domingo, 6 de maio de 2012

Frágeis intuições sobre o amor


Ricardo Gondim

O que se pode falar do amor? Inaptos, hesitantes, imperfeitos, homens e mulheres guardam frágeis intuições sobre o amor. Há de se concordar com Miguel de Unamuno: “o amor é o que há de mais trágico no mundo e na vida; o amor é filho da ilusão e pai da desilusão; o amor é a consolação na desolação, o único remédio contra a morte, da qual ele é irmão”.

Amamos antes de sabermos explicar como funciona o amor. Não há teoria suficiente que elucide os retratos da mãe debruçada sobre o berço, do reencontro de amigos separados há muito por uma guerra, do lamento do filho diante do túmulo da mãe. As cartas ridículas dos namorados valem por qualquer tratado sobre o amor.

Contudo, dá para rabiscar algumas ideias (incipientes e precárias, claro) sobre o amor.  E a partir de três concepções: liberdade, excelência e personificação.

Liberdade

André Comte-Sponville diz que amor “não é dever, mas virtude… [já que] dever é uma coerção e virtude, uma liberdade”.  Nietzsche afirma corretamente: “O que fazemos por amor sempre se consuma além do bem e do mal”. Para o amor não há lei. Sempre que amor nasce do dever se esgota na rejeição. A adolescente, forçada pelos pais a um relacionamento com a divindade, desentranha sua revolta honesta: “Odeio ter que amar a Deus”.

Não existe amor sem liberdade. Agostinho sintetizou bem: “Ama e faz o que quiseres”. Se o rei mantém um harém, o faz para ter sexo, somente. No dia em que precisar de afeto, por mais déspota que for, terá que cativar. Para ser correspondido no amor, jamais poderá se impor. Ou o rei se fragiliza como qualquer namorado enquanto espera que a amada responda ao seu aceno ou fica sozinho.

Excelência

O amor se desdobra como excelência. Padre Antônio Vieira narrou uma parábola mais ou menos assim: “Certo homem saiu para caçar antes do alvorecer. Ao longo do dia, tentou alvejar vários animais. Errou todos os dardos. Ruim de pontaria foi mal sucedido em abater um bicho que alimentasse a família. Triste, voltou para casa no crepúsculo. A poucos metros da porta da choupana, deparou-se com uma cena desesperadora. Uma cobra se enrolava no pescoço do filho. Sem hesitar, o caçador retesou o arco e mirou a flecha. A cabeça da serpente estava perigosamente próxima do filho. Desta vez, acertou em cheio. E salvou a vida do filho. O que fez o pai para atingir a cabeça da áspide, se era péssimo caçador, ruim de pontaria? Como o homem se fez exímio no arco e flecha?”.  O próprio jesuíta responde: “O amor”. A vida do filho corria risco.

O amor cria especialistas. Excelência nasce do afeto. As pessoas se tornam criteriosas por conta do seu bem querer. Quem ama não aceita a lógica do “de qualquer jeito” – aliás, detesta “jeitinho”. No carinho reside a meticulosidade. Cuidado refina atitudes. Os amantes não se importam em caminhar milhas extras. Quem aprecia transforma decisões banais em imperativos. Esmero e amor se irmanam.

Personalização

O amor descarta ideações. Não se contenta em sobreviver no mundo das ideias. Amor precisa se encarnar. Paixões platônicas ou virtuais se extinguem, morrem de inanição. Unamuno avaliou que o amor na relação com Deus sai do mundo da perfeição para realizar-se no real: “O amor personaliza tudo aquilo que ama. Só nos podemos enamorar de uma ideia, personificando-a. E quando o amor é tão grande e vivo, tão forte e transbordante que tudo ama, então tudo ele personifica, e descobre que o todo total, que o Universo é também Pessoa que tem Consciência, Consciência que por sua vez, sofre, se compadece e ama, como quem diz – é consciência. E esta Consciência do Universo, que o amor descobre personificando tudo aquilo que ama, é o que nós chamamos Deus. E assim a alma compadece-se de Deus, e sente que ele se compadece por seu lado, ama-o e sente-se amado por ele, abrigando a sua miséria no seio da miséria eterna e infinita, que é, pela sua eternidade e infinidade, a suprema felicidade.

Deus é, pois, a personificação do Todo, é a Consciência eterna e infinita do Universo, Consciência presa da matéria, e esforçando-se para se libertar dela. Personalizamos o Todo, para nos salvarmos do nada…”

“… pois o amor é tão forte quanto a morte… Nem muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem levá-lo na correnteza. Se alguém oferecesse todas as riquezas de sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado” [Cântico dos cânticos, 8.6-7].

Soli deo Gloria

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