber exatamente o que se diz. A prosperidade desejada, como acontecerá? A cada ano repete-se o lugar-comum das decisões e listas de compromissos: orar mais, ler disciplinadamente a Bíblia, fazer regime, voltar a cantar no coral. Promessas e mais promessas que são feitas mesmo quando se sabe, de antemão, que tudo será engavetado dali a poucas semanas, ou mesmo dias. Nada mais que platitudes, votos vazios.
Janeiro de 2003, que chegou e já vai passando, está parecidíssimo com janeiro do ano passado, ou do retrasado. Em meados de maio – talvez antes –, esqueceremos que este foi um ano novo tão esperado. Repetiremos, em agosto, todos os “agostos” já vividos. Há um poema de Carlos Drummond de Andrade adverte que não adianta querer transformar a vida através de clichês enfadonhamente repetidos: “Para ganhar um ano novo que mereça este nome/ Você, meu caro, tem de merecê-lo/ Tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil/ Mas tente, experimente, consciente/ É dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre”.
E os votos de felicidades e saúde? Ouvem-se tantos deles a cada fim de ano que acabamos acreditando numa certa mágica da noite do dia 31 de dezembro. Esperamos que as engrenagens do destino se revertam e a Fortuna, deusa da sorte, nos visite. Acontece que Fortuna é uma deusa que faz acepção de pessoas e premia apenas os seus prediletos. A maioria dos mortais acordará por meados do primeiro trimestre precisando enfrentar uma dura realidade – a de que viver custa o suor do nosso rosto.
Por que não decidimos, simplesmente, que no fim de cada trimestre teremos a celebração de um novo ano? Assim, poderíamos rever com mais freqüência as nossas listas de boas intenções e analisar os progressos e inconstâncias. Repensaríamos nossas vidas e nos arrependeríamos das nossas besteiras. Também celebraríamos nossas virtudes... Teríamos ceias trimestrais, já pensou?. As famílias se juntariam e os velhos não ficariam tão sós o ano todo. Meninos e meninas não esperariam tanto para ganhar os sonhados presentes.
Mais: teríamos pelo menos um culto de vigília a cada três meses, nos quais, nas nossas igrejas, agradeceríamos a fidelidade de Deus. Abraçaríamos nossos amigos desejando que no próximo ano – que, lembre-se, findaria em três meses! – eles fossem pessoas melhores. Elegeríamos o dia primeiro do mês seguinte para ser igual ao primeiro de janeiro de agora: um dia universal de fraternidade entre os povos. Aumentaríamos para quatro os dias em que as nações em guerra decretariam armistício e soltaríamos mais fogos de artifício para celebrar a paz.
Infelizmente, o perigo de celebrar-se o Ano Novo a cada três meses é que isso não resolve o problema do lugar-comum. Assim como a vida não muda na última badalada do sino na meia-noite do réveillon, também não mudaria a cada fim de trimestre. Tal proposta só ajudaria a vender mais guloseimas típicas e a deixar as pessoas mais gordas depois de repetidas passagens de ano. O ódio não regride com a decretação de mais feriados. Não se promove amor com festas.
Não podemos nos esquivar dos nossos dramas com jargões religiosos. Chega de querer exorcizar a vida com pensamentos piegas que não passam de encenação espiritual. Orações decoradas ou repetidas são impotentes para gerar realidades históricas. Hannah Arendt, filósofa que buscou entender a mente dos assassinos nazistas durante o tribunal de Nurembergue, inquietou-se com os generais de Hitler respondendo as perguntas dos promotores com clichês e concluiu: “Clichês, frases feitas, adesões a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência”.
O ano novo não precisa acontecer a cada volta que a Terra dá ao redor do sol, mas a cada batida de nosso coração. O futuro não se concretiza pela simples cronologia do tempo, mas na seqüência de nossas ações. Cada gesto, palavra ou atitude que plantamos, gera conseqüências que colheremos cedo ou tarde. Cada conseqüência colhida representa uma nova etapa de nossas vidas.
O presente é o prólogo do futuro. A Bíblia ensina este princípio na famosa lei da semeadura: “O que o homem plantar, isso ele colherá”, conforme Gálatas 6.7. A praticidade dessa premissa se expressa em Provérbios 22.8: “Aquele que semeia a injustiça segará males”. Ninguém deve esperar mais segurança para as ruas das cidades brasileiras e menos fome nos sertões abandonados apenas porque chegou um ano novo. Será necessário que se desmantelem as estruturas perversas que promovem a morte e se estabeleça uma nova ordem. Assim, nenhuma pessoa pode imaginar que sua vida se transformará para melhor no novo ano se não se revestir de novos valores e não rasgar do coração a maldade.
