segunda-feira, 29 de março de 2010

Isabela Nardoni enterra os seus mortos

Paulo Ghiraldelli

Terminado o julgamento do casal Nardoni e passada a gritaria e rojões dos desocupados que ficaram em frente ao Fórum ou que, em suas casas, não faziam mais nada senão se alimentar do noticiário bestializado do caso, veio o inexorável silêncio. Mais uma vez a vida dessas pessoas que gritaram e comemoraram voltou a encher-se de nada. Todas elas caminharam para a mediocridade de onde saíram. Cada vida ali, cheia de nada, talvez tenha menos a fazer no mundo do que os Nardoni, que irão envelhecer na cadeia. Cada uma daquelas pessoas, até chegar ao ouvido delas a morte de mais uma Isabela qualquer, estará tão morta quanto a própria Isabella. Nada dentro de casa, nada no horizonte. Uma vida cheia de nada.

As vidas dessas pessoas que se dispõem a se engajar em alguma causa que não é causa nenhuma, quando não há nenhum Hitler para recrutá-las para “fazer justiça”, é uma vida intermitente. Na falta de mais uma causa que não é causa nenhuma, tudo é um grande e eterno vazio. Nenhum emprego interessante, nenhum casamento gostoso, nenhum lar sadio, nenhum objetivo político; somente um horizonte social totalmente transparente – é tudo o que possuem. Quando William Bonner anunciará algo novo, possível de ser assimilado pelos cérebros simplórios, para que seus proprietários se levantem de seus túmulos? Essa é a pergunta que paira no ar na casa de cada um que soltou rojão ou que ficou no Fórum gritando “por Isabela”.

“Uma vida cheia de nada” é o tema do ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, a belíssima película argentina “O segredo dos seus olhos” (José Campanella, 2009). Vale a pena ver. Há ali uma história. Mas “a vida cheia de nada” dos que gritaram por Isabela não dá um filme. Tudo ali é tão realmente cheio de nada que nem mesmo a narrativa sobre a pobreza de espírito é possível nesse caso. É o deserto avassalador que cresce dentro de cada alma que nem mesmo é uma alma, apenas uma cavidade encurtada capaz de fazer eco a um distante som metálico de noticiários de TV voltado para questões policiais.

Hitler não vem. Mussolini não chega. Hiroíto não passa. Franco não dá bola. Pinochet não é ninguém. Castelo Branco é um desconhecido. Todos os ditadores, dos maiores aos menores, capazes de poder fazer viver a turba que deseja vingança – vingança contra algo que a turba não sabe o que é e que, por conta da pouca educação social, diz que é “justiça” – não estão disponíveis. Resta então implorar por Datena. Talvez ele ponha alguma adrenalina em uma vida ressentida e cheio de nada. Mas Datena não vai adiante, ele é o Afanásio Jazadi dos novos tempos, da época “pós-politicamente correto”. Ele quase lança o ódio, mas recua. Ele não dá o que a turba pede. Por sua vez, Serra, que canaliza a direita hoje, é um candidato com um gosto tão entusiasmante quanto Alckmin. Picolé d xuxu era seu parceiro, ele próprio, Serra, é picolé de nabo. A turba almeja mesmo é por Hitler. Mas, eu garanto, ele não vem. Então, que Deus se apiede de todos e jogue alguma Isabela de outro edifício, caso contrário, cada uma dessas pessoas terá que ficar mais tempo no seu cemitério. Não poderá ganhar a luz do dia.

Uma vida cheio de nada. Quando uma vida é cheia de nada, nos cartazes dos manifestantes (como uma parte de nossa população está ficando igual aos setores conservadores americanos!) sempre aparece uma palavra suficiente mente vazia para dar razão ao vingadores: “Deus”. Deus não aparece para apaziguar, diminuir ódio ou promover a paz. Ele aparece para que exista vingança, não a respeito de Isabela, mas de qualquer outra coisa, talvez seja a vingança contra a própria vida cheio de nada. “Deus” surge para promover o ressentimento que ganha o nome , no caso, de “justiça”.

Que sorte que Collor deu no que deu, pois, caso tivesse continuado, ele poderia aproveitar essa gente. Sendo ele agora apenas um senador marcado, tudo fica mesmo por conta de Bonner falar de outra desgraça. Enquanto as coisas ficarem só nisso, não há perigo.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo.

2 comentários:

ALESSANDRO DE JESUS CASTRO disse...

GOSTEI MUITO DESTE TEXTO, PARA MIM TÃO TRISTE QUANTO O CRIME HEDIONDO , FOI VER AQUELA MULTIDÃO COMEMORANDO A DESGRAÇA DE TODA UMA FAMILIA, E AINDA DIZENDO QUE FOI UMA VITÓRIA DA DEMOCRACIA, TALVEZ FOSSE MESMO UMA VITÓRIA DO "DEMO", UMA CRIANÇA INOCENTE MORTA , OUTRAS DUAS QUE VÃO CRESCER SEM OS PAIS E DOIS PAIS QUE SOFREM PELO SEUS FILHOS PRESOS,NESTE PAIS HÁ MUITO CONTRA O QUE SE PROTESTAR , MAS A ESTUPIDEZ HUMANA CEGA A TAL PONTO QUE VER UMA CRIANÇA FUMANDO CRACK EM QUALQUER ESQUINA JÁ SE TORNOU TÃO COMUM QUE NÃO MERECERIA O MESMO INTERESSE POPULAR, MESMO QUE ESTA CRIANÇA TIVESSE A MESMA IDADE DA PEQUENA ISABELA.

velho marujo disse...

E há mais o que dizer?

Mortos. Estamos todos mortos em nossos prazeres e deleites. Imaginamos estarmos vivos por que respiramos, mas estamos mortos, a prova disso, é que a morte, já nada mais é que um acontecimento após vida, seja este, violento, trágico, repentino ou ignorante.

E se morrer é simplesmente mais um acontecimento da vida, o que esperar da vida então, a não ser uma morte, tranqüila, em sono profundo, “feliz”.
Em pensar que isto gera ibope e lucro os que vendem a “morte”.
O triste é saber que cada vez mais, deixaremos de consumir vida, e passaremos a passar mais tempo entretendo nossa mente com a perda e a ausência de alguém, enquanto os vivos que ficam por aqui nada valem.

Em meio a tanta injustiça e desesperança, e na ausência de um referencial messiânico a quem possa seguir que, prometa mudanças, vida longa e paz. Concordo. Há infelizmente, quem ainda espere outro Hitler!

Related Posts with Thumbnails