domingo, 6 de maio de 2012

Microsalvamentos – Como salvar o mundo um instante de cada vez

Paulo Brabo

Sei como salvar o mundo mas até agora não contei para ninguém, porque não tenho a coragem ou a força de caráter para dar exemplo e ser o primeiro. E nem, para falar a verdade, o segundo.

Contra todos os meus instintos, portanto, exponho aqui o Plano Mestre, na esperança que ninguém acredite e coloque em prática. Os resultados seriam incrivelmente desastrosos para a civilização como a conhecemos.

Esqueça o coletivo

A primeira coisa a fazer, se você ainda não fez, é desiludir-se por completo de todas as iniciativas comunitárias ou governamentais, por mais bem intencionadas que sejam, e raramente são. Esqueça, meu caro discípulo, o coletivo. A salvação não virá de ongs ou ogs, Gogues ou Magogues, poderes ou potestades. A salvação não virá de igrejas, assembléias, organizações de bairro, sindicatos, asilos, orfanatos ou campanhas de assistência. As ongs tem a tremenda virtude de não serem governamentais, mas contam com a imperdoável falha de serem organizações. Repita comigo: as instituições não existem. Só existem pessoas. Se você não fizer, ninguém vai fazer. Absolutamente ninguém vai fazer.

Eu, pode estar certo que não vou.

O MUNDO É SALVO EM PARTES. EM PARTES PEQUENAS.

Esqueça quem você ama

Não no sentido de deixar de amar quem você ama, mas no sentido de abandonar todas as suas tentativas de salvar, resguardar e proteger quem você ama. Todos os esforços nesse sentido serão contraproducentes. Você precisa de quem você ama, e está portanto inteiramente desqualificado para ajudá-lo. Talvez alguém possa salvar quem você ama, mas não será você. A única coisa a se fazer por quem se ama é a absolutamente mais dolorosa e custosa de todas: abrir mão dos seus esforços de preservar essas pessoas para você, mantendo ao mesmo tempo a [tola] esperança de que elas lhe sejam devolvidas inteiras um dia. Sua missão, aprenda comigo, não será salvar os que você ama. Se fosse, onde estaria o seu mérito?

Salve o momento

O terrível segredo, que ninguém parece ter a coragem de encarar, é que o mundo não pode ser salvo de uma só vez. Não há como se varrer a miséria da existência em grandes e eficientes vassouradas. Não há como se pagar alguém para ir salvando o mundo, do modo que se paga o encanador para desentupir o ralo. Salvar o mundo é um serviço sujo que só você pode fazer, ao ritmo de um ínfimo passo de cada vez.

O mundo é salvo em partes. Em partes pequenas.

Souberam-no e sabem-no todos os grandes santos, jesuses, gandhis e são franciscos, e as madres teresas de todas as Calcutás. O único modo verdadeiramente virtuoso de se viver e o único modo eficaz de se salvar o mundo é pelo regime dispendioso, frustrante e tremendamente lento dos microsalvamentos: redimindo-se um momento de cada vez. Um remédio de cada vez. Uma refeição de cada vez. Uma conversa de cada vez. Um abraço de cada vez. Uma caminhada de cada vez. Um cafezinho de cada vez. Um pedido de desculpas de cada vez. Um perdão de cada vez. Um churrasco de cada vez. Uma adoção de cada vez. Uma cura de cada vez. Uma dor de cabeça de cada vez.

Os microsalvamentos não são glamurosos, não são definitivos, não dão manchete e não são recompensadores. Não dão a impressão de trabalho realizado, porque não está. É apenas o começo das dores, e amanhã haverá mais. A pedra que empurramos até o topo hoje terá deslizado invariavelmente o morro amanhã, e amanhã haverá outras.

Não temos infelizmente o chamado ou a capacitação para salvar o amanhã, o que nos pareceria infinitamente mais atraente. Amanhã as coisas podem já ter mudado. Amanhã posso ter dado um jeito de escapar daqui. Minha tarefa, minha impensável tarefa, é salvar este momento, este ridículo, insuportável, irredimível momento.

Alguém pare o momento que quero descer.

Prepare-se para morrer

Se você é esperto como eu, deve estar pensando: “Brabo, você está aí sentado na sua cadeira, muito belo e formoso, me convidando para sair pela vida fazendo o bem sem olhar a quem. Pois deixe-me ser o primeiro a dar-lhe boas vindas ao planeta Terra, meu amigo. Aqui o mundo não é cor-de-rosa desse jeito não. Viver nessa onda de redimir o momento é pauleira, velho. Mesmo que eu conseguisse viver a minha vida consistentemente com a melhor das boas intenções, é preciso mais do que óculos de Pollyanna para não enxergar que o mundo está cheio de gente mal intencionada. Quem garante que eu não vá cair vítima de rejeição, de incompreensão, de falcatrua, de uma bala perdida ou planejada, por parte de um espírito menos bem intencionado do que eu?”

Se você pensou assim, eu não teria dito melhor. Rejeição, traição e morte, confirmam as estatísticas, compõem o final que aguarda todos os que dedicam a vida à proposta insanidade dos microsalvamentos. Gente como Gandhi, Martin Luther King, Jesus a Abraham Lincoln não morre, é colhida pela insuportável singularidade da sua conduta. Ninguém quer estar na pele de pessoas assim, porque não permanecem muito tempo dentro da pele.

Fica então a advertência: você pode até cair nessa de salvar o mundo um momento de cada vez – mas faça suas orações, velho, porque seus dias estão contados. Não comece jamais esse serviço pensando que vai terminar.

Esqueçamos o que eu disse

Como espero ter deixado muito claro, salvar o mundo é atividade perigosa, frustrante, não-remunerada e insalubre. Requer preparo físico, caráter ilibado, sangue de barata e estômago forte. Desconsidere, portanto, tudo que eu disse.

Aliás, você não iria mesmo poder fazer nada sem a minha ajuda. Só eu posso salvar o mundo, e enquanto minha consciência estiver aplacada, o mundo estará perdido.

Mais fácil assim.



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