O Ano Novo não simboliza uma porteira para o paraíso – ele nos lembra apenas que a vida flui inexorável, e precisamos zelar pelo presente. Norberto Bobbio, um dos maiores juristas italianos do século 20, ao se aproximar dos seus 87 anos, escreveu uma autobiografia intelectual muito triste e repleta de conselhos aos mais jovens. (O tempo da memória, Editora Campus). Convém ouvi-lo: “Hoje alcancei a tranqüila consciência, tranqüila porém infeliz, de ter chegado apenas aos pés da árvore do conhecimento. Não foi do meu trabalho que obtive as alegrias mais duradouras de minha vida, não obstante as honras, os prêmios, os reconhecimentos públicos recebidos, que aceitei de bom grado mas não ambicionei e tampouco exigi. Obtive-as dos meus relacionamentos – dos mestres que me educaram, das pessoas que amei e que me amaram, de todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado e agora me acompanham no último trecho da estrada”.
Quem desejar um Ano Novo que mereça este nome fuja do cinismo, sepultura das palavras sem espírito. Rejeite o ceticismo que asfixia os sonhos. Abomine o rancor que regurgita ódios acumulados. Despreze a avareza que paralisa a bondade. Desdenhe da vaidade que transforma pessoas em ídolos. Para que o ano seja realmente novo, queira mais sentir-se filho do que útil. Acredite que é melhor ser amigo do que um herói de guerra; e que dominar o espírito é melhor que conquistar uma cidade, como ensina Provérbios 16.32. Deseje agasalhar afetos genuínos, que são a única riqueza concreta. Ambicione semear a verdade de Deus, promovendo a concórdia entre as pessoas. Entregue-se a uma causa que exija um empenho maior que simplesmente sobreviver.
O cristianismo pode transformar pessoas, cidades e países, bem como o próprio tempo. Mas isso requer engajamento político, ação evangelizadora e empenho missionário. Acreditando que o discipulado acontece a partir de alianças entre amigos que se submetem em amor e munidos dos princípios eternos da Bíblia, nascerão novos homens e mulheres, únicos construtores do novo amanhã. Comunidades cristãs unidas em parcerias desinteressadas somarão seus potenciais fermentando tudo o que estiver ao redor.
Sem esperar datas, construamos o tempo do renovo. Ele virá como fruto de nossa sintonia com os propósitos de Deus na história e dos atos de homens e mulheres dedicados aos valores do Reino. Assim, em todas manhãs se iniciará um feliz ano novo.
Soli Deo Gloria.
Todo mundo já ouviu falar em lugar-comum. É aquele tipo de expressão desgastada, massificada, usada a torto e a direito apenas por hábito. Também chamada de chavão, o lugar-comum – que pode ser uma frase, uma combinação de palavras ou uma imagem –, de tão repetido, perde a força original. Vira uma expressão vazia de conteúdo, superada, sem imaginação.
Quando se somam linguagem religiosa às celebrações de ano novo, temos um chão muito fértil para brotarem palavras desgastadas. Fala-se de esperança sem saber exatamente o que se diz. A prosperidade desejada, como acontecerá? A cada ano repete-se o lugar-comum das decisões e listas de compromissos: orar mais, ler disciplinadamente a Bíblia, fazer regime, voltar a cantar no coral. Promessas e mais promessas que são feitas mesmo quando se sabe, de antemão, que tudo será engavetado dali a poucas semanas, ou mesmo dias. Nada mais que platitudes, votos vazios.
Janeiro de 2003, que chegou e já vai passando, está parecidíssimo com janeiro do ano passado, ou do retrasado. Em meados de maio – talvez antes –, esqueceremos que este foi um ano novo tão esperado. Repetiremos, em agosto, todos os “agostos” já vividos. Há um poema de Carlos Drummond de Andrade adverte que não adianta querer transformar a vida através de clichês enfadonhamente repetidos: “Para ganhar um ano novo que mereça este nome/ Você, meu caro, tem de merecê-lo/ Tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil/ Mas tente, experimente, consciente/ É dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre”.
E os votos de felicidades e saúde? Ouvem-se tantos deles a cada fim de ano que acabamos acreditando numa certa mágica da noite do dia 31 de dezembro. Esperamos que as engrenagens do destino se revertam e a Fortuna, deusa da sorte, nos visite. Acontece que Fortuna é uma deusa que faz acepção de pessoas e premia apenas os seus prediletos. A maioria dos mortais acordará por meados do primeiro trimestre precisando enfrentar uma dura realidade – a de que viver custa o suor do nosso rosto.
Por que não decidimos, simplesmente, que no fim de cada trimestre teremos a celebração de um novo ano? Assim, poderíamos rever com mais freqüência as nossas listas de boas intenções e analisar os progressos e inconstâncias. Repensaríamos nossas vidas e nos arrependeríamos das nossas besteiras. Também celebraríamos nossas virtudes... Teríamos ceias trimestrais, já pensou?. As famílias se juntariam e os velhos não ficariam tão sós o ano todo. Meninos e meninas não esperariam tanto para ganhar os sonhados presentes.
Mais: teríamos pelo menos um culto de vigília a cada três meses, nos quais, nas nossas igrejas, agradeceríamos a fidelidade de Deus. Abraçaríamos nossos amigos desejando que no próximo ano – que, lembre-se, findaria em três meses! – eles fossem pessoas melhores. Elegeríamos o dia primeiro do mês seguinte para ser igual ao primeiro de janeiro de agora: um dia universal de fraternidade entre os povos. Aumentaríamos para quatro os dias em que as nações em guerra decretariam armistício e soltaríamos mais fogos de artifício para celebrar a paz.
Infelizmente, o perigo de celebrar-se o Ano Novo a cada três meses é que isso não resolve o problema do lugar-comum. Assim como a vida não muda na última badalada do sino na meia-noite do réveillon, também não mudaria a cada fim de trimestre. Tal proposta só ajudaria a vender mais guloseimas típicas e a deixar as pessoas mais gordas depois de repetidas passagens de ano. O ódio não regride com a decretação de mais feriados. Não se promove amor com festas.
Não podemos nos esquivar dos nossos dramas com jargões religiosos. Chega de querer exorcizar a vida com pensamentos piegas que não passam de encenação espiritual. Orações decoradas ou repetidas são impotentes para gerar realidades históricas. Hannah Arendt, filósofa que buscou entender a mente dos assassinos nazistas durante o tribunal de Nurembergue, inquietou-se com os generais de Hitler respondendo as perguntas dos promotores com clichês e concluiu: “Clichês, frases feitas, adesões a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência”.
O ano novo não precisa acontecer a cada volta que a Terra dá ao redor do sol, mas a cada batida de nosso coração. O futuro não se concretiza pela simples cronologia do tempo, mas na seqüência de nossas ações. Cada gesto, palavra ou atitude que plantamos, gera conseqüências que colheremos cedo ou tarde. Cada conseqüência colhida representa uma nova etapa de nossas vidas.
O presente é o prólogo do futuro. A Bíblia ensina este princípio na famosa lei da semeadura: “O que o homem plantar, isso ele colherá”, conforme Gálatas 6.7. A praticidade dessa premissa se expressa em Provérbios 22.8: “Aquele que semeia a injustiça segará males”. Ninguém deve esperar mais segurança para as ruas das cidades brasileiras e menos fome nos sertões abandonados apenas porque chegou um ano novo. Será necessário que se desmantelem as estruturas perversas que promovem a morte e se estabeleça uma nova ordem. Assim, nenhuma pessoa pode imaginar que sua vida se transformará para melhor no novo ano se não se revestir de novos valores e não rasgar do coração a maldade.
O Ano Novo não simboliza uma porteira para o paraíso – ele nos lembra apenas que a vida flui inexorável, e precisamos zelar pelo presente. Norberto Bobbio, um dos maiores juristas italianos do século 20, ao se aproximar dos seus 87 anos, escreveu uma autobiografia intelectual muito triste e repleta de conselhos aos mais jovens. (O tempo da memória, Editora Campus). Convém ouvi-lo: “Hoje alcancei a tranqüila consciência, tranqüila porém infeliz, de ter chegado apenas aos pés da árvore do conhecimento. Não foi do meu trabalho que obtive as alegrias mais duradouras de minha vida, não obstante as honras, os prêmios, os reconhecimentos públicos recebidos, que aceitei de bom grado mas não ambicionei e tampouco exigi. Obtive-as dos meus relacionamentos – dos mestres que me educaram, das pessoas que amei e que me amaram, de todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado e agora me acompanham no último trecho da estrada”.
Quem desejar um Ano Novo que mereça este nome fuja do cinismo, sepultura das palavras sem espírito. Rejeite o ceticismo que asfixia os sonhos. Abomine o rancor que regurgita ódios acumulados. Despreze a avareza que paralisa a bondade. Desdenhe da vaidade que transforma pessoas em ídolos. Para que o ano seja realmente novo, queira mais sentir-se filho do que útil. Acredite que é melhor ser amigo do que um herói de guerra; e que dominar o espírito é melhor que conquistar uma cidade, como ensina Provérbios 16.32. Deseje agasalhar afetos genuínos, que são a única riqueza concreta. Ambicione semear a verdade de Deus, promovendo a concórdia entre as pessoas. Entregue-se a uma causa que exija um empenho maior que simplesmente sobreviver.
O cristianismo pode transformar pessoas, cidades e países, bem como o próprio tempo. Mas isso requer engajamento político, ação evangelizadora e empenho missionário. Acreditando que o discipulado acontece a partir de alianças entre amigos que se submetem em amor e munidos dos princípios eternos da Bíblia, nascerão novos homens e mulheres, únicos construtores do novo amanhã. Comunidades cristãs unidas em parcerias desinteressadas somarão seus potenciais fermentando tudo o que estiver ao redor.
Sem esperar datas, construamos o tempo do renovo. Ele virá como fruto de nossa sintonia com os propósitos de Deus na história e dos atos de homens e mulheres dedicados aos valores do Reino. Assim, em todas manhãs se iniciará um feliz ano novo.
Soli Deo Gloria.
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